Esquizofonia



Yüklə 4,54 Kb.
Pdf görüntüsü
səhifə61/79
tarix14.12.2017
ölçüsü4,54 Kb.
#15678
1   ...   57   58   59   60   61   62   63   64   ...   79

154 
 
clusão de que o rádio era intensamente regionalista, medianamente 
nacionalista e totalmente desinteressado pelo resto do mundo, a não ser 
que algum problema ocorresse em outros países. 
O planeta inteiro pode estar transmitindo e os satélites podem estar 
repassando estas transmissões adiante com fantástica precisão, mas a 
forma mais saudável de radiodifusão da atualidade é aquela que é 
intensamente comunitária. Ela resiste à invasão. De fato, duvido que em 
toda a sua história, a transmissão (seja por rádio ou por televisão) tenha 
aumentado o conhecimento das pessoas a respeito do mundo mais do 
que faz um livro. E apesar de todos os esforços das emissoras em dizer o 
contrário, acho que elas nunca tiveram a intenção de fazer isso. O rádio 
tem sido muito mais um instrumento de nacionalismo do que de 
internacionalismo; e quando os transmissores são direcionados para o 
exterior é só para divulgar a propaganda. O rádio comercial é ainda mais 
estritamente territorial, com as emissoras comprando as suas franquias 
como se fossem lanchonetes ou estacionamentos. 
Em todo lugar, a radiodifusão ampla está cedendo lugar para uma 
radiodifusão tacanha. Os técnicos também asseguram que as limitações 
de 500-1600 quilohertz e 88-108 megahertz em breve serão abolidas, 
possibilitando a existência de centenas e finalmente milhares de novos 
canais de rádio, fragmentando a audiência em uma miríade de grupos de 
interesses especiais. Quando este desenvolvimento se der a conhecer, o 
rádio precisará se tornar um meio de comunicação de respostas rápidas e 
“cibernético”, fazendo com que os ouvintes fiquem mais ativamente 
envolvidos. 
De certo modo, isso começou com os programas de linha direta, que são 
um retorno do rádio à telefonia; mas não deve parar por aí. Se os ouvintes 
passarem a desempenhar um papel importante na reestruturação do 
rádio, a eles deve ser permitido participar da escolha dos assuntos a 
serem discutidos. Eles não devem ser intimidados e manipulados por 
locutores escorregadios. Na Holanda, por exemplo, Willem de Ridder 
opera um programa de rádio no qual qualquer ouvinte pode trazer uma 
fita cassete sobre um assunto de sua escolha que ela irá ao ar. A varie-
dade é estonteante e estimulante. 
De maneira parecida, sempre pensei em colocar microfones em 
restaurantes, clubes ou qualquer outro lugar onde as pessoas se reúnam 
para trocar idéias. Os resultados poderiam ser revigorantes. Numa 
reunião da Tupperware de uma cidade pequena, num chá beneficente 
feminino, na hora do recreio quando estudantes de segundo grau se 
reúnem para fumar escondido, num banco de praça onde os mendigos 
matam o tempo, numa loja de implementos agrícolas onde os fazendeiros 
se encontram; isto sem um locutor que fique direcionando os 
pensamentos das pessoas. Estas e outras milhões de situações 
produziriam um material muito mais interessante do que as opiniões 
solicitadas aos ouvintes sobre assuntos do dia. Isto também é 
tecnicamente possível. O único empecilho é a arrogância dos 
programadores. 
A arte é inimiga do tempo presente; ela sempre quer mudá-lo 
introduzindo outros tempos verbais. Ela altera o mundo observável ao 
introduzir novos ritmos, esquecidos, ignorados, invisíveis, impossíveis. 
E se o rádio se tornasse uma forma de arte? Então, seu conteúdo seria 
totalmente transformado. Ele deixaria de funcionar como escravo da 
tecnologia das máquinas, mecânica e cronometrada. Deixaria de palpitar 
conforme os espasmos da produção e do consumo. Iria sobrepujar os 
impedimentos da mecanização, apaziguar a fúria dos mascates e 
regateiros e calar as vozes dos apresentadores de notícias. 


