Esquizofonia



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         Cage costumava defender que a «música é sobre mudar a mente - 
não para compreender, mas para estar atento». 
 
 
         Eric Drexler afirmava, referindo-se à nanotecnologia que «se você 
pensa sobre a complexidade de tais instrumentos e imagina um volume 
substancial de espaço preenchido por eles, a quantidade de complexidade 
é enorme. Mas, se você pensa sobre o controle de um simples 
instrumento nanoposicionado por um nanocomputador mecânico na sua 
vizinhança imediata, este sistema tem precisamente o mesmo nível de 
complexidade de um braço robótico industrial e um computador 
convencional. A complexidade é a mesma, os componentes são muito 
menores». 
 
 
         A realidade fractal do mundo acabou com as fronteiras rígidas entre 
coisas e disciplinas. 
 
 
         Pouco antes de morrer, John Cage estudava nanotecnologia! 
 
 
         Edgar Alan Poe resgatou os mesmos princípios fractais em seu 
belíssimo conto The Purloined Letter. Tratava-se de uma história sobre 
uma carta roubada. Poe sintetizou de forma brilhante o próprio processo 
cognitivo. Várias pessoas roubando uma carta, como um verdadeiro 
processo de montagens e desmontagens. Um processamento que William 
James defendeu como sendo a base de toda a cognição. 
 
 
         Curiosamente, Freud escreveu um magnífico texto sobre esse texto 
de Poe; Jacques Lacan também o fêz sobre o texto de Freud e depois Gillo 
Dorfles escreveu sobre o texto de Lacan. Alguns anos atrás, a convite de 
um amigo - o compositor Carlos Zíngaro - escrevi um texto sobre o texto 
de Dorfles, que tratava do texto de Lacan, que por sua vez tratava sobre o 
texto de Freud e que, finalmente, era sobre o texto de Poe - que contava 
sobre cartas e ideias "roubadas". Fiz o meu texto utilizando apenas 
sentenças construídas por outras pessoas, de Claude Debussy a Dante 
Alighieri. 
 
 
         Mas, como não perceber a evidência que em toda a história da 
música (e da arte, das ciências e das tecnologias) ocorreu sempre o 
mesmo fenômeno? 
 
 
         Não refiro-me aqui ao plágio ou a fatos pontuais. 
 
 
        Certamente, um dos aspectos mais relevantes de toda a teoria de 
Mandelbrot foi mostrar a Natureza como algo fractal. Nao será essa a 
natureza da própria música, ou ainda, da linguagem em seu sentido mais 
profundo? 


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         Uma das naturezas da própria Natureza. 
 
        O diagrama a que Charles Sanders Peirce chamou Semiótica - 
etimologicamente "uma visão sobre a origem das coisas" - é, por 
excelência, um sistema fractal. 
          Na Idade Média, Sao Tomás de Aquino defendia que a arte era uma 
imitação da Natureza em seu modus operandi. 
          A natureza sistática da visão - que faz com que percebamos uma 
série de singularidades sensoriais simultaneamente - produz a ilusão do 
continuum e da uniformidade. A natureza diacrônica da audição produz a 
ilusão da fragmentação e da descontinuidade. 
          Quando admiramos uma pintura não olhamos uma coisa de cada 
vez. Mas, necessitamos de tempo para ouvir uma música. 
          Todo o pintor atento, em qualquer época, sempre soube reconhecer 
a importância do provérbio oriental que diz: ao longe uma árvore não 
possue galhos e um ser humano não possue olhos. Esse é o fundamento 
de Plínio quando afirma que a verdadeira expressividade só é alcançada 
pelo ato aleatório de se atirar um pano molhado em tinta sobre a 
superfície que está sendo pintada. Esse é o fundamento do sfumato de 
Leonardo da Vinci, dos sonhos de Einstein ou das obras de Christo 
Javachef. 
 
         John Wheeler disse exatamente isso quando afirmou que «o limite 
do limite é zero». 
 
          Tomando o futuro da música e da percepção como abordagem 
dinâmica e interativa de questões de diferentes naturezas resgatamos 
algo que poderíamos chamar de uma "iconologia fractal". 
 
          Não há mais futuro e passado, como acreditava a schemata 
mecânica e previsível dos nossos antepassados. A música experimental 
deixa de ser "nova", pois tomamos consciência que sempre referimo-nos 
a algo para criar uma "novidade", sempre "misturamos" coisas para 
obtermos o que chamamos "criatividade". 
 
         Torna-se evidente que toda a tradição é criada pela ruptura, e que 
ruptura é uma parte da tradição! Recuperamos o sentido ancestral da 
própria ideia que tradição, que assenta-se sobre a partícula trans que 
significa "passagem". 
 
          Em um certo sentido antecipando o maravilhoso universo 
descoberto por Ilya Prigogine, Buckminster Fuller afirmava, nos anos 60, 
que «os maiores avanços na ciência e na tecnologia têm sido no domínio 
invisível - sinergia - do comportamento do sistema como um todo de 
formas inprevisíveis pelo comportamento individual dos seus 
subsistemas». 
 
         Agora abra a janela e pense a música como som! 
 
          Em 1959, Le Corbusier e Edgar Varèse foram convidados para fazer o 
pavilhão Phillips na Exposição Mundial de Bruxelas. Para a surpresa dos 
organizadores, acordaram em desenvolver totalmente isolados ambos os 
projectos. O resultado foi ordem total. Le Corbusier era então 
considerado um arquiteto exótico, "não comercial" e fora de moda. Edgar 
Varèse era considerado um músico "erudito", que não tinha conseguido 
bons resultados junto à indústria cinematográfica americana. Pelo 


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