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título é, creio, não por acaso, “Recuerdo, Descubrimiento y Voluntad en el Proceso
Imaginativo Literario”, de 1975. Ali, ainda quando se remete à influência da recordação da
maneira de narrar de sua gente na concepção de seu romance, Rivera ([1975] 1992, p. 360)
complementa que, sobre as histórias contadas “También existía constantemente el inventarle
nuevas ocurrencias”.
Esse inventar novas ocorrências ao que se conta parece mesmo inspirar Rivera na
construção de um narrador que traz de suas recordações de menino outras vozes que o ajudam
a rememorar algo que talvez esteja dando-se em um momento crítico, dramático e excêntrico
que provoca a reminiscência muito provavelmente em um “sujeito recordante” já maduro. Tal
complicação de estabelecerem-se limites na fase do tempo de vida em que se encontra o eu
narrador se configura, a meu ver, como efeito proposital e provocativo a que se propõe a
ficção criada pelo autor Rivera. É, em meu modo ver, um convite provocativo à imaginação
também do leitor, fator percebido e intensificado nas escolhas editoriais para o romance. A
esse respeito, parece ser precisamente editorial a decisão de exclusão de contos como “El Pete
Fonseca” do corpo final da obra, que formava parte de um intento em Rivera de, conforme
nos mostram Ramos e Buenrostro (2012, p. 192), “elaborar personajes deliberadamente
‘amorales’ para oferecer uma representación amplia de las vidas chicanas”.
Ramos e Buenrostro (2012, p. 193) escrevem, ademais, que os editores de Quinto Sol,
ainda sobre o caso de exclusão de “El Pete Fonseca”, “acaso no comprendieron bien la
distancia entre el autor y su personaje”. Mas, creio que em verdade há que se pensar se valia a
pena de fato em termos editoriais a inclusão e/ou manutenção de um conto em que se percebe
“la marcada distancia del narrador ante los eventos que narra” (RAMOS e BUENROSTRO,
2012, p. 191), em meio a tantas histórias nas quais o método narrativo adotado sugere ao
menos um suposto conhecimento prévio, quiçá vivido, do que ali se conta. Nesse caso, a meu
parecer, o implícito no método adotado para narrar a obra termina por servir também à visão
editorial de que poderia esse implícito auxiliar, além das pretensões ideológicas palpáveis em
seu feito, como fomentador de uma curiosidade a ser discutida e passada adiante (em números
de vendas) por e para um público leitor chicano já à época em boa fase de consolidação,
inclusive nas universidades a que pouco a pouco passavam a ter mais acesso e alcance.
Contudo, ao fim e ao cabo, parece-me prevalecer outro valor, quem sabe mais estético,
do trabalho do implícito por intermédio do uso da elipse narrativa em Rivera: o da
intensificação da linguagem literária que elabora, com a consequente potencialização do
poder de fixação dos quadros vívidos que oferece ao leitor; realçando, desse modo, a
imagética resgatada, (re)inventada e inventiva de sua obra, seu jogo de mimeses
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memorialísticas das muitas faces e limites possíveis entre o que é e pode ser ou ter sido fruto
de apreensão, recuperação e re(a)presentação de um real vivido.
Enquanto em T. Rivera alguma coisa do caminho que leva o leitor do implícito ao
imagético em sua obra se vê em parte explicada na relação prospectiva que o autor estabelece
com seus ensaios, em C. Fuentes, ao contrário, parte da imagética explícita de seu La frontera
de cristal se explica de maneira retrospectiva em mostras de sua ensaística. De modo bastante
especial ligado ao seu “antecessor” ensaístico El espejo enterrado (1992), o romance La
frontera de cristal (1995) se correlaciona ao ensaio de seu mesmo autor ainda e
principalmente nos traços distintivos da linguagem adotada em ambos como principal
responsável pela construção de imagens que as obras querem transmitir ao leitor: o tropo de
imagem verbal, a figura de imagem verbal metáfora.
Nesse sentido, todo o trabalho por mim desenvolvido ao longo do capítulo
especificamente dedicado à abordagem de La frontera creio traga em seu cerne
exemplificações o suficiente para demonstrar a importância que tem a metáfora na construção
narrativa do romance. Mas, um exemplo encontrado em El espejo enterrado traz uma figura
histórica para o México, retomada no capítulo cinco do conjunto romanesco de contos
fuentesianos sobre a fronteira México-EUA enquanto frágil cristal delimitador para as
relações de alteridade ali existentes. Assim, se no romance de 1995, a personagem Marina
Malintzin de las maquilas é figura alusiva a seu correspondente histórico, em seu ensaio de
1992 é através também da imagem em forma de metáfora que Fuentes encerra uma passagem
sobre a Malinche, informando que ela, após sua oferta como escrava ao invasor espanhol
Hernán Cortés:
Se convirtió en “mi lengua”, pues Cortés la hizo su intérprete y amante, la lengua
que habría de guiarle a lo largo y alto del Imperio azteca, demostrando que algo
estaba podrido en el reino de Moctezuma, que en efecto existía gran descontento y
que el Imperio tenía pies de barro. (FUENTES, [1992] 2010, p. 133 – grifo do
autor entre aspas – grifo meu em negrito)
Além da intertextualidade shakespeariana em “algo estaba podrido en el reino de
Moctezuma”, o final do fragmento repete uma eleição de linguagem metaforizada que
atravessa não apenas o texto ensaístico de Fuentes, mas que também demonstra ser uma
predileção de estilo passível de ser observada mesmo em antecessores da linha ideológica
trabalhada por ele em El espejo enterrado, reunião de ensaios que acaba por funcionar, em
uma linha retrospectiva de raciocínio, como uma espécie de laboratório para a ficção posterior
de La frontera. De autores como Samuel Ramos e Octavio Paz, Carlos Fuentes parece herdar
(além do apoiar-se bastante na construção verbal de imagens seja pela metáfora ou pela
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