n
ovAs
diretrizes
pArA
A
e
ducAção
i
nfAntil
INTRODUÇÃO
Zilma de Moraes Ramos de Oliveira
1
5
beres, de modo a promover igualdade de
oportunidades educacionais às crianças de
diferentes classes sociais, no compromisso
de que a sociabilidade cotidianamente pro-
porcionada às crianças lhes possibilite se
perceberem como sujeitos marcados pelas
ideias de democracia e de justiça social, e
se apropriarem de atitudes de respeito às
demais pessoas, lutando contra qualquer
forma de exclusão social. A colocação dessa
tarefa requer uma forma de organização dos
ambientes de aprendizagem que, na pers-
pectiva do sistema de ensino, é orientada
pelo currículo.
É importante lembrar que o debate sobre o
currículo na Educação Infantil tem gerado
muitas controvérsias entre os professores
de creches e pré-escolas e outros educadores
e profissionais afins. Além de tal debate in-
cluir diferentes visões de criança, de família
e de funções da creche e da pré-escola, para
muitos educadores e especialistas que traba-
lham na área a Educação Infantil não deveria
envolver-se com a questão de currículo, ter-
mo em geral associado à escolarização, tal
como vivida no Ensino Fundamental e Mé-
dio, e associado à ideia de disciplinas, de ma-
térias escolares. Receosos de importar para
a Educação Infantil uma estrutura e uma
organização que têm sido hoje muito criti-
cadas, muitos educadores da área preferem
usar a expressão ‘projeto pedagógico’ para
se referirem à orientação dada ao trabalho
com as crianças em creches ou pré-escolas.
Mas, atualmente, as críticas em relação ao
modo como a concepção de currículo vinha
sendo trabalhada nas escolas não ficam res-
tritas aos educadores da Educação Infantil,
mas são assumidas por vários setores que
trabalham no Ensino Fundamental e Médio,
etapas que, inclusive, estão também reven-
do suas diretrizes curriculares.
Por sua vez, nos últimos 20 anos, acumu-
lou-se uma série de conhecimentos sobre
as formas de organização do cotidiano das
unidades de Educação Infantil de modo a
promover o desenvolvimento das crianças.
Nesse sentido, o texto da professora Silva-
na Augusto é ao mesmo tempo ilustrativo e
provocativo.
A definição de currículo defendida nas Dire-
trizes põe o foco na ação mediadora da ins-
tituição de Educação Infantil como articula-
dora das experiências e saberes das crianças
e os conhecimentos que circulam na cultu-
ra mais ampla e que despertam o interesse
das crianças. O cotidiano das unidades de
Educação Infantil, enquanto contextos de
vivência, aprendizagem e desenvolvimen-
to, requer a organização de diversos aspec-
tos: os tempos de realização das atividades
(ocasião, frequência, duração), os espaços
em que essas atividades transcorrem (o que
inclui a estruturação dos espaços internos,
externos, de modo a favorecer as interações
infantis na exploração que fazem do mun-
do), os materiais disponíveis e, em especial,
6
as maneiras de o professor exercer seu papel
(organizando o ambiente, ouvindo as crian-
ças, respondendo-lhes de determinada ma-
neira, oferecendo-lhes materiais, sugestões,
apoio emocional, ou promovendo condições
para a ocorrência de valiosas interações e
brincadeiras criadas pelas crianças etc.).
A atividade da criança não se limita à passiva
incorporação de elementos da cultura, mas
ela afirma sua singularidade atribuindo sen-
tidos à sua experiência através de diferentes
linguagens, como meio para seu desenvolvi-
mento em diversos aspectos (afetivos, cog-
nitivos, motores e sociais). Assim, a criança
busca compreender o mundo e a si mesma,
testando de alguma forma as significações
que constrói, modificando-as continuamen-
te em cada interação, seja com outro ser hu-
mano, seja com objetos. Em outras palavras,
a criança, desde pequena, não só se apropria
de uma cultura, mas o faz de um modo pró-
prio, construindo cultura por sua vez.
As experiências vividas no espaço de Educa-
ção Infantil devem possibilitar o encontro de
explicações pela criança sobre o que ocorre
à sua volta e consigo mesma, enquanto de-
senvolve formas de sentir, pensar e solucio-
nar problemas. Nesse processo, é preciso
considerar que as crianças necessitam en-
volver-se com diferentes linguagens e valori-
zar as brincadeiras, as culturas infantis. Não
se trata, assim, de transmitir à criança uma
cultura considerada pronta, mas de oferecer
condições para ela se apropriar de determi-
nadas aprendizagens que lhe promovem o
desenvolvimento de formas de agir, sentir e
pensar que são marcantes em um momento
histórico.
Quando o/a professor/a ajuda as crianças a
compreender os saberes envolvidos na reso-
lução de certas tarefas – tais como empilhar
blocos, narrar um acontecimento, recontar
uma história, fazer um desenho, consolar
outra criança que chora etc. – são criadas
condições para o desenvolvimento de habili-
dades cada vez mais complexas pelas crian-
ças, que têm experiências de aprendizagem
e desenvolvimento diferentes de crianças
que têm menos oportunidades de interação
e exploração. O desafio que se coloca para a
elaboração curricular e para sua efetivação
cotidiana é transcender a prática pedagó-
gica centrada no/a professor/a e trabalhar,
sobretudo, a sensibilidade deste/a para uma
aproximação real da criança, compreenden-
do-a do ponto de vista dela, e não no ponto
de vista do adulto.
