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desses estranhamentos em ação em cada um dos romances colhidos para corpus do presente
trabalho de doutoramento.
O primeiro efeito de estranheza verificado se relaciona com o já realçado dinamismo
que ambas as obras empreendem à forma romance ao interligarem contos que podem ser
mesmo lidos e compreendidos de maneira independente, mas que, por caminhos semelhantes
em cada um dos romances, veem-se unidos como capítulos de uma trama cujo elo dramático
encontra sua explicação em algum ou alguns momentos da narrativa, concedendo-lhes um
todo romanesco.
Em ...y no se lo tragó la tierra (1971) o elo romanesco concedido à obra não surge de
uma intenção clara e imediata de seu autor Tomás Rivera, ou ao menos não é algo do qual ele
se aperceba tão facilmente. De fato, em carta enviada a um dos editores do Prêmio Quinto
Sol, do qual se sagraria vencedor com a subsequente publicação de sua obra pela editorial de
mesmo nome, Tomás Rivera assim escreve: “Estimado Sr. Romano: Adjunto encuentre mi
manuscrito de cuentos, Debajo de la casa y otros cuentos” (RIVERA, [1970] 2012, p. 250 –
tradução de Gustavo Buenrostro). Um pouco mais adiante e, na mesma correspondência,
Rivera acrescenta:
Hay un total de 13 historias. Entre cada una hay un diálogo o situación que debería
aparecer en cursivas. Estos son cuadros que incluí entre las historias para darle a la
totalidad del trabajo una cohesión que consideré necesaria. Sin embargo, pudiese
excluirlas. (Ibid.)
As treze histórias referidas terminariam tornando-se catorze até a publicação da obra,
mas, perceba-se que mesmo evidenciando ter enviado ao concurso de Quinto Sol
primeiramente um amarrado de contos, Rivera demonstra ter também certa noção de que
havia elos narrativos entre suas histórias, com a presença de pequenas estampas de abertura
que, conforme o autor já percebia, apontavam para a existência de uma espécie de todo
coesivo em seus escritos enviados.
Ao contrário do que sugere Tomás Rivera, seus quadros coesivos não são excluídos
pela editora, perdendo suas estampas apenas a grafia em itálico, emprestada para uma espécie
de texto-rio que se destaca, mescla-se e avança sobre a narrativa de “Debajo de la casa”,
aquele que passaria a ser o último conto do romance, revelando-se tal trecho como mais um
elemento coesivo o qual aponta ser o seu narrador a mesma presença narrativa que
protagoniza e convoca outras vozes narrativas a falar no drama de rememoração excêntrica
que recupera doze meses de um ano de migração familiar pelas terras do agronegócio em solo
estadunidense, durante parte da infância do protagonista.
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Nesse trecho rio que avança o último conto adentro retornam à narrativa, como partes
componentes de uma trama principal, personagens, nomes e situações colocadas nos contos e
estampas anteriores de uma maneira que se fazia vê-los como elementos composicionais
apenas das tramas menores em que estavam inseridos nos pequenos contos onde cada um se
fez presente. Assim, em ...y no se lo tragó la tierra, apesar da conexão de temas que de algum
modo interligam alguns contos por espécies de eixes temáticos, é somente com a recuperação
narrativa (levada a cabo na última história) de situações e personagens dispostos
anteriormente na obra que contos deixam de ser apenas contos para serem também capítulos
de um romance que obedece a uma trama, a um drama fronteiriço maior, porquanto identitário
e cultural, representativo da força e da luta do povo chicano in USA refletido no drama ex-
cêntrico de seu protagonista.
Em El espejo enterrado ([1992] 2010), de Carlos Fuentes, o nome do chicano Tomás
Rivera e de seu romance ...y no se lo tragó la tierra são tocados em meio a uma série de
outros autores citados como parte representante de toda uma literatura de origem hispano-
americana nascida nos Estados Unidos da América do Norte (Cf. FUENTES, [1992] 2010, p.
446). Esse feito, junto com o projeto pessoal fuentesiano de abordagem intelectual a respeito
do que ele chama de três hispanidades (dentre as quais a terceira seria a norte-americana),
chama a atenção para o interesse de Fuentes também na literatura chicana e, por conseguinte,
na leitura de seus autores e estudiosos mais destacados (muitos conhecidos em conferências
ali mesmo nos EUA). Esse conhecimento e reconhecimento em forma de citação pressupõe
uma leitura que, no caso de Tomás Rivera e seu ...y no se lo tragó la tierra, parece agir sobre
o dinamismo que, desta feita, Carlos Fuentes imprime à forma romance em seu La frontera de
cristal (1995), obra romanesca composta em nove contos.
Se em ...y no se lo tragó la tierra o termo cuentos, por decisão conjunta de autor e
editores, desaparece da versão final que chega ao público em 1971, em La frontera de cristal
o estranhamento que pode causar o atrelamento conto/romance, quiçá também por outra
decisão conjunta, parece querer saltar aos olhos do receptor através do sugestivo e chamativo
subtítulo que acompanhou as primeiras edições da obra: una novela en nueve cuentos.
Imiscuindo-se sobre uma temática fronteiriça semelhante, a das relações de alteridade
que se levantam no entorno fronteiriço que compartem México e EUA, a integridade
dinâmica que Fuentes concede à forma romance em sua obra, porém, ocorre de maneira um
pouco distinta à orquestrada por Tomás Rivera. De fato, os contos de La frontera de cristal
também podem ser lidos e apreendidos em uma primeira totalidade própria de aparente total
independência, podendo mesmo serem compreendidos de modo independente. Porém, se em
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