Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge
Rodrigues
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de negócios em critérios de solidariedade ou pessoais (Mintzberg 1994). Em vez disso,
no contexto da governabilidade empresarial, os contratos com os fornecedores de
fatores de produção, distribuidores e outros parceiros, tendem a ser formalizados por
escrito, são sempre incompletos, devido à complexidade e variedade de possíveis
contingências, e deixam flexibilidade às partes para procurarem parcerias mais
eficientes com outros
stakeholders (Williamson 1985).
5.1.2 Governabilidade familiar
A governabilidade familiar distingue-se da governabilidade empresarial não pela
separação mas pela unificação da propriedade do capital e do controlo da empresa,
ajudando a formar o ideário de família empresária (Ward 2010, 95). O grau e a natureza
da propriedade necessários para estabelecer o controlo efetivo dependerá do contexto
institucional em que uma empresa se situa. Em alguns contextos, um controlo eficaz
pode exigir uma maioria absoluta de votos para que o capital esteja concentrado nas
mãos da família empresária. Noutros contextos, a utilização de ações de
classe dupla
pode proporcionar um controlo eficaz com menos da maioria absoluta do capital próprio
da empresa (Carney 2005, 253). O controlo estratégico de uma empresa também pode
ser atingido com um baixo nível de capital investido, através da criação de sistemas em
cascata de participações cruzadas (Claessens
et al., 2000), pela existência de cláusulas
que permitam à família empresária nomear os principais dirigentes ou membros do
conselho executivo ou mesmo ignorar o conselho de administração para certas decisões.
Na verdade, são os imperativos institucionais, legais, fiscais, políticos e sociais, que dão
origem às numerosas e complexas adaptações formais das estruturas de propriedade da
empresa familiar, que tornam uma tarefa árdua a procura por uma definição
universal de
empresa familiar (Carney 2005, 254). Por controlo eficaz entenda-se a capacidade de
um proprietário de controlo ter a capacidade para adicionar diretamente ou dispor dos
ativos de uma empresa sem recurso a uma terceira entidade.
Esta definição decorre das noções clássicas de direitos de propriedade, que sugerem que
a posse desses direitos confere aos seus detentores poderes de fruição, rendimento e uso
–
fructus, abusus e usus (Williamson 1985). O direito de fruição define a capacidade do
agente desfrutar em exclusividade da satisfação proporcionada pela utilização total ou
parcial de determinada quantidade do bem. O direito de rendimento define a capacidade
de, voluntariamente, o agente dispor do bem, quer materialmente (consumindo-o,
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transformando-o ou mesmo destruindo-o) quer juridicamente (vendendo-o, doando-o ou
hipotecando-o, ressalvando eventuais restrições a estas ações). O direito de uso define
as utilizações potenciais do bem. Assim, a
unificação da propriedade do capital e do
controlo da gestão, pode proporcionar mais autoridade organizacional ao empresário, à
família empresária ou a uma coalização de famílias.
Este sistema de governo das sociedades gera tendências que podem ser rotuladas como:
a) parcimónia, b) personalização e c) particularização.
5.1.2.1 Parcimónia
A propensão para a parcimónia decorre do facto de a empresa familiar tomar decisões
estratégicas sobre a riqueza da família empresária. Em geral, as pessoas são mais
prudentes quando trabalham com os seus próprios bens. Permanecendo as outras
variáveis constantes, a unificação da propriedade do capital e do controlo da gestão da
empresa mitiga os problemas clássicos de agência inerentes à governabilidade
empresarial, porque as funções de utilidade dos proprietários gestores, em termos de
oportunidades de crescimento e de tomada de risco, são uma e a mesma função. Esta
convergência de interesses pode tornar-se menos robusta quando exista uma grande
pulverização de detentores da propriedade do capital. Contudo, esta forma de governo
das sociedades reduz a tendência para o oportunismo e a possível endemia da separação
da propriedade do capital e do controlo da gestão, não necessitando de dispendiosos
sistemas de monitorização e incentivos entre proprietários e gestores (Jensen
et
Meckling, 1976). O controlo direto da empresa familiar por uma família empresária tem
associada uma rendibilidade residual, para os detentores da propriedade do capital, o
que incentiva à minimização dos custos de controlo (Alchian
et Demsetz 1972) e a uma
apertada monitorização do comportamento discricionário dos gestores, o que torna
difícil, para estes, desviar recursos para atividades de não criação de valor (Anderson
et
Reeb 2003). Logo, a empresa familiar detém fortes incentivos para garantir que o seu
capital é utilizado com moderação e de forma intensiva, e os custos de produção
indiretos são bem geridos (Brickley
et Dark 1987). Em suma, a convergência de
incentivos que reduzam os custos de agência e, ao mesmo tempo, promovam a
eficiência da produção (Durand
et Vargas 2003), pode ser rotulada como sendo a
parcimónia, e indica uma tendência para a conservação dos recursos e a cuidadosa
afetação
dos mesmos, em relação a outros modos de governo das sociedades.