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Os escritos de Adorno sobre música representam um extremo nos
argumentos sobre o papel e influência da produção cultural na sociedade.
Para Adorno, a produção centralizada da música popular é parte de um
sistema que almeja a criação de indivíduos mecanizados cujos hábitos e
desejos se comprazem com as necessidades do capitalismo e do Estado.
Enquanto sua posição é compreensível, tendo testemunhado o poder da
música e do “alto-falante” tal como usados pelos nazistas, Adorno comete
o erro de equiparar todas as formas de música popular, rítmica, a sons
que servem aos interesses dominantes. Sua visão de música popular e da
música séria (a clássica ocidental) é maniqueísta, em que o papel da
música popular na sociedade é produzir evasão ou distração, e como uma
argamassa social na qual os ritmos da música dançante popular e do jazz
produzem um indivíduo padronizado.
Um problema central com o argumento de Adorno é a postulação de um
sujeito como um mero receptor. Em seu trabalho sobre o rock and roll,
Crossberg cita teorias da comunicação que atribuem um papel mais ativo
ao público na construção do significado e da ideologia.
“É o público que interpreta o texto, define sua mensagem, ‘decodifica’-a
em suas próprias realidades já constituídas, ou a ‘usa’ para satisfazer
necessidades já presentes. Em qualquer caso, o público faz o texto se
adequar a suas experiências”.
Enquanto concordo com Crossberg ao contextualizar e produzir uma
dinâmica de interação entre produtos culturais de massas e público, há
um perigo de criar um sujeito no sentido americanizado da escolha e do
livre-arbítrio individual. Suspeito de teorias baseadas em limites e
diferença que não explicam a fundo como a produção de diferença
freqüentemente oculta uma conformidade mais plena que não apenas
representa pouca ameaça para o capitalismo mas é vital para ele.
Além do problema do sujeito em Adorno, seu gritante eurocentrismo e
desprezo pelas formas culturais negras e seu significado no contexto da
opressão racial nos Estados Unidos é, francamente, abominável. Numa
ácida crítica a Horkheimer e Adorno, que estavam escrevendo em Los
Angeles durante a segunda guerra mundial, Mike Davis afirma:
“Eles descreveram a Indústria Cultural não apenas como uma economia
política, mas como uma espacialidade específica que corrompeu as
proporções clássicas da civilidade européia, expulsando do palco tanto as
“massas” (em sua encarnação heróica, progressista da história) quanto a
intelligentsia crítica. Sem mostrar nenhum interesse aparente pela
agitação da época da guerra nas instalações aéreas locais nem inclinados
a apreciar a vigorosa vida noturna do gueto da Central Avenue,
Horkheimer e Adorno se focaram em vez disso naquelas caixinhas para a
família que pareciam absorver a missão histórica mundial do proletariado
num consumismo centrado na família sob o comando de jingles de rádio e
propagandas da revista Life”.
Antes de descartar a “Indústria Cultural”, é importante considerar a
estratificação global da indústria fonográfica e sua influência cultural e
econômica, além dos modos pelos quais produtos culturais são
interpretados e apropriados em contextos locais. Wallis e Malm fornecem
dados abrangentes sobre a produção global e a atividade midiática (tal
como a transmissão gravada via rádio) da música e argumentam que a
atividade corporativa na indústria musical duplica padrões em grande
escala de mudança econômica e distribuições da riqueza em todo o
mundo. Atualmente, cinco grandes gravadoras “dominam a maior parte
da produção global e distribuição de música gravada. Os independentes
menores se arriscam no mercado local, e alcançam um alto grau de
competência local fomentando artistas e qualidade de repertório que os
grandes selos podem ocasionalmente explorar internacionalmente”. Além
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de mudanças na tecnologia de gravação, a organização da indústria
musical, questões de controle, autoria, direitos autorais, orçamentos de
estúdios, contratos de gravação, orçamentos de fabricação, distribuição e
jabá são grandes fatores no fluxo global de produtos musicais de massas.
Devido às pressões da concorrência, Simon Frith argumenta que a
indústria é extremamente conservadora, protegendo certos estilos e sua
lucratividade mais do que correndo riscos em novos sons e artistas. Ele
conclui que o predomínio da pirataria de fitas cassete (que está estimada
em 66 por cento em alguns mercados), e outras mudanças estruturais na
indústria e na tecnologia fornecerão novas oportunidades para
independentes e deixarão a produção cultural mais em sintonia com os
“sons da rua” e a “música como atividade humana”.
Em Cassette Culture, Peter Manuel argumenta que a acessibilidade da
tecnologia musical desde meados dos anos 1980 descentrou o controle na
indústria musical, criando um aumento na produção local de música e a
democratização da expressão. Manuel vê a própria tecnologia como a
grande causa determinante da mudança na expressão musical e política
além do monopólio e na direção do pluralismo na produção cultural,
particularmente em “nações em desenvolvimento”. Seu estudo da música
popular na Índia aponta para um boom de fitas cassetes gravadas,
produzidas e manufaturadas localmente, algumas das quais vendem
apenas uma poucas cópias, mas outras se tornam bastante populares de
maneiras que não poderiam ter ocorrido com formas anteriores de
produção musical e controle industrial. Ele argumenta que esta mudança
liberta a expressão pública dos efeitos homogeneizantes e
“desculturadores” dos produtos da mídia de massas; preserva gêneros
folclóricos que poderiam, de outra forma, se extinguir, assim como
estimula “gêneros híbridos proletários”; e promove a identidade local e
regional. Embora Manuel claramente defenda o potencial revolucionário
da tecnologia de cassetes contra a dominação cultural estrangeira, ele
admite que a qualidade da “cultura” da fita cassete reforça e pode mesmo
intensificar divisões sociais pré-existentes. Através da música e discursos
gravados, as fitas cassete tem sido altamente eficazes na organização
política, uma “nova mídia” para a organização de base popular e local e
potencialização das classes baixas. Mas as fitas cassete têm sido
utilizadas por “toda grande campanha sócio-política”, incluindo causas
religiosas e políticas bastante distantes da “mobilização esquerdista e da
potencialização subalterna” previstas por alguns.
Desenvolvimentos na tecnologia musical e comunicações de massas
criaram vias de expressão para grupos anteriormente silenciados,
facilitaram redes de música alternativa como o rap e o punk, e criaram a
possibilidade para uma cultura transnacional antagônica. Ao sugerir esta
potencialidade, não afirmo que a resistência tanto ao imperialismo
econômico quanto ao “cultural” esteja baseada em novas tecnologias ou
que um único significado possa ser obtido destes desenvolvimentos. As
reformulações de identidade através da circulação de produtos de música
popular naturalmente levantam a possibilidade de novos tipos de
organização e comunidade. Ao mesmo tempo, a “incessante busca por
mercados” do capitalismo multinacional tem significado a intensificada
mercantilização e consumo de produtos culturais globais, mas o
significado social deste marketing e de como músicos e produtores
culturais negociam neste terreno deve ser abordado nestas
particularidades. Raymond Williams argumenta que a tecnologia não é
um instrumento pré-determinado de dominação ou liberação, mas “um
momento de escolha”, e em vez disso enfatiza “a intensa vitalidade de
alguns tipos de música popular, sendo sempre alcançada pelo mercado e
freqüentemente capturada e domesticada, mas repetidamente
renovando seus impulsos em formas novas e vigorosas”. A próxima parte
aborda como a produção da música popular em formas gravadas e ao vivo
interagem com políticas de localização.
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