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a quem se debruce sobre o tema do imaginário, o recorte que mais bem se aproxima da
reflexão a que me proponho no presente segmento tem a ver com o momento em que as linhas
durandianas se inclinam a falar sobre uma espécie de base filosófica triádica da qual
aparentemente não se pode furtar aquele que investigue sobre o conceito de imagem (e sua
consequente ressonância na conceituação acerca do imaginário). Base da filosofia clássica, a
tríade sugerida é a que traz os nomes de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Para Gilbert Durand, apesar da certeza de termos nos dos últimos integrantes da tríade
supracitada herdeiros do pensamento socrático, será Aristóteles (seguidor de Platão, portanto,
o terceiro em ordem cronológica) um dos nomes que, de fato, fundamentam o método da
verdade. Para Durand, tal procedimento é a base de sustentação e fortalecimento da
civilização ocidental, principalmente após o que o filósofo francês chama de “batismo cristão”
desse mesmo método da verdade, quando da redescoberta e retomada dos escritos
aristotélicos, nos séculos XII ao XIV. Antes disso, as obras de Aristóteles estiveram
praticamente desaparecidas por treze longos séculos, durante os quais a história do Ocidente
testemunhou desde a queda da civilização grega e do Império de Alexandre, O Grande, até o
principiar e o fim do Império Romano, o surgimento do Cristianismo, os cismas bizantino e
romano, o nascer do Islamismo e das Cruzadas etc. (Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 11-2).
Foi Averroes de Córdoba (1126-1198), um sábio muçulmano de uma Espanha já há
muito conquistada pelos mouros, quem redescobriu e traduziu para o árabe os escritos de
Aristóteles. Tais traduções foram então lidas e relidas pelos filósofos e teólogos cristãos,
dentre os quais estava a figura chave de São Tomás de Aquino, quem, obstinado por conciliar
o racionalismo do método aristotélico às verdades da fé, acaba por estabelecer o sistema que
se torna a filosofia oficial da Igreja Romana e a doutrina das universidades sob a égide da
Igreja, a escolástica, nos séculos XIII e XIV (Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 12).
O método da verdade é baseado em uma lógica binária, na qual somente dois valores
estão em jogo: “um falso e um verdadeiro” (DURAND, [1994] 2011, p. 9 – grifo do autor). A
este pensamento binário o denominamos dialética: raciocínio, método, estilo e gênero eleito
pela tríade supracitada um meio para difusão de seus preceitos filosóficos. Porém, conforme
destacado anteriormente, vale reafirmar ser em Aristóteles que tal método viria a encontrar
sua vertente mais fechada, menos aberta ao que foge da lógica do raciocínio. E é nesse
aspecto em especial que se encontram a austeridade do pensamento aristotélico, de sua prática
do raciocínio da verdade e a paradoxal relação da cristandade para com a imagem (aqui, uma
vez mais, uma das partes do amálgama IMAGEM). Assim, entre o destruir e/ou o venerar,
pode-se dizer que a linha de raciocínio aristotélica para a imagem “coincide” de modo
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oportuno com um iconoclasmo religioso até certo ponto curiosamente conflitante,
contraditório; mas, existente, sim, dentro da filosofia e da afirmação do cristianismo.
Conforme afirma Durand ([1994] 2011: p. 9): “A proibição de criar qualquer imagem
(êidolon) como um substituto para o divino encontra-se impressa no segundo mandamento da
lei de Moisés”. Durante séculos, e principalmente a partir de Aristóteles (século IV a.C.),
contaram a experiência dos fatos, as certezas do raciocínio lógico como única via de acesso à
verdade. É conveniente, pois, a união do método binário da verdade a esse primeiro momento
cristão de iconoclasmo. O binarismo da dialética, socrática, herdada por Platão e de tom mais
agudo em Aristóteles, propõe para questões que visam ao alcance da Verdade uma solução
absolutamente verdadeira e outra completamente falsa, excluindo de seu raciocínio, de suas
possibilidades um terceiro argumento.
Nesse tocante, se consideramos a imagem como algo incerto e ambíguo, objeto de
contemplação, mais do que de apreensão pura e simples, mais do que entendimento, se certa
ou errada, de descrição, como já pude apontar, quase inesgotável, porque se desenrola e se
entretece a muitas mais definições, veremos quão impossível é obter desde sua percepção, sua
“visão” apenas uma proposta de resposta, “verdadeiro” ou “falso”. Ainda sobre a questão da
imagem em Aristóteles, Gilbert Durand diz que ela, a imagem, “propõe uma ‘realidade
velada’ enquanto a lógica aristotélica exige ‘claridade e diferença’” (DURAND, [1994] 2011,
p. 10, grifos do autor).
Herdados principalmente a partir de Aristóteles, tendo a razão como seu único meio de
acesso, ecos do método da verdade reverberariam e serviriam de base, ainda, para o avanço,
para a caminhada rumo à supremacia, à “vitória” do pensamento científico sobre tudo aquilo
que não pudesse estar minimamente próximo de ser, pelo menos, uma arte digna de ser
considerada demonstrativa; e, preso a esta negativa, tal era o caso da imagem. Passando por
cima, por exemplo, do que era a poética para Aristóteles, mas ainda ancorada em seu
raciocínio lógico, racionalista e binário, essa continuidade de desprezo de valor do imagético
poderá ser vista tanto em Galileu como em Descartes, se nos atemos ao século XVII; e tanto
em Hume como em Newton, em um século XVIII no qual a imagem (e, por conseguinte, seu
“produto”, ou seu igual, o imaginário) se afasta cada vez mais do então preponderante apego
empirista ao “fato” (já o seja considerado histórico ou fruto da observação e da experiência)
para aproximar-se mais e mais (ou relegada ser ao plano) do delírio, do sonho, do irracional
(Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 12-3-4).
Ainda para Durand, o positivismo, as filosofias da História, o cientificismo – “doutrina
que só reconhece a verdade comprovada por métodos científicos” – e o historicismo –
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