Universidade Federal do Rio de Janeiro a relaçÃo literariedade, imagem e imaginários em



Yüklə 2,09 Mb.
Pdf görüntüsü
səhifə39/104
tarix21.07.2018
ölçüsü2,09 Mb.
#57541
1   ...   35   36   37   38   39   40   41   42   ...   104

83 
 
Um pouco mais adiante e Rivera escreve ainda que Bartolo foi seu primeiro, e viria a 
ser seu único, contato durante muito tempo com a literatura a partir de sua própria gente (fora 
das  escolas  em  que  era  obrigado  a  aprender  em  inglês)  (Cf.  RIVERA,  1975  apud 
OLIVARES, 1992, p.339-40). E eis aqui a mimese, a introjeção, pois, ao introduzir a figura 
de um poeta itinerante que anuncia a leitura e o comércio de seus poemas a sua gente, Rivera 
anuncia a si mesmo, ou melhor, a seu menino protagonista como um narrador que fará quase 
o mesmo. Anuncia assim Rivera sua poética, suas poéticas. Por isso “Bartolo pasaba por el 
pueblo...”  é  epígrafe:  por  anunciar  histórias  por  contar,  espécie  de  corridos  em  prosa  (na 
similitude  ideológica entre este gênero poético e  a  função ético-política do narrado riverano 
defendida,  como  já  apontei  anteriormente,  por  Giner,  2005)  por  contar.  Rivera,  assim, 
introjeta o efeito de Bartolo sobre sua visão de menino e projeta essa figura como um símbolo 
nas linhas da narrativa de seu menino protagonista, do menino narrador de seu romance.    
Desse  modo,  a  epígrafe  de  Bartolo  anunciaria,  como  de  fato termina  por  anunciar  o 
“primeiro” capítulo do romance (seu último conto, último ato deslocado) e o faria mesmo se 
estivesse à frente de seu fragmento despedaçado, “El año perdido”, ou ainda que este próprio 
año  perdido,  primeiro  ato  mal  colocado,  como  sugeriu  S.  Alarcón,  complementasse  el  año 
encontrado em “Debajo de la casa”. Porém, é mister ainda mais singular entender o papel que 
cumpre a epígrafe  Bartolo junto com o deslocamento contido não somente  nas poéticas que 
anuncia mas também na estética estrutural da obra que as enuncia. É essa singularidade, é tal 
singularização,  tal  manter-se  fiel  ao  deslocamento  e  fragmentação  que  permitem  (sem 
esquecer  que  a  mão  editorial  por  sobre  a  estrutura  e  até  mesmo  a  “definição”  do  gênero  da 
obra  contou  sempre  com  o  diálogo  para  com  o  autor
48
)  perceber  o  poder,  o  alcance  da 
literariedade desse, nesse romance.  
O  narrador  criado  por  Rivera  é,  ao  fim  e  ao  cabo,  uma  metáfora,  uma  projeção 
simbólica (pois a partir dele, da imitação de seu ato se projeta) do experiente Bartolo (figura 
introjetada), ou pelo menos cumpre papel,  função  metafórica, alusiva, atentando-se ainda ao 
fato  de  que  corrido  é  também  “Aquele  que  tem  experiência.  Experiente”  (Cf.  o  verbete  no 
Dicionário Eletrônico Santillana de Espanhol, 2008). Seguindo a linha de raciocínio iniciada 
em Giner (2005) e continuada em Ramos e Buenrostro (2012), complementando-as com algo 
da  introdução  que  dei  a  este  segmento,  o  jovem  narrador  riverano  é,  ainda,  e  também,  em 
“outros  termos”  (outros  significados  para  o  mesmo  significante),  um  menino  corrido
                                                             
48
 E nos revelam isso toda a conjuntura, toda a troca epistolar que antecedeu a edição  final do romance, razão 
pela qual remeto o leitor para os anexos da primeira edição latino-americana de ...y no se lo tragó (2012, p. 249-
74).
  


84 
 
deslocado,  quem  nos  guiará,  leitores,  por  chicanas,  através  de  chicanes,  num  vaivém  em 
ziguezague por entre caminhos bastante obstaculizados; sendo o compor, juntar, formar elos 
por  esse  percurso  entrincheirado  o  que  confere  a  sua  narrativa  caráter  singular, 
desfamiliarizando  a  forma  romance  não  apenas  por  compô-la  a  partir  de  contos;  mas, 
principalmente pela maneira descontínua, ex-cêntrica como o faz. Esse seu modus operandi
seu  modus descontinuum, espalhando, espaçando, “esparsando” os elos dramáticos da elipse 
romanesca  de  um  mesmo  enredo,  além  das  múltiplas  e  variáveis  relações  que  revela(m)  os 
contos e as estampas entre si, possibilita ainda à leitura encontrar uma estrita correlação entre 
tempo e locus, entre imagem (memória “fotográfica”) e espaço. 
A memória é o passado que se presentifica, daí sua relação expressa, explícita, embora 
quem  saiba  tensa,  com  o  tempo  (cronos).  O  tempo  da  memória  é  em  primeira  instância  o 
passado.  Passado  potencializado  pela  ficção,  pelo  fingir,  enganar,  enlevar  ser  (estar?) 
presente, como se presente de fato fosse. Dessa maneira, são seus verbos o “ser” e o “estar”: 
como  pode  o  cronos  da  memória  ser  o  passado,  se  os  espaços,  locus,  topos  que  ela  me  faz 
estar, “viver”, são, me são tão presentes? Decorre que, apesar de o passado ser em suma sua 
matéria, sua instância primeira, é no presente, em seus ares de presente que ela se instaura. E é 
nessa  presentificação  que  a  memória  salta  aos  mais  diferentes  espaços  (topos), 
proporcionando, instanciando encontros com espacializações descontinuadas no tempo. Tal o 
faz o narrador de Rivera em seus elos mnemônicos aparentemente desconexos, aparentemente 
sem um centro ou, melhor, sem uma centralidade, sem uma centralização; tal o faz o narrador 
riverano em sua mnemônica “(in)coesa”, em sua imitação formal da memória, porquanto sua 
ficção de memória. 
Quando, ainda na conclusão “Debajo de la casa”, do alto de uma árvore no quintal de 
sua casa o protagonista acena para um alguém imaginário em uma palmeira no horizonte a sua 
frente, além de uma nova projeção de um menino que acena para um si próprio, porém mais 
velho;  além  disso,  é  ainda  seu  povo,  sua  gente,  é  um  dos  seus  paisanos  chicanos  que  ele, 
menino narrador, imagina estar na palmeira que avista. Entretanto, é também para o leitor que 
ele  acena,  demonstrando  que  ele  sabe  do  leitor  ali,  dando  a  saber  o  que  espera  desse  leitor: 
que ele dê a volta inteira para que entenda a dramaticidade excêntrica de seu romance contado 
em fragmentos de memória. Está, pois, nessa provocação de deslocamento também do leitor 
algo da literariedade da obra, o estranhamento contido em sua própria forma, levado às raias 
das instâncias de leitura daquele que lhe é estrangeiro; estranho, estrangeiro a tão ex-cêntrica 
forma de  se  narrar um romance em  contos de relação tão intrínseca e, ao  mesmo passo, tão 


Yüklə 2,09 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   35   36   37   38   39   40   41   42   ...   104




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə