38
“doutrina que só reconhece as causas reais expressas de forma concreta por um evento
histórico” (DURAND, [1994] 2011, p. 14) – dão o tom final do triunfo do fato, do factual
sobre o imaginário no ocidente. E é tal afã por uma espécie de conhecimento mais “concreto”
(algo visto desde o início da agudez contida na busca de supremacia desse racionalismo
lógico) que possibilitará o impulso do progresso técnico e o domínio do poder material do
ocidente sobre as outras civilizações não-ocidentais, as quais
nunca separaram as informações (digamos, “as verdades”) fornecidas pela imagem
daquelas fornecidas pelos sistemas da escrita. Os ideogramas (...) dos hieróglifos
egípcios ou os caracteres chineses, por exemplo, misturam com eficácia os signos
das imagens e as sintaxes abstratas (DURAND, [1994] 2011, p. 6 – grifo do autor).
O que nos propõe Gilbert Durand é uma relação entre “verdades”, no plural, e
imagem, no que toca às civilizações não-ocidentais, muitas das quais politeístas; e, em
contrapartida, a busca de estabelecimento de uma única verdade, “A Verdade”, “A Verdade
Ocidental” e sua correlação com o apego à Razão
e à lógica em detrimento do “vaguear”, do
“bruxulear” da imagem, do imaginário. Durand também se exemplifica citando a América
pré-colombiana, a África negra e a Polinésia como berços de “antigas e importantes
civilizações” (DURAND, [1994] 2011, p.6), mas a estas parece, em verdade, diminuir sua
relevância quando, a respeito delas, afirma que “mesmo possuindo uma linguagem e um
sistema rico em objetos simbólicos, jamais utilizaram uma escrita” (DURAND, [1994] 2011,
p. 6), informação hoje questionável, se levamos em conta outros preciosos estudos
contemporâneos acerca do assunto
18
.
Ainda assim, o autor francês acende uma chama sobre os diversos momentos de
“encontro”, de choque da civilização ocidental para com as não ocidentais
19
. Na maior parte
das vezes, vitoriosa, impondo-se pela força, inclusive, de suas doutrinas, importa dizer que
muito do vigor impositivo dessa civilização ocidental vinha da resultante de todo um processo
18
Remeto o leitor para obras como La colonización de lo imaginario (1988), de Serge Gruzinski ou, ainda, La
palabra de los aztecas (1993), de Patrick Johansson Kéraudren.
19
Remeto o leitor uma vez mais a Serge Gruzinski em La colonización de lo imaginario (1988) e A guerra das
imagens ([1990] 2006). Informo ao leitor que não é o foco de meu trabalho a abordagem dessa guerra de
imagens desde o choque do invasor ocidental com o indígena autóctone. A atenção maior à imagem desde uma
ótica mais ocidental, desde um entendimento mais ocidentalizado da questão da imagem se dá devido a sua
aproximação para com a estética de imagem observada no corpus em questão. Talvez em T. Rivera as imagens
sejam algo mais mescladas, mais carregadas de uma mescla plural, um teor mais pluralizado de imagem. Mas,
ainda assim, pelo não aprofundamento ao trato indígena, a raízes da cultura indígena e sua forte influência na
cultura hispano-americana (em Fuentes o indígena quase sempre serve de remissão preconceituosa,
menosprezada na fala de narrador e personagens), entendo que a leitura das imagens que “saltam”, ululam das
obras se encaixa mais a uma visão desde uma teorização ocidental (nem sempre universalista).
39
de iconoclasmo
20
necessário à obtenção da supremacia do pensamento lógico, racionalista,
algo que curiosamente fará parte de um imaginário a ser imposto ao mundo como
característica, marca, na verdade capa, do homem ocidental: o homem “branco e civilizado”,
diante de “culturas ‘pré-lógicas’, ‘primitivas’ ou ‘arcaicas’” (DURAND, [1994] 2011, p. 15 –
grifo do autor), ainda reféns da limitação e do engano nas e das imagens.
No entanto, é sabido que essa necessidade iconoclasta que atravessa a história do
racionalismo ocidental não se dá sem resistências em seu próprio cerne, tampouco
contradições ou paradoxos. Bem o representam os cismas da cristandade, a Reforma
protestante e a resposta católica romana da Contrarreforma. Mas, também o representam
séculos anteriores de “querelas”, “disputas” em que toda uma imaginária sacra cristã esteve
entre a remissão icônica própria do culto aos santos
21
(perpetuada, tal como o que o autor
chama de mariolatria – o culto à Virgem –, por centenas e centenas de anos pela arte
bizantina, a arte cristã do oriente) e os rastros deixados pela antiga tradição iconoclasta
originária do monoteísmo judeu.
Contudo, tal embate do imagético ocidental foi ainda mais além. Este passou pelo
esplendor da iconodulie
22
gótica dos séculos XIII e XIV, fomentada por e com seu êxito
maior na ordem de São Francisco de Assis, atravessando também o tempo das catedrais e toda
sua figurativa de vitrais, estátuas, iluminuras etc. Encontrou, ainda, nos monges franciscanos
os criadores das mais variadas transposições da religiosidade, dos mistérios da fé para
imagens (já fossem representações, encenações teatrais dos “Mistérios, da Via Crucis do
Cristo, já fosse na divulgação das bíblias de mensagem moralizante, amplamente ilustradas).
Mas, a imagem da santidade foi também, no posteriori franciscano e muito através de
seu sucessor, São Boaventura, caminho, vestigium de “Toda a Bondade do Criador”
(DURAND, [1994] 2011, p. 19). E, assim, temos nesse momento que é pela imagem (imago)
que a alma humana melhor representa as virtudes da santidade (algo que se assemelha ao
caminho proposto por Platão para que se chegue até A Verdade). Alcança-se, enfim, a
similitudo, a sintetização de que Deus em sua infinita benevolência pode dar, pode conceder à
20
Ação de iconoclastia, de iconoclastas (do grego eikón, onos como elemento compositivo para “imagem”, mais
Klastés, como “aquele que quebra”) (Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 18).
21
Para Durand, uma das primeiras reabilitações das imagens no ocidente cristão está no ícone protótipo da
imagem de Deus encarnada na pessoa de seu filho, Jesus (o que nos remete, ainda, à representatividade da
imagem do santo sudário para a cristandade católica). A essa imagem “concreta” da santidade de Deus no Cristo,
somar-se-ia a adoração das imagens de todas as pessoas santas – aquelas que, por conta de sua trajetória,
tivessem de certo modo se assemelhado a Deus –, da mãe do Cristo (théotokos, “a mãe de Deus”), seguida pelas
de João Batista, dos apóstolos e, por fim, de todos os santos (Cf. DURAND, [1994] 2011, p.17).
22
“Icono” (do grego eikón, onos como elemento compositivo para “imagem”), mais “dulia” (do grego douleía:
culto prestado aos santos e aos anjos) (Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 18).
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