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18.112. Pois todo acontecer e ser-assim é casual.
18.12. O que o faz não casual não pode estar no audível; do
contrário, seria algo, por sua vez, casual.
18.13. É por isso que tampouco pode haver composições
meramente lógicas.
18.2. É claro que a pathológica musical não se deixa exprimir por
completo senão no esquizo das suas composições.
18.21. A pathológica é transcendental.
18.3. O primeiro pensamento que nos vem quando se formula uma lei
musical da forma “você deve...” é: e daí, se eu não fizer? É claro, porém,
que a teoria nada tem a ver com punição e recompensa, no sentido usual.
18.31. Portanto, essa questão de quais sejam as consequências de
uma composição não deve ter importância no momento da composição
se o ouvintecompositor quiser ser fiel às paixões que o levam a compor.
18.32. Deve haver, na verdade, uma espécie de recompensa e
punição passional(ou se preferir, sentimental), mas elas devem estar e
estão na própria música.
18.321. E também, é claro, a recompensa deve ser algo de
agradável e a punição algo de desagradável.
18.4. Da vontade enquanto portadora das paixões e sentimentos não
se pode falar.
18.41. Esta vontade é só a música que compõe.
18.5. Se uma boa ou má volição altera o audível, só pode alterar os
limites do audível, não as músicas; não o que pode ser musicado, as
paixões.
18.51. Em suma, o audível deve então, com isso, tornar-se a rigor
outro audível.
18.52. Deve, por assim dizer, minguar ou crescer como um todo.
18.521. A audição do feliz é diversa da do infeliz.
18.53. Como também a audição, com a surdez, não morre, se altera.
18.531. A surdez é um evento auditivo, como Beethoven ensinou-
me com lágrimas.
18.6. A solução do enigma sonoromusical está fora do sommúsica.
18.61. Como seja o audível, é completamente indiferente para o
quê. O silêncio não se revela no audível.
18.611. As músicas fazem todas parte apenas do problema, não
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da solução.
18.612. Todo canto é um canto do canto.
18.6121. Só o silêncio soluciona.
18.62. Do sentimento do audível como totalidade limitada(péras) é
produzido o sentimento do silêncio na abstração do além destes
limites(ápeiron).
18.7. Para uma resposta que não se pode dar, não se pode tampouco
questionar.
18.71. O silêncio não existe, ou ainda, eu também não tenho nada a
dizer e estou dizendo-o.
18.72. Se uma dissonância se pode compor, sua consonância
também é possível.
18.721. Pois só podem haver dissonância onde se conhece as
consonâncias.
18.8. O método correto da teoria musical seria propriamente este:
nada dizer, senão o que se pode dizer; portanto, escadas
esquizopathológicas pelas quais chegamos ao presente audível– portanto,
algo que nada tem a ver com teoria musical; e então, sempre que alguém
pretendesse dizer algo das leis sonoras e ou musicais, mostrar-lhe que
não conferiu os significados passionais a certas modulações sonoras e ou
temas em suas teorias. Esse método seria, para ele, insatisfatório – não
teria a sensação de que lhe estivéssemos ensinando música; mas esse
seria o único rigorosamente correto.
18.9. Minhas teorias elucidam dessa maneira: quem me entende acaba
por reconhecê-las como retrato de meus devaneios esquizopathológicos,
após ter escalado por eles.
18.91. Devo, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por
ela.
18.10. Escrever sobre a música é um apaixonante paradoxo. Ao mesmo
tempo que nunca alcançamos o inefável das modulações de nossos
sentimentos, o próprio escrever sobre o papel a dançar é música a gestar
um novo audível.
18.101. As palavras com as quais expresso minha música são
também, em parte, minha reação à minha música.
19. Sobre aquilo de que não se pode falar, dever-se-ia cantar.
“...la la ri la la...”
Lewis Caroll
Contato:
felipepiresribeiro@yahoo.com.br
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GEOTEC - Música, tecnologia e novos nomadismos
Rui Eduardo Paes
Na edição de Maio de 1989 da revista Keyboard, Mark Dery escreveu um
artigo em que se referia ao dia em que nos tornaríamos tecnologia (1), em
vez de apenas a usarmos, anunciando para breve esse tempo. Ainda não
chegamos lá, mas a verdade é que pouco faltará. No seu entender, o
conceito de “cyberpunk”, quando transferido da literatura de antecipação
científica para a música, constitui um “baluarte psicológico” face às
mudanças que estão por vir, trazidas por futuros avanços na
microtecnologia, nas interfaces homem-máquina, na engenharia biológica
e na nanotecnologia. Avanços que, longe de anunciarem o nirvana da
humanidade, nos desumanizam: “A tecnologia está se tornando mais
suave, mais inteligente, mais ‘sexy’, e os humanos estão se endurecendo,
perdendo os sentidos e, na idade da Aids, ficando assexuados.”
Na enquete então realizada por aquela publicação junto a músicos ligados
ao cyberpunk, as respostas foram esclarecedoras. Alain Jourgensen, dos
“pós-industriais” Ministry, disse que esta é «uma arte da guerra» e que
em tal guerra acontece, apenas, que existem mais armas. Achava ele que,
para atrair as atenções, é mais eficaz esbofetear alguém do que lhe
apertar a mão, mesmo que isso assuste algumas pessoas e as afaste. Tom
Ellard, do grupo australiano Severed Heads, introduziu até o conceito de
fight back, fórmula reativa de luta contra a predeterminação dos usos
tecnológicos por uns quantos engenheiros no Japão e dos parâmetros
com que somos coagidos a pensar pelas superestruturas do saber e da
comunicação. Naut Humon (repare-se nas semelhanças fonéticas com
“not human”, “não humano”), músico eletrônico e responsável pelo selo
Asphodel, antigo aluno de Richard Teitelbaum que se entusiasmou com o
tecno, categorizou os praticantes desta tendência como “os fantasmas da
máquina, os subversivos urbanos que se ocultam debaixo da terra”,
prontos para atacar com a substituição da harmonia e da melodia pelo
ruído, aquele sugerido pelo nosso quotidiano tecnicizado ou mesmo dali
retirado por meio de aparelhos de reprodução magnética.
Com a sua musique concrète, Pierre Schaeffer terá sido um precursor da
atitude cyberpunk na década de 50, pelo menos na medida em que,
contrapondo-se à elektronische musik (Stockhausen e a escola de
Darmstadt), baseou o seu propósito de renovar as idéias musicais no
ruído. Mas como partiu de sons recolhidos in situ, os processos que
utilizou, apesar de terem implicado em alguma inovação maquínica,
afastaram-no necessariamente da máquina. Ou seja, passou da máquina
ao ouvido, dado que a música concreta se centra na escuta. Isso logo se
alterou, e apesar de recentes incursões em contracorrente pelo
concretismo, a eletroacústica que se sucedeu aos pioneirismos de
Schaeffer e do seu mais próximo colaborador, Pierre Henry (o primeiro a
“evoluir” essa abordagem para estes domínios), regressou à máquina.
O peso da tecnologia é patente mesmo nas tendências “naturalistas” da
eletroacústica, aquelas que nomeadamente buscam o chamado “efeito
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