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e Experimental
na condição de atenção restrita estavam dispostos a pagar significativamente mais pelos produtos
do que os participantes na condição sem restrição.
Embora os mecanismos exatos subjacentes ao autocontrole ainda não sejam totalmente com-
preendidos, estudos recentes mostram que o emprego da força de vontade esgota grandes quanti-
dades de glicose, que possibilita o funcionamento cerebral (em especial os processos “executivos”)
fornecendo combustível para os neurônios (vide Gailliot & Baumeister 2007 para uma análise) [1].
Pode ser que o autocontrole envolva a manutenção da atenção em consequências adiadas (ou a ima-
ginação de consequências adiadas) de forma a manter ativas as emoções antecipatórias.
(d) Resumo
Diferente do laboratório, o mundo real raramente oferece informações claras a respeito dos custos
de longo prazo das nossas ações imediatas. Proporcionalmente, os únicos trade-offs que podemos
fazer são, na melhor das hipóteses, rudimentares. Poucos de nós têm uma ideia aproximada se, em
um dado momento, estamos poupando ou comendo demais ou de menos. Poucas pessoas sabem se
pode fazer sentido, talvez em um momento posterior da vida, experimentar os prazeres da heroína,
mesmo às custas de se tornarem dependentes. Os benefícios do adiamento da gratificação são sim-
plesmente intangíveis e abrir mão de recompensas tangíveis e imediatas em favor de recompensas
adiadas e intangíveis tem grandes chances de conduzir a erros.
Esses erros não precisam ser exclusivamente no sentido de muito pouco autocontrole. Embora a
literatura sobre autocontrole tenda a se concentrar nos indivíduos acometidos de autocontrole insu-
ficiente, problemas de excessiva autorregulação e excesso de atenção no futuro não são incomuns.
De maneira reveladora, para muitos problemas imputáveis ao autocontrole insuficiente, é possível
identificar um problema paralelo causado pelo autocontrole excessivo (por exemplo, obesidade em
oposição à anorexia, o esbanjador em oposição ao avarento, a impulsividade em oposição à rigidez).
Dada a dificuldade do trade-off racional entre os custos e benefícios adiados intangíveis e os tangí-
veis, não surpreende que erros tendam a ocorrer em ambas as direções.
Além dos erros que surgem por recorrermos a próximos emocionais rudimentares para recom-
pensas adiadas, também vale observar que, na medida em que o autocontrole invoca emoções nega-
tivas imediatas, ele pode ser extremamente dispendioso (Loewenstein & O’Donoghue 2006).
Evitar tentações (que deliberadamente queremos evitar) geralmente requer a experiência desagra-
dável das emoções negativas como a culpa ou a ansiedade. Além disso, quando o autocontrole falha,
costuma ser depois de tentarmos aplicar, em vão, a força de vontade. Nessas situações, basicamente
pagamos em dobro por nosso mau comportamento: além de suportar as consequências materiais ne-
gativas da satisfação (por exemplo, ganhar peso ou contrair dívidas), também deixamos de apreciar a
satisfação em si, em sua totalidade, já que nos sentimos culpados por não conseguir resistir a ela.
O restante deste artigo discute as evidências e as ramificações da constatação de que a escolha
intertemporal, na verdade, raramente envolve trade-offs explícitos . A seção 2 discute uma das poucas
aplicações para a qual temos as melhores evidências de como os tomadores de decisões lidam com a
falta de tangibilidade: o problema de gastar e poupar. A seção 3 discute uma aplicação adicional, fazer
dieta, embora as evidências sejam, na maior parte, preliminares. A seção 4 mostra como considerações
similares podem desempenhar um papel em outros domínios que não a escolha intertemporal e se con-
centra especificamente no fenômeno da beneficência. A seção 5 apresenta a conclusão.
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2. Gastar e poupar
Suponha que, aos 50 anos, você acesse uma das onipresentes “calculadoras de aposentadoria” dis-
poníveis nos sites de instituições financeiras, a qual lhe informa que, para se aposentar com o con-
forto material com que está acostumado, você precisará reservar um pé-de-meia de $500.000. No
momento, infelizmente, você atingiu apenas $20.000 da meta proposta. Algumas horas mais tarde
você se encontra com calor e com sono, e bem diante de uma Starbucks. Você vai pedir um café ge-
lado com leite que custa $4,25? De que maneira vai decidir?
De acordo com a perspectiva econômica padrão, o preço do café com leite captura seu custo de
oportunidade (seja lá a recompensa que o dinheiro não gasto teria financiado). As pessoas suposta-
mente encaram a situação como uma escolha implícita entre o prazer imediato de consumir o café
com leite e o prazer que seria desfrutado como resultado de maior gasto no futuro se lhe tivessem
renunciado (Becker et al. 1974).
A pesquisa comportamental, entretanto, sugere que muitas pessoas não interpretam os preços
de forma espontânea em termos de custos de oportunidade. Por exemplo, Frederick et al. (2007)
perguntaram a participantes se eles (hipoteticamente) estariam dispostos a comprar um vídeo dese-
jável por $14,99. Os pesquisadores simplesmente formularam de maneira diferente a decisão de não
adquiri-lo, que foi enquadrada como “não comprar o vídeo divertido” ou “guardar os $14,99 para ou-
tras compras”. Embora as duas frases representem ações equivalentes, a primeira sublinha o prazer a
que se renuncia ao se adquirir o vídeo. Frederick et al. (2007) observaram que chamar atenção para
os custos de oportunidade reduziu de maneira significativa a proporção de participantes dispostos
a adquirir o vídeo, sugerindo que muitos participantes não estavam considerando espontaneamente
os custos de oportunidade. De maneira análoga, Jones et al. (1998) pediram que os participantes
imaginassem terem recebido recentemente $15 e decidirem utilizar ou não o dinheiro para comprar
um novo CD. Metade dos participantes foi estimulada a listar 5 a 10 usos alternativos para o mon-
tante, enquanto que a outra metade não foi solicitada a considerar os custos de oportunidade. Em
consonância com Frederick et al. (2007), os participantes estimulados a considerar os custos de
oportunidade mostraram-se significativamente menos propensos a comprar o CD [2].
Se os preços não desestimulam o gasto por meio de uma consideração deliberada dos custos
de oportunidade, então qual é o papel dos preços nas decisões sobre gastos? Prelec & Loewenstein
(1998) propuseram que as pessoas se baseiam em emoções negativas – especificamente a “dor de
pagar” – como proxy para considerações deliberadas dos custos de oportunidade. A dor de pagar
nos protege do consumo exacerbado, em primeiro lugar, porque transforma custos intangíveis (no-
ções vagas sobre a que se renunciará em algum ponto indeterminado no futuro) em custos tangíveis
(na forma de dor visceral e imediata).
Presume-se que a dor de pagar pode explicar uma vasta gama de fenômenos, desde a preferência
por planos de pagamento com taxa fixa e custo marginal zero, que dá a sensação de se estar consumin-
do gratuitamente (vide Train 1991 para uma discussão a respeito do “viés da taxa fixa” e a tendência a
que os consumidores paguem mais por esses planos), passando pela preferência de pagar por serviços
como o acesso a parques e reservas naturais por meio de impostos no lugar de ingressos individuais,
até a tendência de gastar mais ao utilizar cartões de crédito em detrimento de dinheiro em espécie
(Prelec & Simester 2001; Soman 2003). Até bem recentemente, entretanto, nenhuma pesquisa empíri-
ca examinara de forma objetiva o papel da dor de pagar no comportamento real dos gastos.