Esquizofonia



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Estas festas quase sempre mudam de local: três das primeiras festas 
ambient mais conhecidas de Nova York, Lalandia, The Abstract Lounge, e 
a Electric Lounge Machine, se transformaram em sucedâneas que ainda 
continuam. Festas como a Molecular no East Village, Chiaroscuro no 
Meatpacking District e FFWD no Lower East Side são menos reuniões 
sociais que locais para a arte sonora conceitual.  
Na Chiaroscuro você entra numa sala banhada de luz cor de alfazema, 
uma iluminação sideral que acaricia seus olhos e desloca seu senso de 
continuidade temporal. Tons fluidos “cool” rodopiam pelo espaço. A 
imagem da sala é fluida: o mundo se toldando, salpicando para cima, com 
os sons transientes em execução. Sons líquidos se infiltram através do seu 
corpo enquanto seu olhar vagueia pela desconjuntada arquitetura de 
projeções humanas da sala. Com o espaço interestelar como referência, a 
música, vento abstrato radiante movido pelas picapes e bancos de tons, 
inunda a sala num fluxo de símbolos sinestésicos de som e sentimento. 
Amorfo e descentralizado, o ambient se enquadra quase perfeitamente 
na visão de Gilles Deleuze e Felix Guattari da música como uma forma que 
“nunca deixou de fazer passar suas linhas de fuga, como outras tantas 
´multiplicidades de transformação`, mesmo revertendo seus próprios 
códigos, os que a estruturam ou a arborificam”. Como o rizoma, a música 
“é estranha a qualquer idéia de eixo genético ou de estrutura profunda” 
(2). O ambient, como o rizoma, é caracterizado por uma espécie de deriva 
incidental. E como um mapa, ele “é aberto, é conectável em todas as suas 
dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificação 
constantemente” (3). 
Da música anterior, o ambient mais obviamente lembra os movimentos 
da musique concrète francesa e da elektronische Musik alemã da metade 
do século XX. Mas há outros precursores – os cantos e koans dos monges 
tibetanos, ou a música intensamente repetitiva de Jajouka, no Marrocos. 
Músicos ligados ao ambient no espírito, quando não na forma, se focam 
na recepção periférica do público – música como a Gebrauchmusik 
(música funcional) de Kurt weil e a musique d´ameublement (música de 
mobília) de Erik Satie, que usam o som como ambiência. Todas estas 
músicas lidam tanto com o espaço interior quanto com o local em que a 
experiência musical acontece. No ambient, o som se torna uma extensão 
de uma relação neurolinguística entre humanos e o meio circundante. 
Não há escapatória destes sons ambientais: respiração, alarmes de carros, 


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trânsito momentâneo, batidas de coração, blips de despertador, passos, 
conversas numa esquina de rua agitada, máquinas de fax, rádios, 
televisões, o rumor dos metrôs, o canto de pássaros. Como os 
instrumentos geradores de ruído de Russolo, a música ambient tenta 
convergir o pensamento interior com o meio circundante, envolvendo-o. 
Cheguei à música ambient como um DJ de hip-hop e reggae dance-hall. 
Tirei meu nome de trabalho “Spooky” (“assustador”) do fato, engraçado 
como pareça, de que esta música desincorporada que eu amo – hip-hop, 
dance-hall, techno, ambient, futurjazz, spacedub – era em si um espaço 
sintático que refletia o mundo que eu conhecia, por que esta estranha 
música “sem batidas” parecia incorporar os principais talismãs da 
realidade consensual. Seus sons deslocados representavam para mim o 
espaço entre os sonhos. Tirei a parte seguinte do meu nome, “the 
subliminal kid” (o garoto subliminar), do personagem de Nova Express de 
William Burroughs, que interage com a realidade manipulando loops de 
fitas, esperando que se as linhas de associação que mantém juntos o 
passado e o presente forem rompidas, o futuro vai vazar por ali.  
Uma sensação profunda de fragmentação ocorre na mente de um DJ. 
Quando vim a atuar como DJ, meus arredores – um espectro de imagens 
espantosamente densas baseadas num sistema de valores assentado no 
capitalismo tardio – pareciam já ter construído tantas das minhas 
aspirações e desejos para mim; sentia como se meus nervos se 
estendessem para todas essas imagens, sons, outras pessoas – que todas 
elas eram extensões de mim mesmo, assim como eu era uma extensão 
delas. Alguém, em algum lugar, escreveu: “Apesar dele mesmo, o 
esquizofrênico é aberto a tudo e vive na mais extrema confusão. O 
esquizofrênico não é, como geralmente se diz, caracterizado pela perda 
de contato com a realidade, mas pela absoluta proximidade com ela e a 
total instantaneidade com as coisas...(pela) superexposição à 
transparência do mundo” (4). Ao criar uma estrutura analógica de sons 


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baseados na colagem, com meu eu como o único denominador comum, 
os sons passam a me representar. 
Para mim, a qualidade hipnótica, sem direção, do ambient espelha o 
processo multivalente e heterogêneo da memória. O futurista russo 
Velimir Khlébnikov acreditava numa “transrazão”, uma linguagem 
universal no âmago da expressão humana: “A agitação de nossas mentes 
gira em torno da idéia de uma linguagem transracional comum e alcança 
a atomização das palavras em unidades de pensamento contidas num 
envoltório de sons” (5). Onde Russolo invocava a imagem da cidade sem a 
substância da cidade, os sons do ambient produzem uma série intangível, 
liminar, de pensamentos desconectados, uma escultura emocional. É isso 
que Khlébnikov antecipou. Os sons e seu desenrolar no tempo ganham a 
facticidade que eles têm através de teias infinitas de referências cruzadas 
mantidas juntas apenas pelas memórias que elas invocam. 
Para construir o som ambient, o artista ambient usa tanto tons 
eletrônicos quanto samples de música já existente e sons. Na realidade 
sônica alternativa do ambient, as barreiras entre o mundo das idéias e a 
realidade cotidiana contemporânea se dissolvem. Em seus clubes e 
lounges, a música se torna parte da consciência coletiva das pessoas 
reunidas. Ela liga as pessoas como o murmúrio das ruas da cidade. 
Desincorporada mas derivada das formas combinadas da eletrônica 
(altofalantes e coisas do tipo), o ambient espelha modos de comunicação 
sem fio, diáfanos – a interação, livre de formas, das palavras. A maior 
parte da música ocidental, mesmo nas formas improvisadas como o jazz, 
focaliza na interação de um músico com um texto previamente criado, 
sendo o produto final consumido por um público conhecedor. O ambient 
converge os papéis de músico, compositor e ouvinte. 
O ambient é sinestésico. Ele cria uma implosão da consciência enquanto 
ao mesmo tempo asenta a consciência na contigüidade do corpo. A dança 
se torna internalizada, movendo-se na velocidade do pensamento. 


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