Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge
Rodrigues
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criado apropriada pela empresa é o lucro, a manifestação mais direta da criação de
valor, aqui assimilada como criação
de riqueza, por simplificação metodológica.
Na interação com os clientes, a diferença entre a disposição do valor a pagar e o preço
define o chamado excedente do cliente, ou seja, o valor capturado por este (Frank 1994,
124; Thompson
et Formby 1998, 32-34). Ao gerar maior excedente para o cliente, a
empresa poderá explorar a assimetria favorável entre os seus produtos ou serviços e os
da concorrência, cobrando um prémio, se conseguir manter o valor de oportunidade do
fornecedor. Por outro lado, se a empresa com vantagem competitiva decidir manter a
paridade do preço com a concorrência, obtendo a preferência do cliente e o
consequente
aumento da quota de mercado, poderá apropriar-se de parte do excedente do cliente a
seu favor, aumentando, assim, a sua riqueza. No outro extremo da cadeia de valor, no
processo de negociação com os
stakeholders, são definidos os valores a apropriar por
fornecedores, colaboradores, gestores e outros intervenientes no negócio. Em tese, cada
participante é capaz de se apropriar de todo o excedente criado; contudo, a diferença de
contexto entre os atores influenciará a perceção de valor e a capacidade de negociação
de cada um (Lippman
et Rumelt 2003). Porém, a simples existência de vantagem
competitiva não é condição suficiente para uma maior criação de valor.
Em geral, a família empresária procura transmitir às gerações futuras a sua herança –
riqueza acumulada, consubstanciada em bens ou ativos económicos e não económicos.
Esta transmissão levanta algumas questões: o quê?, a quem?, quando?, como transmitir?
A resposta a cada uma destas questões exerce influência, quer no comportamento da
família empresária quer no desempenho da empresa familiar, bem como no montante da
herança a transmitir (Carr
et al. 2016). Parte dos bens ou ativos económicos da família
empresária estão relacionados com o negócio ou negócios da empresa familiar
controlada, mas podem também estar fora desse âmbito. Pense-se, por exemplo, na casa
de família, na casa de férias ou na carteira de aplicações financeiras de rendimento
(Steier
et al. 2015, 1268). Aqueles são acompanhados dos ativos não económicos ou
riqueza socioemocional (Romero
et Ramirez, 2016),
os quais consistem, tipicamente, no
conjunto de benefícios como o
status social associado ao negócio ou nome de família, a
satisfação decorrente da capacidade altruísta para com os parentes, a contribuição para o
bem-estar da comunidade local ou a capacidade de criar um sistema de valores para a
empresa familiar (Carr
et al. 2016, 1198). Logo, a transferência de valor intergeracional
não se resume, apenas, ao negócio de família, sendo um tema de estudo ainda
emergente nesta temática da família empresária (Carr et al. 2016, 1204).
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2.4 Efeito família empresária e orientação empreendedora
Quando a família do empreendedor está envolvida na criação do negócio, ela própria
pode disponibilizar recursos que a maior parte das vezes não estão acessíveis ao
empreendedor, só por si. São exemplos de recursos e capacidades da família empresária:
a)
Recursos intrínsecos ao empreendedor: idade, género, educação, experiência,
formação académica, formação em gestão;
b)
Recursos da família: Recursos humanos e recursos financeiros;
c)
Orientação empreendedora:
i.
Assunção de riscos – seguir
oportunidades com incerteza;
ii.
Proatividade – ênfase na persistência e criatividade para transpor obstáculos,
até que o novo conceito esteja completamente implementado;
iii.
Comportamento inovador – consiste no desenvolvimento de novos produtos,
serviços ou processos únicos;
iv.
Autonomia – expressa a independência do indíviduo em introduzir inivações;
v.
Agressividade competitiva – ações de disputa por posições de mercado;
vi.
Redes de relações – redes informais,
redes externas, redes institucionais.
A disponibilização daqueles recursos torna o empreendedor socialmente mais motivado,
mais leal e mais comprometido com todas as partes interessadas (Miller
et al. 2016,
447). Sirmon
et Hitt (2003, 339) distinguem cinco fontes de recursos na empresa
familiar: capital humano, capital social, capital de sobrevivência, capital paciente e
estruturas de governo –, as quais poderão potenciar vantagens competitivas de que a
empresa não familiar não dispõe (Miller
et al. 2016, 447). Contudo, nem todas as
empresas dispõem de recursos únicos e sobrevivem sem eles. Assim, também nem toda
a empresa familiar beneficia do fator família, por não deter recursos únicos e
inseparáveis que conduzam a uma vantagem competitiva (Nordqvist
et Melin 2010).
Portanto, o impacto dos recursos e capacidades proporcionados pela família empresária
à empresa familiar deve-se à influência das interações sistemáticas entre a família
empresária e o negócio (Habbershon
et al. 2003, 460), podendo estas criar sinergias
favoráveis ou desfavoráveis que proporcionem vantagens ou desvantagens competitivas.
Como se percebe, o problema reside em ainda não se compreender completamente
como a propriedade, a gestão e os valores da família empresária interagem para criarem
caraterísticas únicas para as organizações familiares (Serrano
et al. 2006).