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preso a um transformador de luz num dia de baile, de festa, porque sua ex-namorada não
queria reatar a história de amor que viveram.
No entanto, note-se que são apenas três pares, de doze, ou treze (se consideramos
ainda a última estampa “somada” ao conto conclusão) passíveis de interpretação sequencial,
de ligação imediata entre um e outro, conferindo à estampa um caráter evidente de ilustração
para o conto que a segue. No mais, há toda uma espécie de rompecabezas com estampas que
ou se relacionarão a contos muito à frente daqueles que de fato as sucedem imediatamente ou
então estarão relacionadas ao enredo como um todo, existindo ainda contos que estabelecem
relação não imediata entre si.
Tamanha assimetria visa como já expus a assemelhar-se ao recordar da memória,
raramente linear. No entanto, visa também a um processo de movimento, a fazer mover-se,
sair de seu lugar comum, de certa zona de conforto o leitor. Assim, na introdução do romance,
além da proposta implícita em “daba la vuelta entera”, o conto termina com outra espécie de
convite: “Pero antes de dormirse veía y oía muchas cosas...”. As reticências, antes à frente no
título do romance, agora anunciam, prenunciam que algo virá; algo rememorado, talvez em
estado de vigília, antes do dormir. Na sequência, há uma predileção por protagonistas e
narrador(es) sem nome, o que impede saber se esses personagens se repetem nos contos
subsequentes. É então que entra em cena a conclusão do narrado, o conto final e sua estampa,
esta sim, algo mais próxima a uma epígrafe anunciativa não apenas da conclusão, mas, antes,
do espírito, da poética de toda a obra. Na proposta de “fórmula” elíptica que apresentei como
representação da volta romanesca de ...y no se lo tragó la tierra, de modo esquemático a
estampa final “Bartolo pasaba por el pueblo...” é a única que isolo em um parênteses antes do
conto seguinte. Em primeiro lugar, dada à localização do capítulo que tal estampa precede:
uma posição estratégica, formal diferente daquela ocupada pelos doze contos do meio, estes
também precedidos por estampas. Ocorre, entretanto, que, apesar de também vir precedido
por uma estampa, o conto final está mais próximo, quanto a sua função estrutural, do conto
abertura, este sem estampa precedente, do que dos doze contos-capítulos do desenvolvimento,
também precedidos de estampas. Entender, pois, a razão para que o capítulo conclusão seja,
dos dois contos que ladeiam a obra, o único que “imita” a estética de desenvolvimento do
romance tem a ver com apreender algo da função, da ideia apresentada, re(a)presentada na
última estampa de ...y no se lo tragó.
A última estampa “Bartolo pasaba por el pueblo...” vai ao encontro de algunas
explicações críticas recorrentes sobre estilo e estética do romance de Tomás Rivera. Já na tese
“Contextualización de la obra de Tomás Rivera”, o espanhol Ignacio J. Esteban Giner aponta
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para certa semelhança temática do romance riverano para com o corrido mexicano, enquanto
gênero literário de resistência. Assim, para o doutor espanhol:
La novela de Rivera podría ser entendida como una nueva forma de corrido
mejicano en prosa, pues sus temas se refieren a la lucha, aventura o leyenda del
pueblo chicano, donde los personajes combaten distintas injusticias sociales,
realzando a la vez el orgullo de su herencia cultural (GINER, 2005, p.69-70 – grifo
do autor em itálico).
Neste aspecto, coincide tal observação com as colocações de Ramos e Buenrostro
(2012) sobre a aproximação estético-estilística entre o romance de Rivera e os corridos. Desse
modo, para a opinião (ancorada em entrevistas dadas pelo próprio Rivera) de Giner (2005, p.
70) de que, sobre as influências marcantes de Tomás Rivera, “fue la obra de Américo Paredes,
With his pistol in his hand (1958), la que le influyó em mayor medida”, tem-se o
complemento fornecido por Buenrostro e Ramos apontando o mesmíssimo Paredes, ao ser um
dos primeiros pesquisadores da cultura chicana, como um narrador e antropólogo que inicia
suas investigações a partir do gênero poético-narrativo do corrido da fronteira (Cf. RAMOS e
BUENROSTRO, 2012, p. 22).
Sendo assim, enquanto Giner materializa sua linha de pensamento a um nível de
parentesco mais ideológico entre o romance de Rivera e o gênero corrido, Ramos e
Buenrostro encontram na fonte já apontada por Giner (repetindo: Américo Paredes) caminhos
mais amplos para a compreensão da função que cumpre o personagem Bartolo na estampa
última do romance, como descreve o fragmento descrito:
Bartolo pasaba por el pueblo por aquello de diciembre cuando tanteaba que la mayor
parte de la gente había regresado de los trabajos. Siempre venía vendiendo sus
poemas. Se le acababan casi para el primer día porque en los poemas se encontraban
los nombres de la gente del pueblo. Y cuando los leía en voz alta era algo
emocionante y serio. Recuerdo que una vez le dijo a la raza que leyeran sus poemas
en voz alta porque la voz era la semilla del amor en la oscuridad (RIVERA, [1971]
2012, p. 154).
A meu ver, Buenrostro e Ramos enfatizam demasiado certa função, certa importância
de fundo linguístico na apresentação, na inserção do personagem Bartolo. Porém, parece-me,
ainda que também abordado, deixarem um pouco de lado o valor simbólico da personagem, a
representatividade desse mesmo caráter simbólico para a estruturação da obra. Ora, se nos
atemos ao entendimento de que o gênero corrido é comumente aceito pela crítica como um
gênero de poética narrativa oral (para alguns, com origens que remontam até mesmo ao antigo
romancero espanhol), a estampa de Bartolo é emblemática justo pela aparente obviedade de
inclinar-se sobre poéticas: desde as que se relacionam com o ritmo poético próprio mesmo da
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