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estampas que apresentam (embora nem sempre haja uma relação imediata) os contos que as
seguem.
Essas mesmas estampas irruptivas terminam, ao fim, por se revelarem como histórias
contadas ao menino protagonista, e a ação dele ante os costumes e a cultura dos seus nos
bairros e assentamentos rurais por onde passava em seu giro migratório e laboral familiar.
Está, pois na relação das estampas narrativas com costumes e cultura uma imbricação
seguinte desse modo breve de contar para com outra significação possível para o significante
IMAGEM: a de estampa representativa de motivo ou assunto religioso, valores muitas vezes
postos em xeque nas estampas rememorativas das ações de un niño, um muchacho diante de
tal religiosidade em um solo alheio e hostil a tantas marcas pluriculturais, próprias do
universo chicano.
Entretanto, mais que pintura representativa de relação com o cultural, os costumes e o
religioso de toda uma coletividade, a estampa e seu laconismo servem de verdadeiros
instantâneos fotográficos de memória, instantes apreendidos por uma lente de reminiscências.
Apoiadas em um registro literário lacônico, que sugere precisar do leitor/receptor dessas
imagens na busca por um antes e depois da tomada desses instantâneos, essas imagens
lacônicas incitam, ainda, a busca por saber quem é agente e quem é paciente na apreensão
dessas “fotos”.
É assim que, na procura por esses nexos coesivos há que se notar que, enquanto, em
...y no se lo tragó la tierra, estampa e instantâneo se assemelham, seu capítulo imediatamente
seguinte é algo um pouco mais extenso, sugerindo pensar nele como uma fotografia, digamos,
“mais trabalhada”, como um fragmento de memória para o qual se detém mais quem o
recupera, para o qual dá talvez mais atenção o narrador dessas “fotos”.
Dessa maneira, identifica-se até mesmo certa gradação entre as cores das imagens
promovidas pela narrativa de Rivera. Enquanto, apesar de menores em extensão, as estampas-
instantâneos trazem uma ou outra cor a mais ao narrarem, inclusive, embora não sempre,
alguns momentos que beiram certo sentido (às vezes irônico) de felicidade e ternura; enquanto
isso, como ia dizendo, os contos que as seguem têm, no rumor lacônico de suas
(in)conclusões, aproximação maior com outro tipo de foto, a que se revela em preto e branco.
Parece propositadamente faltarem cores às narrativas dos contos pós-estampas, com a
intenção que se deixe por conta do receptor a reflexão do estranhamento causado pela elipse
em preto e branco deixada em suas mãos.
Esses nexos só poderão ser encontrados pelo leitor quando ele se propuser a reler os
contos e suas estampas precedentes no romance, em um movimento de completar a volta
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inteira da elipse narrativa de Rivera, como sugere o protagonista narrador na abertura, com os
elos coesivos compreendidos na relação de troca evidenciada entre os contos introdução e
conclusão. A remissão a essas fotos em preto e branco, todavia, leva, ainda, a outro ponto de
análise da imagem no romance de Tomás Rivera, um contato evidente de sua obra para com a
de Juan Rulfo, como demonstro a seguir.
Na primeira edição latino-americana de ...y no se lo tragó la tierra, os já mencionados
Ramos e Buenrostro (2012, p. 8-63) destacam tal vinculação, apontando para o fato de Rulfo
fazer parte das genealogias literárias de Rivera
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. No entanto, ainda que esses autores realcem
a proximidade estilística entre Rulfo e Rivera (pondo em relevo que muitos elementos do
estilo rulfoniano terminariam por fazer escola, por influenciar autores tanto do gênero conto
quanto de toda uma narrativa romanesca mais introspectiva, entrecortada por planos
simultâneos), deixam de aproximar o caráter cru do laconismo com o trabalho empírico do
mesmo Juan Rulfo como fotógrafo, de suas imagens em preto e branco, flagrantes de
instantâneos de vida e espaço (“identidade”, topos e tempo) do mexicano.
Ramos e Buenrostro, antes, aproximam o texto riverano a fotógrafos que lançaram um
olhar particular para questões migratórias e fronteiriças
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, o que é perfeitamente
compreensível e pertinente. Contudo, ainda que Juan Rulfo em El llano en llamas não cruze a
fronteira para os Estados Unidos e caminho inverso praticamente não o faça Tomás Rivera em
...y no se lo tragó la tierra (a não ser pela identidade de personagens carregados de
mexicanidade), a obra de Rivera toca na fotografia rulfoniana. E o faz pela mesma crueza que
estabelece correspondência para com os textos de Rulfo, através de narrados secos, duros e
crus que só a elipse e o laconismo poderiam revelar, não como fotos que se apresentem, que
finjam ser fiéis retratos da vida, mas como fragmentos de memória passíveis de toda
observação, repaginação, removimentação e reapresentação. Fragmentos de memória, essa
mesma instância, faculdade do pensamento carregada de imagens incertas, volúveis, que
precisam ser completadas e recompletadas em sua rememoração, assim sendo carregadas de
ficção. Crus, como uma foto em preto e branco está para a mesma foto em cores. Crus na
ficção de memória proposta pelo menino narrador protagonista do chicano Tomás Rivera.
Antes de encerrar este tópico, cabe, porém, um retorno à informação de que, ao
postular a questão da elipse matemática como imagem maior à qual se encaixam a elipse
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Apesar da primorosa contribuição dos argumentos de Ramos e Buenrostro (2012) para quem se inclina sobre o
tema, destaco que tal vinculação Rivera-Rulfo já havia sido por mim demonstrada na comunicação “...y no se lo
tragó la tierra: ¿De qué literatura hablamos aquí?”, apresentada durante o XVII Congreso de Literatura
Mexicana Contemporánea, na University of Texas at El Paso (EUA), em março de 2012; enquanto a inestimável
publicação argentina terminaria de ser impressa em outubro daquele mesmo ano.
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São eles a estadunidense Dorothea Lange e o argentino Julio Pantoja.
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