O campo de aprendizagens que as crianças
podem realizar na Educação Infantil é muito
grande. As situações cotidianas criadas nas
creches e pré-escolas podem ampliar as pos-
sibilidades de as crianças viverem a infân-
cia e aprenderem a conviver, brincar e de-
senvolver projetos em grupo, expressar-se,
comunicar-se, criar e reconhecer novas lin-
guagens, ouvir e recontar histórias lidas, ter
7
iniciativa para escolher uma atividade, bus-
car soluções para problemas e conflitos, ou-
vir poemas, conversar sobre o crescimento
de algumas plantas que são por elas cuida-
das, colecionar objetos, participar de brin-
cadeiras de roda, brincar de faz de conta, de
casinha, ou de ir à venda, calcular quantas
balas há em uma vasilha para distribuí-las
pelas crianças presentes, aprender a arre-
messar uma bola em um cesto, cuidar de sua
higiene e de sua organização pessoal, cuidar
dos colegas que necessitam ajuda e cuidar
do ambiente, compreender suas emoções e
sua forma de reagir às situações, construir
as primeiras hipóteses, por exemplo, sobre
o uso da linguagem escrita, e formular um
sentido de si mesmas.
Finalmente, considerar as crianças concre-
tas no planejamento curricular das institui-
ções de Educação infantil significa também
compreender seus grupos culturais, em par-
ticular suas famílias. Creches e pré-escolas,
ao possibilitarem às crianças uma vivência
social diversa da experiência no grupo fami-
liar, desempenham importante papel na for-
mação da personalidade da criança. É bom
lembrar, no entanto, que os contextos cole-
tivos de educação para crianças pequenas
diferem do ambiente familiar e requerem
formas de organização diferentes do modelo
de substituto materno, anteriormente usa-
do para analisar o trabalho em creches e es-
colas maternais. Isso reforça a gestão demo-
crática como elemento imprescindível, uma
vez que é por meio dela que a instituição se
abre à comunidade e possibilita sua partici-
pação na elaboração e acompanhamento da
proposta pedagógica.
Todas essas preocupações, além de marcar
significativamente todas as instituições de
Educação Infantil do país, devem ainda estar
presentes nas seguintes situações aponta-
das nas DCNEI: o trabalho pedagógico com
as crianças com deficiência, transtornos glo-
bais de desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, e o atendimento à demanda
das populações do campo, dos povos da flo-
resta e dos rios, indígenas, quilombolas por
uma educação e cuidado de qualidade para
seus filhos.
O texto da professora Marisa Vasconcelos
Ferreira traz importantes reflexões sobre
a avaliação na Educação Infantil enquan-
to instrumento de reflexão sobre a prática
pedagógica pelo professor, conforme ele
pesquisa que elementos podem estar con-
tribuindo, ou dificultando, as possibilidades
de expressão da criança, sua aprendizagem
e desenvolvimento.
Para concluir, o dinamismo presente na área
de Educação Infantil invoca a necessidade
de ampliação dos processos de formação
continuada para qualificar as práticas pe-
dagógicas existentes na direção proposta.
Muitas instituições encontram-se presas a
modelos que já foram avaliados e julgados
8
inadequados como instrumentos de educar,
cuidar e promover o desenvolvimento das
crianças. Em parte, a presença desses mode-
los é devida à longa tradição assistencialis-
ta presente no processo de constituição da
área de Educação Infantil, em particular em
relação à creche, o que prejudicou a elabora-
ção de modelos pedagógicos mais afinados
com as formas de promoção do desenvolvi-
mento infantil. Outro fator é a ausência de
uma política de formação específica para os
profissionais da Educação Infantil nos cur-
sos de Pedagogia, com uma explicitação cla-
ra de suas atribuições junto às crianças, par-
ticularmente em relação àquelas com idade
entre zero a três anos.
Nossa aposta é pelo envolvimento dos edu-
cadores que atuam na área na reflexão sobre
as práticas cotidianas vividas pelas crianças
nas instituições de Educação infantil e pela
busca de formas de trabalho pedagógico
que possam caminhar na direção pretendi-
da. Se hoje algumas instituições já se encon-
tram bem avançadas na concretização de
suas propostas de modo compatível com as
normativas trazidas pelas novas Diretrizes,
outras instituições podem, desde já, se en-
volverem em amplo processo de renovação
de práticas, de revolução de representações
cristalizadas sobre a criança, criando novas
expectativas acerca do que ela pode apren-
der e da melhor forma de fazê-lo. Afinal, não
apenas as crianças são sujeitos do processo
de aprendizagem, mas também seus profes-
sores se incluem no fascinante processo de
ser “um eterno aprendiz”.
Dostları ilə paylaş: |