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leitura dos formalistas russos), ou seja, sugerindo-nos (ou mesmo enlevando-nos a crer,
dependendo do grau de conhecimento, preparo e aceitação do leitor-receptor) sentenças,
pensamentos, questionamentos tais quais: fala assim o mexicano pueblerino, o mexicano das
camadas menos privilegiadas, mais populares? Fala assim todo mexicano?
Seguro é que tais sentenças simplistas nos remetem a um pensamento, a um receptor
estrangeiro. E é interessante lembrar que os formalistas também tocavam nessa questão
linguístico-literária, na oposição e, porque não dizer, na complementação e intercâmbio entre
a linguagem cotidiana e a linguagem poética, literária. Quando cita Aristóteles para tratar do
caráter de estranho, de surpreendente que deve ter a língua literária, Chklovski acrescenta o
adendo de que, em prática, essa língua é frequentemente uma língua estrangeira, e chega a
citar o velho búlgaro como base do russo literário de sua época, tocando mais adiante na
influência desta mesma linguagem literária russa nas massas populares, fato que trouxe ao seu
nível muitos elementos dos dialetos dos quais se originou; e, ressoa interessante seu chamar a
atenção para a preferência por dialetos e barbarismos, em movimento oposto ao exposto
anteriormente (porém, a meu ver, em verdade, um movimento complementário), na literatura
russa de seu tempo (Cf. CHKLOVSKI, [1917] 1973, p. 54-5).
Ainda que, ao fim e ao cabo, a defesa formalista parta da premissa de diferenciação
entre língua poética (literária) e língua prosaica (cotidiana), esta em detrimento daquela,
parece-me importante realçar a observação da influência e intercâmbio próprio a ambas as
linguagens relatadas, relação igualmente extraída da leitura do corpus componentes da
presente tese. Em uma correlação ainda mais expressa, é pensar também a possibilidade do
trato literário de imagens trabalhadas desde o real apreendido podendo agir, atuar (por meio
do receptor e da ação da literariedade e poder de conquista que a obra terá nesse mesmo leitor
e, inclusive, sobre suas instâncias cognitivas) sobre e para a reinserção desses mesmos
imaginários no real vivido, conferindo-lhe novos contornos ou não, (re)criando-lhes ou não,
dependendo de todos os fatores anteriores o caráter de perpetuação, permanência, alcance e
amplidão de tais imaginários.
Tal caráter de permanência próprio de determinados imaginários
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, tocado e
perpetrado pela obra de literatura, em princípio não pode ser mensurado; no entanto, a
possibilidade de que se possa falar de uma relação entre imaginários e obra literária passa não
somente pela identificação da presença, da representação e repetição destes em exemplares
literários, mas, também, e principalmente, pelo modo como eles serão tratados,
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Trabalharei uma conceituação mais detida sobre imaginários no tópico 1.3 do presente capítulo.
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desenvolvidos, representados nas obras que acabam por imiscuírem-se (e aqui não se fala em
intencionalidade) em seu universo “de ação”.
Para tanto, podem ser vitais (como é o caso das mostras em que se baseia a presente
tese) os estranhamentos que ajudam a compor sua literariedade, a qual – ainda que não uma
regra fixa para a gama de abordagens que nos têm permitido até hoje a literatura e os estudos
a partir dela advindos – se apresenta com relevância para a obtenção das ações ora propostas
neste trabalho científico. Resulta que importa na correlação dessa literariedade para com a
imagem e imaginários muito daquilo a que se atinham os formalistas russos; ou seja, as
especificidades do literário na obra de literatura, sua estética, sua forma, sua composição
estrutural, seu labor de construção. Assim, sem que se ignorem (ledo engano repetido nas
críticas dirigidas ao formalismo) seus desdobramentos, as vias com as quais vai se
conectando, importa também a formação do constructo literário da obra. É aqui que tornamos
aos formalistas, encerrando momentaneamente a contribuição de suas teorizações (no tocante
a este tópico) com uma leitura acerca da noção de construção.
É Yuri Tynianov quem toca na questão acima em seu artigo “A noção de construção”,
de 1923. O formalista baseia suas observações em duas espécies de dificuldades às quais
estaria ligado o estudo teórico da arte literária: as primeiras, presas a seu material (a palavra, o
vocábulo); as seguintes, ligadas ao princípio de construção de tal arte. Para Tynianov, a noção
de material está intimamente vinculada à qualidade heterogênea, polissêmica que carrega em
si a palavra, e o uno que é o vocábulo (enquanto significante) importará ao todo literário
justamente em sua variabilidade, nas suas múltiplas possibilidades de significação (Cf.
TYNIANOV, [1923] 1973, p. 99-100).
No tangente de modo mais próprio ao princípio de construção, ou formação (como
também o denomina o autor), Y. Tinyanov chama a atenção para o equívoco de abordagem
deste princípio como um evento estático, sem dinamismo. Volta à tona aqui, a questão do
dinamismo da forma (já brevemente abordada neste mesmo tópico), a qual faz com que as
noções de construção e de formação se aproximem e se equivalham. Em relação à forma e seu
caráter dinâmico, Tinyanov aponta que a unidade de uma obra de literatura é, em verdade,
uma integridade dinâmica, com seu próprio desenvolvimento. Segundo o formalista, esse
mesmo dinamismo a que se refere está também no princípio de construção. Nele, percebe-se a
forma dinâmica ocorrendo na promoção de fatores em detrimento de outros; a deformação
como característica marcante do processo de interação da forma, em que determinado fator
promovido deforma os que a ele são subordinados.
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