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objetivo, pragmático. Por isso mesmo, o autor considera que a própria realidade representada
no texto não deve ser tomada de fato como real, pois pela fórmula condicionante vigente na
expressão como se, a qual põe o mundo que em si encerra entre parênteses, dá-se uma
irrealização indicadora de seu referente. Desse modo: “A literatura recebe característica geral
de mundo representado e posto entre parênteses” (ISER, 1983, p. 401).
Mas, quando se observam os constituintes de um imaginário, o imperativo de que a
realidade re(a)presentada no texto ficcional não deve, ou seja, não tem que ser tomada como
real empírico, a meu ver cai por terra, dando lugar à observação que mais bem define a ele,
imaginário, levado em conta seu veículo, o sujeito imaginante; a observação de que tal
realidade representada não deveria ser tomada como real, como se real fosse. Não deveria,
mas o é, pois, quando se fala em imaginário, somente ao admitir que ela seja muitas vezes (e
nem sempre à revelia da intencionalidade do autor) tomada como real pelo imaginante é que
se pode dizer que a realidade do texto toca em imaginários, demasiado reais para quem os
vive, realizando-os em sua absorção mental e sensível, ainda que não passem, ao fim das
contas, de... imaginários.
Esse adendo se completa no seguimento de argumentação do próprio Iser acerca do
assunto levantado pela funcionalidade do como se para o texto de ficção. Entram em cena
então as características, envoltas em sua tomada como real, de remissão do texto ficcional e,
por
conseguinte,
de
tornar-se,
de
querer,
de
buscar
tornar-se
visível,
seu
Wahrgenommenwerden. A essas se agregam particularidades outras, atividades de orientação,
Einstellungenaktivitaten, que resultam do imaginar o mundo do texto literário como se o
mundo real ele fosse. No entanto, a observação mais efetiva destacada por W. Iser está em
apontar que tais características ocorrem porque “a ficção do como se utiliza o mundo
representado para suscitar reações afetivas nos receptores dos textos ficcionais” (ISER, 1983,
p. 405, grifo do autor). É, pois, a este suscitar reações afetivas, as quais de fato operam sobre
a e a partir da apreensão que faz o imaginante sobre o texto ficcional, que a meu modo de ver
está ligada sobremaneira a relação ficção/imaginários. Nessa relação irreal/concreção, para o
mesmo Iser (1983, p. 406), “a representação do sujeito enche de vida o mundo do texto e
assim realiza o contato com um mundo irreal”. Irreal que, insisto, torna-se real para o
imaginante/leitor, ou melhor, real em sua visibilidade, seu Wahrgenommenwerden, ato
provocado também pelo receptor ao se representar, se reapresentar, identificar-se no mundo
apresentado pelo texto de ficção, tomando-o em sua irrealidade como se real empírico fosse,
mais do que representasse.
Dessa maneira, resumem-se assim tais concepções iserianas sobre a ficção do como se:
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[O] mundo do texto entre parênteses não se representa a si mesmo, mas a um outro.
Este outro constitui a possibilidade de seu tornar-se visível, que, ao mesmo tempo,
provoca impressões afetivas no sujeito, que, de sua parte, causam atividades de
orientação e, desta forma, reações sobre o mundo do texto. Causar reações sobre o
mundo seria então a função de uso produzida pelo como se. Para isso é necessário
irrealizar-se o mundo do texto, para assim transformá-lo em análogo, ou seja, em
exemplificação do mundo, para que com isso se provoque uma relação de reação
quanto ao mundo (ISER, 1983, p. 406 – grifo do autor).
Chamo atenção uma vez mais, portanto, para o indicador de que a relação de reação quanto ao
mundo realçada pelo teórico alemão somente se dá através do efeito que tem o texto ficcional
de provocar impressões, reações afetivas no sujeito receptor desse mesmo texto. Ocorre,
porém, que abordar essas reações afetivas sugere de certa maneira pensar na questão como
passível apenas da absorção leitora de receptores teoricamente acríticos, comuns,
despreparados ou vulgos, como muitas vezes denomina a crítica científica, apuradíssima que
é. Entretanto, se toquei, nos últimos parágrafos do leque aberto acerca do texto literário, no
caráter das reações do como se por sobre o leitor/sujeito imaginante/receptor, é porque a
abordagem iseriana toca de um modo geral na ficção não apenas do texto literário, mas de
textos outros, de margens outras, de tomadas outras. Isso se aplica à questão da possibilidade
de tomada da fotografia como idêntica ao real, em vez de signo que este representa ou
reapresenta como de fato o faz. Em consequência, faz findar o aparte para que retornemos, o
leitor desta tese e eu, ao abordado por mim a respeito da ficção de memória fotográfica na
interpretação de ...y no se lo tragó la tierra e sua implicação conseguinte nos efeitos que
possibilitam identificar e falar sobre a ficção que envolve e revolve o problema do menino
narrador no romance de Tomás Rivera.
Talvez engane aquele (não seríamos todos, mesmo que “de vez em quando”?) que se
deixa levar pela “total realidade”, ou totalidade realizativa, da fotografia um dos termos
usados para a lente de um instrumento fotográfico. O fato de que a lente de uma câmera de
fotografar seja chamada de objetiva supõe muitas vezes, ao contrário da observação de que
leva esse nome por destinar-se à captação fotográfica de objetos, uma nada evidente, porém
pretensa objetividade que tende a ocultar os sujeitos (objeto, referente: subjetividade, pois, em
vez da dita objetividade) envolvidos na situação captada pelo instantâneo, pelo “roubado”
instante da foto. A objetiva da lente de uma câmera é, então, ao invés de algo que visa a uma
apreensão objetiva, um acessório cujo fim, cujo produto final objetiva ser, ou objetiva fingir
ser como o referente do qual toma, apanha de empréstimo sua imagem, antes de realmente ser
o próprio referente.
Quando Tomás Rivera leva para a ficção do conto-capítulo “El retrato” aspectos de
seu real vivido, elementos de comprovada ligação com momentos, instantes, passagens de sua
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