89
picture it didn't look like him at all. Everyone said it did and of course the parents
were sure it did (RIVERA, [1978] 2012, p. 265)
50
.
Espacialização repetida e potencializada na e pela ficção de ...y no se lo tragó la
tierra, San Antonio e as situações nela vividas por Tomás Rivera transcorrem espaços do e no
tempo como uma espécie de registro de uma memória fotográfica. Tal prodígio se revela
ainda mais próximo de evidência na comparação entre as “cenas” do encontro dos retratos no
bueiro, descritas em detalhes bastante semelhantes, opondo uma curta distância entre o relato
epistolar de Rivera e a ficção de seu menino narrador. Decorre daí a questão da memória
fotográfica: ao fim e ao cabo, também uma ficção.
Memória eidética é um termo cunhado a partir do vocábulo grego εἶδος
,
“eidos”.
Ligado grosso modo ao campo do visual, portanto da memória visual, o termo é comumente
conhecido por seu sinônimo mais popular, a memória fotográfica. Ocorre que, na verdade, o
que leva ao emprego de tal terminologia é certo aspecto de perfeição imputado, conferido com
especial recorrência às técnicas de reprodução fotográfica.
Tornando a interessante artigo sobre a relação entre texto e imagem, trabalhado no fim
do primeiro capítulo desta tese, coincido com as palavras da antropóloga brasileira Sylvia
Caiuby Novaes (2008). Nele, a autora, refletindo colocações do renomado antropólogo e
filósofo francês Lévi-Strauss (1969), observa com propriedade que de um modo geral
“Imagens não reproduzem o real. Elas o representam ou o reapresentam. Nenhuma delas é
idêntica ao real” (NOVAES, 2008, p. 456 – grifo meu). Coincido, ainda, com as ponderações
de Sylvia Caiuby quando esta complementa sua argumentação a respeito da relação
imagem/objeto. Para a antropóloga, apesar de que não se possa pensar em termos de nenhuma
relação entre a imagem e o objeto/referente que ela representa, ou reapresenta; apesar disso,
tal relação (mínima que seja em alguns casos e muito mais evidente em outros), a qual sempre
existirá, não deveria implicar em que se absorvesse a imagem como cópia exata daquilo de
onde é tomada, pois, conforme explica a mesma autora, “se a imagem fosse uma imitação
completa do objeto, já não seria um sistema de signos” (NOVAES, 2008, p. 456).
E é justo a essa simbologia, à questão da imagem como um sistema de signos, à
questão da imagem, e nesse caso mesmo a fotográfica, como uma reprodução que simboliza
em vez de ser tomada como o próprio objeto de quem parte sua reprodutibilidade; é a tal
50
“Também recordei que um homem tinha ido a San Antonio em busca do lugar onde eram feitos os retratos
incrustados porque aparentemente o vendedor tinha levado o seu dinheiro e depois de quase um ano ainda não
havia retornado. Aquele homem voltou com o retrato incrustado de seu filho, que tinha sido morto na guerra. Eu
conhecia o jovem e, quando vi a imagem incrustada, ela em nada se parecia com ele. Todos disseram que sim
parecia e, desde então, os pais estavam certos de que assim o era” (Tradução minha).
90
questão que se prende o levantado por mim acerca da memória fotográfica em Rivera,
especialmente em seu “El retrato”. Para tanto, é interessante abordar esse viés a partir de outra
argumentação de Caiuby Novaes, para quem
Imagens, especificamente as que resultam das modernas técnicas de reprodução,
como as fílmicas ou fotográficas, são signos que pretendem completa identidade
com a coisa representada, como se não fossem signos. Iludem-nos em sua
aparência de naturalidade e transparência, a qual esconde os inúmeros
mecanismos de representação de que resultam. Eficientes na comunicação
simbólica, sem constrangimento sintático, estas imagens podem ser eloquentes
(NOVAES, 2008, p. 456 – grifos meus).
Assim como no trecho supracitado, em “El retrato” se pretende, pela falta, por
saudade, por carência afetiva, uma completa identidade do signo que é uma fotografia original
para com seu referente empírico, real, para com o objeto/sujeito representado na foto, pela
foto: Chuy, o filho dado como desaparecido em uma das tantas intervenções bélicas
estadunidenses que serviram como bengala, ficção de cidadania para sujeitos de classes,
etnias minoritárias, marginais, marginalizadas. Não importarão aos pais, principalmente a
Don Mateo, pai de Chuy, os mecanismos de reprodução que darão vez ao retrato abultadito de
seu filho; mas, antes, o resultado eloquente do produto, quer dizer, o quanto ele fala à
memória, a sua quase inconsciente ficção de memória. Rivera toca dessa maneira em partes
do amálgama IMAGEM ao problematizar os limites da imagem existentes entre foto, retrato,
pintura e escultura, ao serem tomados, pelo poder imaginativo também da memória, repetindo
o trecho supracitado, “como se não fossem signos”.
“Como que está vivo (...) como que vive” (RIVERA, [1971] 2012, p. 142 – grifo meu).
Este como que do “retrato riverano”, qual o “como se” de Sylvia Caiuby, remete-nos à noção
do como se deslindada e estruturada pelo teórico literário alemão Wolfgang Iser, cujos
preceitos sobre o imaginário se veem presentes já desde o terceiro tópico do primeiro capítulo
da presente tese. Ao tecer sobre o fingir no texto ficcional, o autor alemão observa que por
trazer a sua realidade criada traços identificáveis do real empírico – selecionados ou de um
contexto sociocultural ou de outros exemplos literários nos quais este novo texto busca suas
bases –, o mundo representado no texto literário é posto entre parênteses, para que ele seja
entendido como se fosse o mundo dado.
O teórico toca ainda no aspecto de totalidade que é conferido por este real posto entre
parênteses na caracterização do como se. Esta totalidade, também fingida, é não mais que um
aspecto, porque foi construída a partir de partes dos contextos que dão forma ao texto
ficcional. Tais contextos são incorporados à ficção em função do uso a ela dado, sempre
Dostları ilə paylaş: |