Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge
Rodrigues
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3.4.2
Habitus e
hexis
A noção de
habitus e a de
hexis podem confundir-se; a
hexis é uma das dimensões do
habitus. Além disso, em Bourdieu (1989) o
habitus é, ele próprio, uma conversão da
noção aristotélica de
hexis, sendo também uma tradução latina da
hexis de Aristóteles
(Casanova 1995). Quer o
habitus quer a
hexis representam disposições incorporadas,
quase posturais, dos agentes em ação (Bourdieu 1998, 125-127). Contudo, o
habitus
pode ser considerado uma conjunção ou uma superação da noção de
hexis (Casanova
1995), pois trata-se de uma noção mais abrangente, que engloba a própria noção de
hexis. Além da
hexis, outras dimensões do
habitus são (Thiry-Cherques 2006, 33):
a)
O
ethos ou conjunto sistemático de disposições morais, de princípios práticos, que
fazem parte do
habitus (Accardo 2006, 153n);
b)
O
eidos, um modo de pensar específico para apreensão intelectual da realidade,
aberto à possibilidade de uma reestruturação (Bourdieu 1998, 85);
c)
A
aesthesis é a sensibilidade, a dimensão de gosto e estilo (Dubois
et al. 2013).
O
habitus, ao ser um produto e um produtor de ações, gera uma reciprocidade de
relações que estabelecem um movimento perpétuo auto-condicionado, que procura,
permanentemente o reequilíbrio, que tende a regenerar-se e a reproduzir-se. Ele é o
produto da experiência individual, da experiência histórica coletiva e da interação entre
essas experiências. Percebemos, pensamos e agimos dentro da estrita liberdade dada
pela lógica do campo e da situação que nele ocupam os agentes (Thiry-Cherques 2006,
34). Por isso, o
habitus fundamenta condutas regulares, que permitem prever práticas –
as coisas que se fazem e as coisas que não se fazem – em determinado campo (Bourdieu
1990). Os
habitus são diferenciados e diferenciantes, isto é, operam distinções
(Bourdieu 2008b).
3.5 Dinâmica de concorrência e dominação
O que determina a existência de um campo e demarca as suas fronteiras são os
interesses específicos, os investimentos económicos e psicológicos que ele solicita a
agentes dotados de
habitus e as instituições nelas inseridas (Thiry-Cherques 2006, 36).
Já o que determina a vida num campo é a ação dos agentes e dos grupos, constituídos e
constituintes das relações de força, que investem tempo, dinheiro e trabalho, cujo
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retorno depende da economia particular de cada campo (Bourdieu 1990). Logo, o
conceito de campo procura dar conta dos aspetos permanentes das estruturas sociais,
pode ser analisado independentemente das caraterísticas dos seus agentes, e será tanto
mais fortemente estabelecido quanto maior for o seu grau de autonomia e quanto maior
for a quantidade de capital simbólico acumulado pelos seus agentes.
A estrutura do campo é dada pelas relações de força entre os agentes e as instituições
que lutam pela hegemonia no interior do campo. Dito de outro modo, o monopólio da
autoridade que outorga o poder de ditar as regras de repartir o capital específico de cada
campo. Ou seja, existe conflito entre os agentes que dominam e os agentes que são
dominados – violência simbólica (Bourdieu 2008a, 114). Esta dominação é, em geral,
não evidente, não específica, mas subtil e violenta. É considerada legítima dentro de
cada campo e inerente ao sistema, com os ganhos aí realizados a reverterem para os
agentes dominantes. Esta violência simbólica, doce e mascarada, exerce-se com a
cumplicidade daqueles que a sofrem e está presente no discurso do mestre, na
autoridade do burocrata, na atitude do intelectual (Thiry-Cherques 2006, 37).
Mesmo no seio de campos autónomos – como educação, religião, cultura – os quais
integram um sistema de poder, os campos coexistem com outros campos, cujos agentes
ou grupos com afinidades, que os compõem, estão em constante disputa para
conservarem ou transformarem a posição que detêm num campo determinado. Nesta
noção de autonomia dos campos sociais, cada um deles possui interesses específicos,
assim como capitais simbólicos que se constituem em sínteses diferenciadas dos outros
capitais. Logo, um mesmo agente pode ter acumulação significativa de capital
simbólico em determinado campo social ou em determinado lugar do campo social, e
uma pequena acumulação de capitais em outro campo social. Assim, o capital simbólico
pode variar de um espaço determinado para outro espaço ou de um momento no tempo
para outro momento. Transitando no tempo e no espaço entre diversos tipos de campo
social, o capital simbólico constitui um referencial teórico considerável para o estudo de
diferentes campos sociais, ajudando assim a compreender as relações de poder no
funcionamento da família empresária. Neste sentido, uma família empresária pode ser
considerada um conjunto de subcampos, onde cada um surge como se fosse
homogéneo, mas onde cada agente, enquanto indivíduo, transporta o seu interesse
próprio. Assim, desenvolve-se uma dinâmica de relacionamentos interpessoais e de
campo de forças ou de lutas que explica fracassos e sucessos; todo o indivíduo
que entra
nesse campo não pode assumir uma atitude neutra – sob pena de ficar afastado – e tem