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narrativa conta que “José Francisco lanzó un grito de victoria que rompió para siempre el
cristal de la frontera...” (FUENTES, [1995] 2007, p. 268).
Nesse ato de escrita simbólica retorna o cristal, dessa vez como metáfora
representativa de algo demasiado frágil a separar as relações de alteridade tripartidas pela
fronteira, deixando-se subjazer a representação de um ideário chicano de união contraposto à
política de separação de ambos Estados-nação, os Estados Unidos Mexicanos e os Estados
Unidos da América do Norte. A mesma “linha de pensamento” ficcionalizada pela linguagem
literária de Fuentes se vê refletida na leitura anterior de Ricardo Aguilar Melantzón em seu
primeiro livro de contos Madreselvas em flor (1987), onde se extrai a opinião de seu autor
quando sobre a fronteira Mex-USA ele se posiciona da seguinte maneira: “la realidad de esta
frontera no es la separación artificial sino la unión a pesar de los gobiernos” (AGUILAR
MELANTZÓN, 1987, s/p.).
No entanto, se a chicanidade da ponta de intersecções identitárias de La frontera de
cristal está mais próxima de sua manifestação como pensamento e atitude de uma
intelectualidade literária chicana aflorada na recuperação mimética do personagem José
Franciso de “Río Grande, río Bravo”, o mesmo não se dá de forma tão patente em “El
despojo”, terceiro capítulo da obra. É ali que “mexicanidades” e “chicanidades” se diluem,
atravessam-se e interpõem-se diante do que seriam caracteres representativos de anglo-
americanidades, sendo, com efeito, ao redor do prefixo “anglo” que girarão, no conto, os
conjuntos de pretensa identificação hispano-americana, em tom recuperado de rivalidade
histórica.
O verbete “anglo” empresta suas definições ao e aos que provêm da Inglaterra, ao
natural ou habitante da Inglaterra, por remeter-se à parte da origem de suas gentes junto aos
povos anglo-germânicos. Por conseguinte, tendo sido os Estados Unidos colonizados por essa
mesma Inglaterra, cujas origens étnicas remontam a povos que difundiam e defendiam um
pretenso purismo essencialista branco de suas ascendências e procedência, é comum que
ainda hoje se refira ao estadunidense norte-americano branco como anglo, anglo-americano
ou anglo-saxão. Bastante generalizador, entretanto, o termo é comumente utilizado no
discurso para referir-se a uma suposta totalidade branca, mesmo àqueles que passam longe de
reclamar para si qualquer purismo racial branco (inclusive descendentes de outras migrações
europeias que não a colonizadora inglesa), em oposição ao questionável título de minorias
para grupos étnicos outros cuja nacionalidade estadunidense recai o mais das vezes sob os
epítetos normalmente hifenizados, e não menos generalizadores, de afro-americanos, hispano-
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americanos (também: latinos, hispanos, hispânicos, nuyoricans, chicanos etc.)
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, asiático-
americanos (asian americans) etc.
Em La frontera de cristal, o elemento composicional “anglo” quando não assim
referido aparecerá sob os sinônimos “ianque”, “gringo” ou mesmo “anglo-saxão”; mas, à
guisa de toda uma rivalidade que remontará aos tempos da grande perda de territórios
mexicanos para os EUA em meados do século XIX, evocando em sua ficção uma visão
recuperada do exacerbado nacionalismo mexicano pós-Revolução de 1910 que engloba esse
“anglo” como uma totalidade inimiga em solo invadido, roubado e tomado à força. E é em “El
despojo” que essa aversão fundada em ranço e num passado de disputas territoriais e
consequentes choques culturais se vê problematizada, produzindo uma grande imagem para o
conto a partir do uso de mais uma metáfora ampla e aproximando-se a imaginários através da
metonímia.
Em princípio, com humor o narrador coiote de Fuentes toca na rivalidade histórica
retomada pelo divagar de Dionisio “Baco” Rangel, um chef de cozinha mexicano de bastante
sucesso nos Estados Unidos, êxito, porém, que o remordia porque, conforme nos apresenta a
narrativa:
Dionisio alegaba que él no era anti-yanqui (…), por más que no hubiese niño nacido
en México que no supiera que los gringos, en el siglo XIX, nos despojaron de la
mitad de nuestro territorio, California, Utah, Nevada, Colorado, Arizona, Nuevo
México y Texas. La generosidad de México, acostumbraba decir Dionisio, es que no
guardaba rencor por este terrible despojo, aunque sí memoria. En cambio, los
gringos ni se acordaban de esa guerra, ni sabían que era injusta. Dionisio los llamaba
"los Estados Unidos de Amnesia". Con humor, pensaba a veces en la ironía histórica
en virtud de la cual México perdió todos esos territorios en 1848 por culpa del
abandono, el desinterés y la poca población. Ahora (sonreía pícaramente el elegante,
bien vestido, distinguido y plateado crítico) estábamos en el trance de recuperar la
patria perdida gracias a lo que podría llamarse el imperialismo cromosomático de
México. (FUENTES, [1995] 2007, p. 64-5)
Entretanto, a ironia narrada de Dionisio começa a ganhar tons mais dramáticos quando
o chef mexicano leva seu divagar à contemplação, iniciando a narrativa a plantar sua metáfora
ampla ao metonimizar a ideia base dessa metáfora em um trecho no qual se refere ao modo de
vida estadunidense da seguinte maneira:
Abundancia. Sociedad de la abundancia. Dionisio Rangel quiere ser muy franco y
admitir ante ustedes que él no es un asceta ni un moralista. (…) Pero su pendiente
culinaria, tan exquisita, tiene otra ladera grosera, posesiva, de la cual el pobre crítico
de la gastronomía no se siente culpable, pues es apena – les ruega que lo
comprendan – víctima pasiva de la sociedad de consumo norteamericana. (Ibid.,
p. 69 – grifo meu)
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Para um maior aprofundamento da questão, remeto o leitor para a obra de referência Nosotros in USA, da
Professora Doutora Sonia Torres (2001).
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