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Uma coisa peculiar desta Comissão
Em suas noventa e duas linhas de dissertação
É que não se fala de exploração
Do trabalhador ou sua trágica condição
Ao ler as páginas, não há nenhuma menção
À capitalista opressão
O que faz qualquer um nutrir o pensamento
E desejar saber se tal não é um parcial depoimento. (1)
A canção de Attila denuncia a fundo a estória oficial ao imitar o jargão do
próprio relatório e desmascarar as representações da mídia. Ele liga as
palavras “comissão” e “dissertação” com “exploração” e “trágica
condição”, sintaticamente mostrando sua conexão real. Attila ataca o uso
de Butler como bode expiatório ao se reapropriar da linguagem da mídia
e neutralizar o “pânico moral” induzido por palavras de efeito como
“desordeiro”, “fanático” e “discursos inflamados”. Nesta canção, ele
também junta a revolta e a opressão capitalista, o que desafia o
mecanismo controlador de representar estas questões separadamente; a
revolta retratada como atos inconscientes de violência, enquanto
condições econômicas e sociais opressivas são direcionadas para vias
“apropriadas” de reforma.
No entanto, a comunicação política na música tem tradicionalmente sido
analisada apenas nos termos do significado “auto-evidente” das letras das
canções. Exemplos desta abordagem programática da música política são
comuns entre a esquerda organizada (e em causas nacionalistas) e são
encontradas no artigo “Revolutionary Song in Nicarágua” (“Canção
Revolucionária na Nicarágua”) de Pring-Mill (1987). Estas “canções
didáticas” incluem hinos inspiradores e relatos históricos, assim como
canções que são educativas, do aprendizado de tabuadas de multiplicação
a uma canção que reproduz um manual escrito para a desmontagem e
remontagem da “Carabina M-1” (por Luis Enrique Mejía Godoy). Os
insights de Pring-Mill em relação ao significado emocional e os usos
educacionais destas canções são em grande parte coligidos através da
análise de uma carta de um dos líderes revolucionários, Carlos Nunez
Tellez, na qual ele exalta o grupo musical Pancasán. Seu artigo dá pouco
sentido ao significado destas canções num contexto mais amplo e,
novamente, as letras são consideradas o único componente político. De
fato, Pring-Mill afirma:
“O que pode parecer a alguém como o mais surpreendente a respeito
dessa carta é seu total silêncio em relação à música de tais canções, que é
simplesmente subestimada: suas funções emotivas e didáticas, embora
reforçadas pela música, claramente se centram nas letras. Mas todas as
canções de maior sucesso devem muito de seu poder persuasivo à melodia
– embora a contribuição do elemento musical para a ‘significação’total de
uma canção é algo muito mais difícil de analisar do que a do seu texto”.
Esta citação dialoga com o paradoxo de construir a comunicação política
apenas em termos de texto.Enquanto o significado destas canções é
representado apenas como uma função das letras, a música é essencial
para conduzir a mensagem. Mas qual é a mensagem da música? A leitura
de letras didáticas como literais e suficientes na comunicação do
significado ignora os muitos subtextos e níveis de significação que se
apresentam na produção e execução da música.
Dentro de uma análise de conteúdo político baseada em letras, há
problemas levantados pela semiótica tal como a imprevisibilidade da
atividade sígnica, a recepção, e como o significado é múltiplo e atrelado
ao contexto. Para entender o significado das canções, a experiência
musical e o contexto cultural são fatores importantes. Além disso, um
estudo empírico sugere que apenas de dez a trinta por cento dos
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estudantes do ensino médio e universitários “identificaram corretamente
as ‘mensagens pretendidas’ nas canções” Num artigo recente, Angelica
Madeira levanta tais questões para mais adiante perguntar: “Em que
consiste o poder político da música popular?” Ela não aborda a questão
na íntegra, mas aponta numa direção imaginada por Bakhtin (filósofo e
crítico literário soviético), centrando no “caráter indestrutível e
universalidade da cultura popular”. Argumenta que “a música é
potencializadora (2) não apenas por causa dos fins políticos explícitos a
que ela é capaz de servir, mas também por que ela expressa anseios e
valores para toda uma geração”. Embora ache o sentido de seu
argumento salutar, ela negligencia em contextualizar os escritos de
Bakhtin e como a ênfase no inconformismo, na irreverência, na
festividade e no prazer na Rússia stalinista requer uma análise
completamente diferente quando aplicada aos Estados Unidos de hoje.
Isto acentua a necessidade de situar a resistência em relação a estratégias
específicas de controle e dominação.
Entender a política da música a partir de uma análise baseada no texto é
particularmente problemático com formas de música que são
extremamente codificadas (possivelmente para evitar a censura), ou onde
as letras são de importância secundária ou mesmo enganosas. E o que
poderia ser das “letras de protesto” em contextos sociais onde a
verdadeira linguagem da luta tem sido cooptada? Num artigo
interessante, Rey Chow analisa a música popular chinesa e como ela cria
um discurso de resistência num contexto onde a retórica da luta de
classes se tornou parte do discurso dominante. Nesta situação, alegria,
emoção e fisicalidade são temas trans-linguísticos centrais. Chow sugere
que o significado é criado no choque das palavras (freqüentes na história
chinesa) com a música de rock, um significado que se torna audível
através de “impressionantes pontos de divergência” em relação à voz
única da cultura oficial. Em vez de enfatizar a “voz” ou “quem fala”, Chow
sugere que perguntemos “quem toca?” e “quem escuta?” Ela conclui com
a distinção crítica entre passividade e “sabotagem silenciosa”, através de
uma discussão literal e metafórica do walkman criando um tipo de
barreira sônica. Estes exemplos mostram como a música é uma forma de
resistência mais além de uma leitura objetivada de letras políticas, através
da ênfase da estrutura da escuta, na qual o significado é reciprocamente
produzido em contextos diferentes.
Produção Cultural ou “Música clássica, jazz....estas são categorias de
música que você compra, isso não é música”. (Yo Yo Ma, violoncelista)
Em “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, Walter
Benjamim afirma que tecnologias de reprodução artística que se
originaram no começo do século 20 começaram a criar um terreno visual
ou musical indiferenciado que separou o artista ou autor do trabalho
dele/dela. A partir desta época, a teoria crítica tem enfatizado a mediação
inerente a todos os produtos culturais produzidos em massa e duas
posições principais se desenvolveram no tocante à cultura de massas. A
primeira equipara a dominação econômica à dominação cultural e acusa a
cultura de massas de reprodução da hegemonia. A segunda visão
argumenta que a cultura de massas é um espaço de contestação e que a
música popular não é um produto completamente controlado e
manufaturado do Ocidente. Guitarras elétricas e sintetizadores formam o
som de uma tecnocultura transnacional que reflete um processo de
urbanização, não de ocidentalização, já que músicos constantemente
criam novos sons para seus próprios intentos. Nesta parte, detalho estas
argumentações, juntamente com formas pelas quais os custos em queda
da tecnologia musical facilitaram a produção cultural subalterna e têm
efetivamente desafiado a hegemonia das ideologias e produtos culturais
de massas.
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