Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge
Rodrigues
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O sistema de poder é gerado a partir de campos sociais autónomos, em cujo interior se
travam lutas entre agentes concorrentes por posições ou poder e lutas desses campos
entre si, também por obtenção de posições ou poder (Bourdieu 1989). A autonomia de
um campo, para os agentes, significa que tudo o que é “produzido” nesse campo deve
obedecer à sua lógica interna, ou seja, ao poder derivado do seu capital específico
(Accardo 2006, 195). O capital específico é o capital que vale em relação a um certo
campo social, é o fundamento do poder ou da autoridade específica caraterística de um
campo (Bourdieu 1993, 73). As posições na estrutura do campo são, em parte,
determinadas pelos seus agentes e correspondem a um estado não permanente de
relações de força (Bourdieu 2008a, 113), pelo que, no social tudo é relacional (Bourdieu
1990; Dubois
et al. 2013).
3.2.2 O
habitus
O conceito
habitus tem uma longa história nas ciências sociais, tendo sido adotado por
Bourdieu para estabelecer a diferença com conceitos comuns como hábito, costume,
praxe, tradição (Thiry-Cherques 2006, 33). O conceito
habitus é complexo, amplo,
flexível e crucial para se entender a teoria de campo social. Ele permite compreender o
modo como Bourdieu articula a intermediação que se propõe fazer entre estruturalismo
e subjetivismo (Bourdieu 1990, 22), ao introduzir a dimensão individual – o agente, o
qual interage com a realidade social. O
habitus é o resultado de um processo
pedagógico de aprendizagem difusa e não intencional, que tem lugar no meio em que o
individuo está imerso e onde ele aprende, sem esforço de maior, dia após dia, por
familiarização e apropriação progressivas, os modelos e as normas em vigor. Na medida
que as experiências concretas, pontuais, se repetem e acumulam, os traços que deixam
no individuo vão-se sobrepondo e combinando, reforçando a sua interiorização. Neste
sentido, o conjunto
de dispositivos para agir, pensar, perceber
e sentir de um certo modo
(conjunto de propriedades que resultam da apropriação de certos saberes e experiências)
constitui o chamado
habitus, o que permite prever, em certa medida, o comportamento
do agente, certas situações semelhantes a outras, no passado (Accardo 2006, 151-155).
Logo, o
habitus é constitído pelas estruturas sociais subjetivas do indivíduo, as quais
são construídas através das suas primeiras experiências (
habitus primário, as mais
duráveis e decisivas para a construção da personalidade do individuo) e durante a vida
de adulto (
habitus secundário, particularmente influenciado pela vivência famíliar e pela
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formação escolar), e que lhe permitem agir com a sociedade (Accardo 2006, 160).
Portanto, o
habitus é adquirido no processo de socialização
do agente num campo
determinado,
mesmo sem ele dar por isso; ao
mudar de campo, o agente ressocializa-se.
Por essa razão, o
habitus não é imutável, sendo suscetível de ser modificado por novas
experiências obtidas pelo agente (Accardo 2006, 157).
O
habitus é o que carateriza uma classe ou um grupo social em relação a outros grupos
que não partilham as mesmas condições sociais (Cuche 2016, 95), e é entendido como
constituído por princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que
se referem a estruturas estruturadas
que operam como estruturas estruturantes,
organizando as práticas e as representações dos indivíduos (Bourdieu 1980b, 88). São
os princípios que geram as distintas práticas (Bourdieu 1984) e compreendem o que os
indivíduos vão incorporando durante a sua trajetória de vida, como a forma de andar,
vestir, falar e gesticular (Bourdieu 1998, 127). São estruturas estruturadas porque foram
construídas socialmente; e são estruturantes porque foram internalizadas e operam
através da orientação das ações dos indivíduos. Ou seja, internalizamos regras e normas
sociais mas existem aspetos da nossa conduta que não são previsíveis.
É como um jogo do qual sabemos as regras e o seu sentido, mas no decorrer do qual,
dentro de certos limites, podemos improvisar ou criar (Thiry-Cherque 2006). O
habitus,
enquanto sistemas de atitudes regulares e replicáveis (Bourdieu 1980a, 88), permite
perceber, sentir, fazer e pensar de uma outra maneira; estes sentidos são interiorizados
muitas das vezes de modo inconsciente, por cada indivíduo, em função da sua
experiência de vida (familiar, profissional, desportiva, política ou outra) e da sua
trajetória social. Logo, o
habitus é um conhecimento adquirido por aprendizagem
explícita ou implícita e também um
haver (Bourdieu 1989, 61) que funciona como um
conjunto coerente de modelos flexíveis geradores de estratégias pessoais (Bourdieu
1980a, 1986), que realça o lado ativo do agente, o qual, apesar de internalizar as
representações da estrutura social, age sobre elas, não sendo apenas o seu reflexo
(Bourdieu 1990, 26). O
habitus é, então, o que permite ao indivíduo orientar-se no seu
espaço social e de adoptar práticas que estão de acordo com o grupo social a que
pretence. É isto que torna possível a um indivíduo formalizar estratégias de antecipação.
Estas estratégias não são mais do que esquemas de perceção, de pensamento e de ação,
inconscientes (Bourdieu 1980b, 91), que resultam de um trabalho de educação e de
socialização ao qual os indivíduos são submetidos e das experiências primárias a que
estão ligados, e que assumem uma maior preponderância em relação a experiências