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oralidade, da estética dos corridos enquanto gênero literário, até poéticas que sobressaem do
debruçar-se por sobre significados outros possíveis para o mesmo significante.
O verbete corrido, além de sua característica substantivada, na qual se insere seu
significado como gênero literário poético narrativo nascido para ser musicado, cantado,
revela, também, ao ser particípio passado do verbo correr, adjetivação que denota, dentre
outros aspectos que já abordarei, algo ou alguém deslocado, que está fora de lugar (Cf. o
verbete no Dicionário Eletrônico Santillana de Espanhol, 2008). Eis então aqui outro aspecto
das poéticas às quais está relacionada a estampa de Bartolo: poéticas que se relacionam com o
movimento, o de partida, o de chegada, com o deslocamento; poéticas de movimentos
migratórios em entornos fronteiriços, poéticas fronteiriças e seus embates e entrechoques de
fronteiras outras onde instâncias culturais de alteridade entram ao mesmo tempo em contato e
choque. Não parece ser à toa, portanto, que anteceda esta estampa o conto “Cuando
lleguemos”, um capítulo em que, na sugestão de rememoração dos percalços de condução até
novos postos de trabalho rural, uma das muitas vozes evocadas pelo menino narrador se
mostra cansada desse aparente nunca chegar:
- Cuando lleguemos, cuando lleguemos, ya, la mera verdad estoy cansado de llegar.
Es la misma cosa llegar que partir porque apenas llegamos y… la mera verdad estoy
cansado de llegar. Mejor debería decir, cuando no lleguemos porque esa es la mera
verdad. Nunca llegamos (RIVERA, [1971] 2012, p. 153).
No entanto, enquanto o final de “Cuando lleguemos” parece encerrar um processo
apontando para uma demonstração de cansaço derivado de um nunca alcançar, de um eterno
buscar, na estampa seguinte a esse conto, o deslocamento transladado à figura de Bartolo
apresenta um caráter ainda mais formal, mais estrutural do que aparenta ter. Além é claro da
possibilidade pertinente de remissão à figura do sujeito chicano que ainda busca um lugar,
razão pela qual podemos pensar na busca identitária de um menino que se sente, que ainda
busca, ainda está, como sugere a adjetivação corrido, fora de lugar; além disso, se pensamos
na correlação de sentidos entre o corrido sugerido na poética do poeta Bartolo e corrido como
adjetivo significativo de deslocado, veremos que a estampa “Bartolo pasaba por el pueblo...”
tem estrita relação formal com o deslocamento de leitura que sugere a obra. Nesse aspecto, tal
estampa seja talvez em todo o romance o único caso em que esse artifício funcione, ou seja,
tenha, apresente uma função de epígrafe anunciativa, epígrafe que de fato abre o narrado que
a segue, o todo da obra que a segue. Esse argumento só se completa, entretanto, se retornamos
à questão de deslocamento estrutural, de coisas fora do lugar, levantada por Justo S. Alarcón,
questionamento onde se lê, primeiramente: que o capítulo introdutório não seria mais que uma
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parte desprendida da conclusão; e, segundo: que introdução e conclusão, tal como estão
colocadas na versão editada para o público (questão não abordada, talvez por
desconhecimento das versões anteriores à edição, por Alarcón), deveriam ser invertidas
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.
Em certa medida, há pertinência nas colocações de S. Alarcón (1988) ao observarmos
informações relevantes expostas anos depois por Ramos e Buenrostro, quando da primeira
edição latino-americana de ...y no se lo tragó la tierra (2012). Para tanto, observem-se, por
exemplo, as palavras dos próprios Gustavo Buenrostro e Julio Ramos (2012, p. 43-4, grifo
meu), os quais, no apartado “Elipsis y fragmentación”, parte integrante do prólogo escrito por
ambos para esta edição da obra, escrevem, sobre a “desconexão” na obra, que “la
discontinuidad es un rasgo distintivo de esta escritura que por años mantuvo a Rivera en
cierta indecisión entre la consideración de su escrito como un conjunto de relatos o como
una novela”. Agregam valor a tal informação, os resultados que demonstram pesquisa detida
de Julio Ramos apresentados na introdução aos anexos que complementam a edição de 2012
de ...y no se lo tragó. Nessa introdução consta logo em suas linhas iniciais a importante
contribuição de que o primeiro manuscrito enviado por Tomás Rivera em finais de outubro de
1970 para fins de participação no primeiro prêmio de literatura chicana da editorial Quinto
Sol (prêmio do qual Rivera terminaria por sair vencedor, já em 1971, com a conseguinte
publicação de sua obra) levava o título de Debajo de la casa y otros cuentos (Cf. RAMOS,
2012, p. 183). E é dessa maneira que tornamos, enfim, ao conto capítulo conclusão da obra e
às considerações de troca propostas com propriedade por S. Alarcón.
Em “Debajo de la casa”, conto final do romance riverano, ali sim, os poucos nomes e
os caracteres principais de alguns personagens ressurgem como marca identificadora de
rememoração, em um texto-rio em cursivas que rivaliza com um texto não em itálico, símile,
ambos talvez, do curso descontínuo das memórias. Repare-se, pois, a relação de nexo a qual
se pode extrair da conclusão, em sua parte final:
– Quisiera ver a toda esa gente junta. Y luego si tuviera unos brazos bien grandes
los podría abrazar a todos. Quisiera poder platicar con todos otra vez, pero que
todos estuvieran juntos (…) Necesitaba esconderme para poder comprender muchas
cosas (RIVERA, [1971] 2012, p. 160, grifo do autor).
Retornando ao conto inicial, não custa recordar que ele termina com a expressão
“muchas cosas…”, cujas reticências parecem encontrar nexo somente, enfim, no trecho final
supracitado, onde essas mesmas “muchas cosas”, enunciadas já sem a elipse das reticências
de seu igual frasal da introdução, informam, por fim, haverem sido ditas ao longo do traçado
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Remeto aqui o leitor a esse trecho escrito por Justo S. Alarcón, citado por mim integralmente há alguns
parágrafos acima.
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