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Frédéric Bastiat
E certamente é bem provável que, em meio a tantos outros deba-
tes, este duplo flagelo legal, triste herança do Velho Mundo, possa
trazer, e trará, a ruína da União. É que, com efeito, não se pode ima-
ginar, no seio de uma sociedade, um fato mais digno de consideração
que este: a lei veio para ser um instrumento da injustiça. E se este
fator gera consequências tão terríveis nos Estados Unidos, onde o
propósito da lei só permitiu exceções no caso da escravidão e das ta-
rifas; o que dizer de nossa Europa, onde a perversão da lei constitui
um Princípio, um Sistema?
d
uAS
eSpécieS
de
perverSão
O Senhor de Montalembert (político e escritor), ao adotar o
pensamento contido na famosa proclamação do Senhor Carlièr,
dizia: “É preciso combater o socialismo.” E por socialismo acre-
dita-se que, segundo a definição do Senhor Charles Dupin, ele
queria dizer espoliação.
Mas de que espoliação estava ele falando? Pois há dois tipos de
espoliação: a legal e a ilegal.
Não creio que a espoliação ilegal, tal como o roubo e a fraude,
que o Código Penal define, prevê e pune, possa ser chamada de so-
cialismo. Não é ela que ameaça sistematicamente a sociedade em
suas bases. Aliás, a guerra a este tipo de espoliação não esperou
o sinal verde do Senhor de Montalembert ou do Senhor Carlier.
Ela já havia começado desde o início do mundo. Muito tempo
antes da Revolução de fevereiro de 1848, antes mesmo do apareci-
mento do socialismo, a França já possuía polícia, juizes, guardas,
prisões, cadeias e forcas. É a própria lei que conduz esta guerra e
seria desejável, penso eu, que a lei sempre tivesse esta atitude com
relação à espoliação.
A
lei
defende
A
eSpoliAção
Mas não é isso o que acontece. Às vezes a lei defende a espoliação;
outras vezes, a leva a cabo por suas próprias mãos, no intuito de pou-
par o beneficiário da vergonha, do perigo e do escrúpulo. Às vezes
ela usa todo o aparato da magistratura, da polícia, guardas e prisão
em prol do espoliador, tratando como criminoso o espoliado que se
defende. Em uma única palavra: existe a espoliação legal e é dela que,
sem dúvida, fala o Senhor de Montalembert.
Essa espoliação legal pode ser apenas uma mancha isolada no seio
das medidas legislativas de um povo. Se assim for, é melhor apagá-la
21
A Lei
o mais rápido possível, sem maiores discursos ou denúncias, a despei-
to da grita dos interessados.
c
omo
identificAr
A
eSpoliAção
legAl
Mas como identificar a espoliação legal? Muito simples. Basta
verificar se a lei tira de algumas pessoas aquilo que lhes pertence e dá
a outras o que não lhes pertence. E preciso ver se a lei beneficia um
cidadão em detrimento dos demais, fazendo o que aquele cidadão não
faria sem cometer crime. Deve-se, então, revogar esta lei o mais de-
pressa possível, visto não ser ela somente uma iniquidade, mas fonte
fecunda de iniquidade, pois provoca represálias. Se essa lei — que
deve ser um caso isolado — não for revogada imediatamente, ela se
difundirá, multiplicará e se tornará sistemática.
Sem dúvida, aquele que se beneficia com essa lei gritará alto e for-
te. Invocará os direitos adquiridos. Dirá que o estado deve proteger e
encorajar sua indústria particular e alegará que é importante que o
estado o enriqueça, porque, sendo rico, gastará mais e poderá pagar
maiores salários ao trabalhador pobre.
Não se ouça este sofista. A aceitação desses argumentos trará a espolia-
ção legal para dentro de todo o sistema. De fato, isto sempre ocorreu. A
ilusão dos dias de hoje é tentar enriquecer todas as classes, à custa umas das
outras. Isto significa generalizar a espoliação sob o pretexto de organizá-la.
A
eSpoliAção
legAl
tem
muitoS
nomeS
Agora, a espoliação legal pode ser cometida de infinitas manei-
ras. Possui-se um número infinito de planos para organizá-la: ta-
rifas, protecionismos, benefícios, subvenções, incentivos, imposto
progressivo, instrução gratuita, garantia de empregos, de lucros,
de salário mínimo, de previdência social, de instrumentos de tra-
balho, gratuidade de crédito etc. E é o conjunto de todos esses pla-
nos, no que eles têm de comum com a espoliação legal, que toma o
nome de socialismo.
Ora, o socialismo assim definido forma um corpo de doutrina.
Então, que ataque lhe pode ser feito senão através de outra guerra
de doutrina? Se você achar a doutrina socialista falsa, absurda e
abominável, então refute-a. E quanto mais falsa, mais absurda e
mais abominável for, mais fácil será refutá-la. Sobretudo, se você
quiser ser forte, comece por expurgar toda e qualquer partícula
de socialismo que possa existir na sua legislação. E a tarefa não
será pequena.
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Frédéric Bastiat
S
ociAliSmo
é
eSpoliAção
legAl
O Senhor de Montalembert foi acusado de querer combater o socia-
lismo pelo uso da força bruta. Deve-se, porém, livrá-lo desta acusação.
O que ele disse, portanto, foi o seguinte: “A guerra a se empreender
contra o socialismo deve ser compatível com a lei, a honra e a justiça.”
Mas por que o Senhor de Montalembert não observou que ele se
colocara num círculo vicioso?
Queria usar a lei para combater o socialismo? Mas como, se o pró-
prio socialismo invoca a lei?
Os socialistas desejam praticar a espoliação legal e não a ilegal. Os
socialistas, como outros adeptos do monopólio, desejam fazer da lei
seu próprio instrumento. E uma vez que a lei está do lado do socialis-
mo, como poderá ser usada contra ele? Se a espoliação está acobertada
pela lei, não pode ter contra ela os tribunais, os guardas, as prisões.
Ao contrário, deve é chamá-los para lhe prestar apoio.
Para impedir tais coisas, talvez se quisesse excluir os socialistas da
elaboração das leis.
Será que se poderia impedi-los de entrar na assembleia legislativa?
Não se teria sucesso, prevejo, enquanto a espoliação legal continuar a
ser o principal assunto de nossa legislação. É ilógico, na verdade até
absurdo, pensar de outra maneira.
A
eScolhA
diAnte
de
nóS
A questão da espoliação legal deve ser esvaziada de qualquer ma-
neira. Para tanto só vejo três soluções:
1. Poucos espoliarão muitos.
2. Todos espoliarão todos.
3. Ninguém espoliará ninguém.
Devemos fazer nossa escolha: espoliação parcial, universal ou
nula. A lei só pode lutar por um desses três resultados.
Espoliação parcial: é o sistema que prevaleceu enquanto o eleitorado era
parcial e ao qual estamos retornando para evitar a invasão do socialismo.
Espoliação universal: é o sistema que nos ameaçou quando o sufrá-
gio se tornou universal.
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