155 
 
Todas essas excrescências da sociedade do “quanto mais melhor" seriam 
varridas para o aparador de cinzas do esquecimento. O rádio vibraria em 
novos ritmos, os ciclos biológicos da vida e da cultura humanas, os biorrit-
mos de toda natureza. Existem pessoas no mundo de hoje — e a história 
da humanidade é transformada quase que totalmente por estas pessoas 
— que vivem vidas orgânicas dentro dos grandes ciclos naturais do 
universo, os quais aceitam e respeitam. Só nestas condições é que o rádio 
poderia se religar com a força divina primitiva, carregada com a energia 
do sagrado e restaurada em sua condição radical original. 
O que estou exortando é a uma abordagem fenomenológica, que 
substitua a humanística. Deixemos que a voz do anunciante seja 
silenciada. Deixemos que as situações se apresentem conforme ocorram, 
sem a interrupção de patrocinadores, relógios ou manipulação editorial. 
Uma estação de rádio do Canadá na zona rural do Quebec tem a seguinte 
vinheta: “Uma nota musical, o canto de um pássaro, um poeta, uma idéia, 
e às vezes também silêncio, nas ondas da CIME FM 99.5 megahertz. Você 
está escutando a vida”. 
Infelizmente, os assuntos abordados quase nunca vão ao encontro das 
reivindicações; mas está se aproximando o tema que anuncio. 
Radiodifusão fenomenológica ao invés de humanística. Deixemos que os 
fenômenos do mundo falem por si mesmos, com suas próprias vozes, em 
seu próprio tempo, sem que o homem tenha sempre que ocupar o lugar 
central, torcendo, tirando partido e fazendo mal uso do mundo para seu 
próprio proveito. 
Por que o rádio não deveria registrar as mínimas alterações no ambiente 
sonoro? Ele é o instrumento perfeito para fazer isso. Por que não gravar a 
mudança das estações no som das folhas outonais, ou na chegada dos 
pássaros na primavera? 
E por que não divulgar esses temas nas vozes de quem melhor os 
compreende? Como por exemplo, transmitir o monólogo de um chefe 
indígena, na íntegra, com seus silêncios calculados e deliberados, que 
representam uma parte tão importante de sua eloqüência — e enfurecer 
os homens brancos. Por que não sentir a vibração de uma outra 
civilização, quem sabe lendo Os miseráveis de Victor Hugo, sem pausas, 
pelo tempo que for necessário? Ou os contadores de estórias do mundo 
todo nos trazendo as tonalidades miraculosas do desconhecido; por 
exemplo, a leitura de As mil e uma noites, com uma seriação perfeita, 
fazendo pausas, como o contador pretendia, de madrugada, no meio de 
cada episódio, para só continuar ao pôr-do-sol do dia seguinte. Ou a 
música da África, da China, da América do Sul e da Ásia, a música de 
bambus e pedras, de grilos e cigarras, de moinhos e quedas d’água, sem 
interrupção por horas — tal como são ao vivo. 
Para muitos desses temas teríamos que sair do estúdio. Mas, por que 
não? Sair a céu aberto. Ir em direção às ruas, aos prados, às selvas e aos 
campos gelados. Criar a partir de lá. Vire de cabeça para baixo todo o 
modelo de radiodifusão e você se surpreenderá como as idéias surgirão 
de dentro de você. Você precisará de novos equipamentos, mas isso virá a 
seguir. Arrisque-se no novo território, que ele se adaptará a você — um 
microfone para gravar os tambores do campo de batalha, mergulhando 
nas profundezas do oceano ou captando as vibrações das moléculas. 
Faz quase quinze anos que começamos a produzir a série de programas 
de rádio intitulada Soundscopes of Canada para a CBC. Em um programa, 
viajamos de Newfounland até Vancouver, juntando todas as respostas 
que obtínhamos para a pergunta “Como se chega em...?” O que o ouvinte 
escutava eram as indicações, por todo o país, de como se ia de um vilarejo 
ou cidadezinha até a próxima; indicações dados em todos os dialetos e 
línguas de cada região do caminho. Um outro programa consistia em nada 


Yüklə 4,54 Kb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   57   58   59   60   61   62   63   64   ...   79




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə