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O deslocamento da função de seus componentes, faz com que o
conhecido aparelho de som doméstico (o “sound system”, que se
popularizou na década de 70) seja exposto em seu aspecto de fetiche,
como um objeto que traz uma aura e nos fascina, como o reduto de uma
transcendência. A tecnologia, que nos rodeia e encanta em nosso dia a dia
com magia e frieza de suas formas, se apresenta como uma espécie de
entidade desconhecida que necessita de um nome para ser melhor
compreendida.
Qual é o sentido do silêncio para você?
O silêncio... que dizer? A pura iminência do som... O vazio onde algo
acontece, uma extensão infinita; são definições que não podem expressar
a experiência.
Você está participando de duas exposições: Rumos, no Itaú Cultural, e
Nympheas, que inaugurou no dia 30, na Galeria Arthur Fidalgo. Qual é a
sua proposta nesses trabalhos?
São duas propostas diferentes. O Feitiço, apresentado no Rumos, em São
Paulo, é uma instalação, uma sala com quatro TVs, dois Home Theathers.
O material sonoro é dividido em dois planos, um canal com diálogos
entrecortados de novelas brasileiras, re-editados como um mosaico de
silêncios e falas que se interpenetram. No outro canal está tocando uma
trilha instrumental composta de fragmentos de composições da música
de vanguarda e composições minhas, que desempenham aqui a função de
uma trilha de suspense e mistério. Os televisores, foco do olhar, mostram
imagens estáticas dos programas que se alternam com a imagem chuvisco
característico da TV fora de sintonia. A superposição das imagens, falas e
sons geram um estado de entorpecimento, circular e lento. Uma novela
imaginária em um Home Theater fantasma.
Nympheas, na Galeria Artur Fidalgo no Rio, é uma exposição individual
onde apresento esse aspecto escultórico à que me referia antes.
Nympheas, Pastores, Placa e o Pobre Anjo são trabalhos onde exploro
esta simbiose entre a forma, o material e o som como objetos e
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esculturas que se estendem e se entrelaçam no tempo.
Você também está preparando um trabalho para o meio digital, para ser
publicado na Lugares – revista de Arte Contemporânea, que a Fundação
Iberê Camargo lançou no dia 5 de abril. O que você está preparando
para este projeto? De que forma o meio interfere na sua criação?
Acho instigante a idéia da revista ser construída em meio digital e propor
a ocupação destes espaços imateriais, como uma espécie de estúdio
aberto à visitação onde o artista desenvolve suas idéias. Minha idéia é
ocupar gradualmente, fazendo modificações se necessário, como um
lugar em processo.
Você também faz trilhas para cinema. O que você acha mais singular
nesse meio? O que você leva em conta ao compor uma trilha? É também
um meio de experimentação?
Já fiz trilha para cinema. Quando me dedicava a composição de música
eletroacústica, brincava dizendo que fazer essa música era como fazer
cinema em casa, sem imagens e sem toda aquela produção dispendiosa.
O som tem uma relação de sentido com a imagem muito delicada, pois
tem o poder de criar atmosferas e sugerir interpretações possíveis sobre o
que se vê projetado na tela. Acho especialmente interessante os filmes de
suspense e terror nesse ponto, o som e a escuta relacionam-se ao sentido
do medo e a necessidade de estabelecer uma origem para um som
desconhecido.
Quais são os teus próximos projetos?
Alguns projetos por vir. Vou participar de um programa de artistas que
trabalham com som no Cairo, em maio, na Townhouse Gallery, com um
trabalho in situ de ocupação de um espaço dado. Também participarei do
programa Brasil+Berlim, em Berlim, em junho, com uma versão
condensada da instalação Residuu que fiz em Porto Alegre, em 2005, na
5ª Bienal do Mercosul.
Link: Outra entrevista com Paulo Vivacqua
(
http://oglobo.globo.com/oglobo/especiais/riofanzine/63165598.htm
).
Fonte: Fundação Iberê Camargo
(
http://iberecamargo.uol.com.br/content/revista_nova/default.asp
).
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SONS DE RESISTÊNCIA
Robin Ballinger
Música...espaço da história oral; sons de guerra; reunião social para a
dança, o prazer, a diversão, o sexo; emocional, espiritual, extasiante como
Jimi Hendrix e o “Réquiem” de Mozart; carreira, estrelato,
mercantilização, imperialismo cultural, censura de estado; canções de
protesto, punk, nueva canción, e o Zombie de Fela; vibração e respiração;
a razão pela qual as pessoas vão a grandes comícios políticos!; o tráfico de
escravos e códigos musicais inquebrantáveis como as batidas do coração;
ruído, som, trilha sonora; imaterial e incontrolável; instituições musicais,
disciplina e disciplinas...
Como a música passou de seu “antigo papel” como prática organizadora
de grupos sociais para ser um passatempo agradável ou empregada para
efeitos emocionais em causas nacionalistas ? Como a “correção política”
da música pode ser determinada através de uma leitura “objetiva” das
letras? Por que é até mesmo possível dissecar uma canção e considerar a
própria música como não tendo significado? Estas perguntas apontam
como a música é representada em nossa sociedade, representações que
não são a revelação de alguma verdade atemporal, mas construídas por
interesses sociais específicos. Nas páginas seguintes, desenvolvo um
entendimento da música e do ruído como forças sociais, totalmente
envolvidas no “processo dialógico” da vida social e, como tal, um
importante espaço de controle – e resistência.
Música Política ou As Políticas da Música
Como uma prática, a música está situada em relações e posições sociais
particulares que são um produto de complexos cruzamentos de cultura,
classe, gênero, etc., na experiência vivida. A música e as representações
da música são atividades contextualizadas que têm significado social e
político. Esta visão nos desloca da pergunta “Que música é política?” para
“Qual é a política específica de uma música e de que forma ela é política?”
O que é considerado em si como música é controverso e ligado a
formações ideológicas de amplo alcance incumbidas da definição de
“música” como dissociada da “não-música”.
Esta operação é um efeito do poder, aquele que funciona através de
estratégias discursivas que constroem a “música” como um aspecto da
civilização, enquanto o som e o ruído estão ligados ao incivilizado. Na
famosa pintura “ O Jardim das Delícias” de Hyeronimus Bosch (começo
do século 16), o inferno é apresentado através do caos e do alarido
criados por criaturas tocando extravagantes instrumentos musicais que
engolem e torturam os corpos dos condenados. Representado pelo
Iluminismo e pela música clássica do século 18, o som societário começou
a ser submetido a controle através das representações dominantes
ligando a “música” à ordem/civilização/mente e o “ruído” aos caos/o
primitivo/corpo. Em Noise: The Political Economy of Music (Ruído: A
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