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literária de ...y no se lo tragó a partir do espanhol com o qual convivia o autor em sua
comunidade texana (Cf. RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 19). Mas, adjunto ao valor
ideológico de seus feitos literários está também o valor estético e de estilo da linguagem
literária que desenvolve, correspondendo a tal qualidade outra questão da literariedade em sua
obra: o modo como elabora e leva à ficção o registro dos bilinguismos e pachuquismo caros
ao caló chicano.
Em ensaio no qual comenta sobre os procedimentos levados a cabo em sua obra,
Rivera ([1975] 1992, p. 360) faz referência ao método de narrar que usava sua gente:
“recuerdo lo que ellos recordaban y la manera en que narraban. Siempre existía una manera
de comprimir y exaltar una sensibilidad con mínimas palabras”. É, pois, essa mesma maneira
de exaltar uma sensibilidade com mínimas palavras o efeito de literariedade que Tomás
Rivera alcança em seu romance através da apropriada utilização da elipse, do corte abrupto do
que se conta, do dizer muito com pouco, do menos que é mais pelo rumor deixado por
situações extremas descritas de modo sucinto, porém certeiro em tirar o leitor de seu lugar de
conforto enquanto mero receptor. Nesse sentido, parece-me um bom exemplo o trecho final
do primeiro conto do conjunto de doze do corpo de desenvolvimento do romance. Ali, uma
das conversações anônimas que o narrador insere em suas recordações traz um breve diálogo
sobre a situação de um velho empregador rural que havia matado sem querer a um menino
que para ele trabalhava e em quem o senhor queria dar apenas um susto com sua arma, para
que a criança não mais buscasse escapar em horário de serviço da sede que o forte calor lhe
impunha:
– Dicen que el viejo casi se volvió loco.
– ¿Usted cree?
– Sí, ya perdió el rancho. Le entró muy duro a la bebida. Y luego cuando lo juzgaron
y que salió libre dicen que se dejó caer de un árbol porque quería matarse.
– Pero no se mató, ¿verdad?
– Pos no.
– Ahí está.
– No crea compadre, a mí se me hace que sí se volvió loco. Usted lo ha visto como
anda ahora. Parece limosnero.
– Sí, pero es que ya no tiene dinero.
– Pos sí. (RIVERA, [1971] 2012, p. 80)
4.2 Rivera: do implícito ao imagético. Fuentes e sua imagética explícita
Neste tópico que se inicia, a primeira aproximação à imagem na obra de ambos os
autores terá talvez menos a ver com a imagem verbal que trazem à luz os dois por intermédio
da linguagem literária empreendida em seus romances, do que com certa imagem que eles
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deixam transparecer na configuração de seus narradores. Desse modo, destaco interessar-me
nesse primeiro momento no quanto incide, quanto se deixa transluzir e em que medida se
manifesta na figura dos narradores criados a presença de seus criadores.
A imagem da criação de Adão, concebida por Michelangelo em um dos quadros
componentes da magistral série de pinturas que o artista florentino concebeu em afresco para
o teto da Capela Sistina no Vaticano, no início do século XVI, serve de breve ilustração para o
que aqui se busca demonstrar. A distância que separa o toque de Deus do toque de Adão, obra
do acaso de uma restauração ou não, pode, dependendo da distância que se a observe, sequer
ser notada. Entretanto, o olhar mais atento dedicado à obra, tanto por especialistas como pelo
observador leigo, há muito cobra atenção para esse espaço entre ínfimo e imenso ao mesmo
tempo, entre pequeno afastamento e relevante separação, dada a gama de interpretações que
tão sugestiva proximidade provoca. Tal não seria o caso correspondente da incidência das
figuras dos autores aqui estudados sobre a figura dos elementos escolhidos para narrar seus
romances? Comecemos por Tomás Rivera.
A obra ...y no se lo tragó la tierra, em sua trajetória que conta já com quarenta e
quatro anos de leituras desde seu lançamento em 1971, tornou-se em pouco tempo um
clássico dentro do cânon literário chicano, obtendo aos poucos determinado alcance fora do
papel de subsistema que lhe é relegado ao universo da literatura chicana, forçosamente
imprensado entre dois sistemas literários de reconhecimento plenamente estabelecido: o
mexicano e o estadunidense. Na longa estrada do romance, que tem permitido, inclusive, uma
maior abrangência de recepção por outros sistemas que não o seu próprio, um ponto de
abordagem nos estudos que se voltam a estudar a obra parece ser pacífico: a vinculação entre
autor e o narrador que ele compôs para seu livro, a comparação de sua história de vida para
com a ficção que ele apresenta ao leitor.
O estilo narrativo que privilegia a elipse como método de contar usado por Rivera no
desenvolvimento de sua obra poderia até mesmo sugerir uma tentativa de ocultamento de seu
eu escritor e dos fatos e passagens que por certo lhe inspiraram a escrever seu romance. No
entanto, se há algo a marcar o percurso de sua escrita, esse “detalhe” a se destacar é o caráter
de invenção concedido ao corpo de sua narrativa literária. Assim, na relação prospectiva que
se estabelece com os ensaios e artigos do autor, percebe-se sempre o destaque para o aspecto
inventivo de seu Tierra, como o próprio Rivera manifesta seja na correspondência enviada ao
amigo Jesús Chavarría, como pôde ser visto pouco acima, seja ao recordar o modo de narrar
dos seus, conforme o verificado em trecho citado há pouco. É, ainda, interessante notar que
esse mesmo fragmento que volto a mencionar é extraído de um ensaio crítico riverano, cujo
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