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de memórias disposto em aparente falta de unidade, pelo menos no que diz respeito a uma
unidade que apontasse para um todo mais romanesco. Cabe, ainda, o adendo de que,
conforme explicita Julio Ramos (2012, p. 186), também na introdução aos anexos da edição
latino-americana de ...y no se lo tragó, em um índice preliminar do romance “Rivera también
había consignado al último texto el título alternativo ‘El año encontrado’”; algo que –
compreendidos os doze contos do interior do enredo como alusivos aos doze meses de um ano
de migração laborativa rural na vida de um menino chicano e sua família por volta dos anos
de 1950 no sudoeste estadunidense – fecha com a estruturação “El año perdido”, como
introdução, e “Debajo de la casa” (“El año encontrado”) como conclusão para o
desdobramento descontínuo do recordar estes mesmos doze meses no desenvolvimento do
romance, ladeado pelos já citados textos, capítulos de abertura e fechamento.
Contudo, há mais a demonstrar na operação a ser realizada na busca de nexos para o
romance. Essa lógica, mesmo que excêntrica, encontra-a o menino narrador no conto
conclusão da obra, quando sai debaixo de uma casa onde havia estado, na dúvida ruminante
de contar a seus pais ou não que havia sido expulso da escola ianque onde era desrespeitado
por conta de sua etnicidade, para juntar os cacos de sua identidade nos fragmentos de
memória de um ano perdido:
Había encontrado. Encontrar y reencontrar y juntar. Relacionar esto con esto, eso
con aquello, todo con todo. Eso era. Eso era todo. Y le dio más gusto. Luego cuando
llegó a la casa se fue al árbol que estaba en el solar. Se subió. En el horizonte
encontró una palma y se imaginó que ahí estaba alguien trepado viéndolo a él. Y
hasta levantó el brazo y lo movió para atrás y para adelante para que viera que él
sabía que estaba allí (RIVERA, [1971] 2012, p. 161).
O presente trabalho é fruto de um estudo doutoral em que comparo esta obra de Tomás
Rivera com La frontera de cristal (1995), outro romance em contos, este escrito pelo escritor
mexicano Carlos Fuentes. E é interessante como na obra de Fuentes o nome próprio chicano é
bastante explorado como marca de uma terceira alteridade nas relações identitárias do entorno
fronteiriço mexicano-estadunidense. Curiosamente, em ...y no se lo tragó la tierra, obra de
um militante autor chicano, tal escolha não é realizada. Em ...y no se lo tragó, a marca é o
implícito, é o subentendido aos quais se vê “convidado”, impelido a buscar seus elos o leitor.
Enquanto Justo S. Alarcón (1988) propõe a troca de posições dos contos margem da
obra riverana, vinte e quatro anos depois, na primeira edição latino-americana do romance,
Julio Ramos (2012) informa que, em apêndice de abertura da seção última da publicação (uma
seção de anexos de manuscritos e trocas de correspondências entre Rivera e outros autores e
acadêmicos), o primeiro manuscrito enviado pelo autor para participação no prêmio do qual
terminaria por sair vencedor, logrando assim a edição de seu livro, tinha o título de Debajo de
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la casa y otros cuentos. Somente com a inclusão, a pedidos, de outros contos é que a obra
viria a fechar a elipse romanesca que a organização do evento já vislumbrava pela união
coesiva dos contos. Isto demonstra que, no concernente à ligação de dependência entre o
primeiro e o último capítulo, de parte desprendida que seria do último o primeiro conto, tem
Justo Alarcón certa razão.
No entanto, o fator pelo qual o último “ato” não é o primeiro está em que, se tal
operação fosse levada a cabo, a busca, se existisse, por juntar e encontrar os nexos necessários
para a apreensão do drama romanesco na obra seria facilitada. Ao fim e ao cabo, o que o
menino narrador propõe é que o ato de juntar, contar, arrumar e rejuntar tudo, o ato de rever e
reunir toda a sua gente (os personagens que sua narrativa “faz desfilar” nos doze contos de
desenvolvimento do seu entremeado de memórias) tenha para o leitor o mesmo grau de
dificuldade que ele, narrador, aponta ter nos últimos trechos de seu recuerdo “final”. Propõe,
então, o menino narrador a mimetização do seu ato de recordar, a mimetização de sua ficção
de memória. É um convite para dar a volta inteira, um convite à identificação. Identificação
que se inicia na própria epígrafe “Bartolo pasaba por el pueblo...”. Sim, pois mais do que
estampa fotográfica, como defendo, ou um de seus quadros coesivos entre os contos, como
sugere o próprio Rivera em carta a um dos editores de Quinto Sol
46
; mais do que isso, esta
passagem sobre o poeta Bartolo é uma epígrafe que encerra uma identificação do autor da
obra e de seu jovem narrador, de seu narrador menino, adolescente para com o próprio
Bartolo.
Já no texto “Chicano Literature: Fiesta of the Living”, de 1975, portanto posterior à
primeira edição de seu único romance, Rivera aclararia um pouco da translação de Bartolo,
“personagem” de sua vida real, e a relevância desse movimento para a ficção de sua obra:
When I met Bartolo, our town's itinerant poet, and when on a visit to the Mexican
side of the border, I also heard of him - for he would wander on both sides of the
border to sell his poetry - I was engulfed with alegría. It was an exaltation brought
on by the sudden sensation that my own life had relationships, that my own family
had relationships, that the people I lived with had connections beyond those at the
conscious level. It was Bartolo's poetry – or was it simply those papers that looked
like his poetry - that gave me this awareness (RIVERA, 1975 apud OLIVARES,
1992, p.339, grifo do autor)
47
.
46
Remeto o leitor à seção de anexos da edição argentina de ...y no se lo tragó la tierra (2012, p. 249-50), onde
consta fotocópia autorizada da referida correspondência.
47
“Quando eu conheci Bartolo, poeta itinerante da nossa cidade e, quando em uma visita ao lado mexicano da
fronteira, eu também ouvi falar dele – pois ele viria a vagar por ambos os lados da fronteira para vender a sua
poesia – eu estava envolto em alegria. Foi uma exaltação provocada pela súbita sensação de que minha vida
tinha relações, que a minha própria família tinha relações, que as pessoas que viviam conosco tinham conexões
para além daquelas que tinham em nível consciente. Foi a poesia de Bartolo – ou simplesmente aqueles papéis
que pareciam sua poesia – que me deu essa consciência.” (Tradução minha)
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