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que apreende (e entende) um todo determinado, ou determinadas totalidades. A ele,
imaginário, responde o que Gilbert Durand ([1994] 2011) chama de mente imaginante, ao que
poderíamos agregar mente do imaginante e, por conseguinte, sujeito imaginante. Tal aspecto
lhe conferiria o caráter, ou classificação, ou, ainda, dar-nos-ia a percepção da existência do
que muitos chamam de imaginário pessoal, ou imaginários pessoais. Tal classificação não é
de todo incorreta, mas o mais comum é que mesmo um imaginário pessoal se apoie em um, só
exista a partir de um todo maior, um universo maior, no qual se insere um imaginário plural,
pluralizado pela carga de imagens que traz em si. Tal relação de coexistência de um
imaginário pessoal para com um imaginário plural, ou para imaginários plurais, revela-nos o
caráter de latência, de característica estática que tem o imaginário plural: como uma nuvem
que paira à espera da mente imaginante que o tome de assalto, um imaginário pode mover-se
mais lenta ou rapidamente, podendo a ele se agregarem outras nuvens, outros imaginários ou
instâncias pessoais que sobre ele determinam a mente do sujeito imaginante.
Dele, imaginário, faz parte a coleção de imagens da imaginária, ou de uma imaginária;
mas ele, imaginário, não se restringe a isso. Um imaginário é um denso corpo vivo, pois seu
caráter coletivo é mental, já que é sobre a faculdade mental do imaginar que ele atua. Mesmo
seu caráter de estático é relativo, já que a determinados imaginários podem se agregar, de
tempos em tempos, imagens novas, frutos do poder de ação e influência, de persuasão dos
produtores, criadores, difusores, propagadores, veiculadores de todo e qualquer tipo de
imagem que abarcada possa ser pelo amálgama maior chamado IMAGEM. Será a força, a
profundidade que empresta à aparência das imagens produzidas e propagadas em cada época
que ditará a “pertenência”, o pertencimento, o poder de fixação ou não dessas imagens aos
imaginários pelos quais podem ser apreendidas. Há que se entender, por fim, que, dada a
necessidade classificatória do imaginário, suas imagens tendem a se valerem, mormente, da
produção de pré-conceitos (os quais por vezes resultam na disseminação de preconceitos),
servindo-se bastante de tipos, figurações, estereótipos e da força de muitos mitos. Em alguns
momentos, tal é o caso da literatura, embora esse efeito nem sempre seja intencional, dele
dependendo também a capacidade de decodificação, o filtro de apreensão do leitor receptor
das imagens que às vezes quer transmitir o texto literário.
No tocante ao romance ...y no se lo tragó la tierra, a relação da obra para com
imaginários se dá desde um ponto de vista de provocação de transtorno, de desafio. Assim,
quase todo o tempo são relativizados, questionados, revolvidos, trastocados pela obra os
seguintes tipos de imaginários:
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- de costumes: abrangentes de construções, como crenças, religião, religiosidade,
tradição, sincretismos, cosmogonia;
- sociais: de relações em sociedade, de relações sociais, referentes, principalmente, à
mobilidade, à “movedura” própria dos deslocamentos sociais. Nessa ação da narrativa
riverana, entram em cena a não heroicização do sujeito migrante, a particularização do
nomadismo ou do sentimento nomádico (distinto para cada sujeito), e a ficção da e na busca
por cidadania, por aceitação e inclusão social;
- nacionais: por um lado, ao tocar na questão chicana e, por conseguinte, das classes e
das etnias minoritárias, dentro do imaginário nacional norte-americano (estadunidense). E, por
outro, ao defrontar sua narrativa com o imagético envolto por trás do tido como tipicamente
mexicano, com as imagens dessa cultura, algo provocado por um intencional retorno a raízes
mexicanas e a um incipiente nacionalismo mexicano (relacionado principalmente com o que
da Revolução restou); isto é, ao realizar tal ação a obra teoricamente termina por produzir
sentidos para que pouco a pouco se fosse “criando” e estabelecendo uma identidade e
autonomia de pensamento, um ideal verdadeiramente chicano. A respeito desses sentidos, não
é à toa que o antropólogo jamaicano Stuart Hall (2006, p. 50-1) os relaciona com a formação
de uma cultura nacional. Para ele:
Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia
e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (...). As
culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais
podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas
estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com
seu passado e imagens que dela são construídas.
Tal intencionalidade de construção de sentidos se faz presente, relativizada, o que a
torna mais interessante porque crítica e norteadora. E essa presença intencional de construção
de sentidos leva a pensar num ideário de existência do qual se aproveitariam coetâneos e
vindouros no arroubo sugestivo do epíteto Raza Cósmica para o povo chicano. Ideário entre a
utopia de uma “pseudonação” e a assertiva de que se toca quase, em verdade, aproveitando-se
os termos de Ramos e Buenrostro quando estes falam em povos sem Estado (2012, 17-31), na
existência de, quem sabe, uma nação não sem território, mas, antes, uma nação sem Estado.
A respeito do termo “povos sem Estado”, a partir do qual derivei o meu “nação sem
Estado”, Ramos e Buenrostro (2012) tocam também em outra questão, explícita na expressão
“línguas sem Estado”. É, pois, junto a esta questão que se aprofunda, mais do que na
polemização e relativização impressa na correlação com os imaginários supracitados, a
relação riverana para com a formação de determinado imaginário, um imaginário outro para
com o qual o romance de Rivera contribui de maneira mais efetiva.
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