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comparação) muito do pensamento de ambos no que se refere à existência ou formação de
uma identidade mexicana e os contrapontos encontrados em seus posicionamentos revelados
sobre a questão do indígena em seu país, em sua abordagem sobre o gênero feminino e, ainda,
acerca das relações de atrito e de rivalidade para com os EUA, a quem Samuel Ramos ([1934]
1963, p. 148) chama de “raza del hombre rapaz”.
Os argumentos acima servem, assim, de retorno para a questão de proximidade com a
qual abri o presente tópico. Em Rivera, a proximidade do autor com os eventos que conta seu
narrador acaba por confundir a função do implícito em seu romance, que é potencializar o
valor das imagens levantadas pela linguagem literária que elabora. Em contrapartida, em
Fuentes a eleição da metáfora parece demonstrar um conhecimento maior sobre parte dos
assuntos sobre os quais se apropria ou se propõe a abordar. Essa ausência de maior
propriedade sobre alguns dos temas eleitos permite que deixe transparecer em certos
momentos mais uma determinada opinião do que propriamente um mais aprofundado
conhecimento de causa. Desse modo, a metáfora deixa transluzir em seu uso apenas o
conhecimento da causa, baseado em sua manifestação na expressão em forma de ensaio que
nas ideias e posicionamentos ideológicos expostos em outros ensaios se baseia. Ela, a
metáfora, não é literal, mas quer fazer-se literal, razão pela qual dessa maneira revela o fundo
de intenção (ainda que inconsciente) de seu autor.
Sendo possível, desse modo, retornar ao tema da imagem e semelhança que faz parte
do afresco “A criação de Adão”, o espaço entre os dedos de criador e criatura, a partir do qual
pautei essa primeira seção do presente tópico, leva-nos, no tangente a Rivera e Fuentes, à
perspectiva de que a imagem do autor em ...y no se lo tragó la tierra é “apenas” semelhança.
Entrementes, pode-se dizer que a imagem do autor em La frontera de cristal não é mera
coincidência, ou, mera semelhança.
Outra imagem que se destaca em ambos os romances, como não poderia deixar de ser,
é a da extensa fronteira que se estende pelos mais de 3.000 km que separam México e EUA.
Essa fronteira em ...y no se lo tragó, conforme atestam Ramos e Buenrostro (2012, p. 11 –
grifo dos autores), “una novela escrita al norte del Río Grande”, não se limita a estar apenas
no entorno fronteiriço entre as bordas do norte mexicano e do sudoeste estadunidense. Não,
ela avança por sobre o que os mesmos Ramos e Buenrostro (2012, p. 30-1 – grifo dos autores
entre aspas e em itálico) chamam de “la amplia región ‘transamericana’ que la crítica
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reciente
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ha denominado, tal vez con un nuevo gesto reterritorializador, el Gran México”.
Essa classificação, embora questionada por ambos os autores, dá conta de que, ainda que se
volte para o entorno fronteiriço ao qual chamei atenção, em seu romance Tomás Rivera
transcende limites geográficos para expor uma fronteira também como problema cultural e
identitário, ele
[E]xplora los recorridos todavía más extensos, profundamente dislocados, de los
trabajadores migrantes entre las fincas industriales donde sirven como peones. Los
sujetos que pueblan la ficción de Rivera se desplazan hasta lugares tan remotos
como Iowa y Minnesota. Sus recurridos exceden así cualquier mapa o demarcación
geopolítica territorializante. (RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 31)
De modo quase complementar, em La frontera de cristal, tal como aponta o título do
romance, a fronteira é um espaço imagético privilegiado, o qual ganha contornos de
protagonismo, em um sentido de ato de atração para o qual convergem demais personagens e
o teor de dramaticidade da trama. Um tanto mais agudo do que no romance de Rivera,
todavia, é o fato de que na obra de Fuentes a fronteira é palco aberto para conflitos,
desencontros e encontros quase possíveis. Pontos distintos da extensa zona de fronteira
mexicano-estadunidense são tocados através da contraposição de topônimos tão próprios da
língua espanhola que podem mesmo suscitar a pesquisa àqueles que não saibam com exatidão
de que lado se fala. É o caso do atravessamento que buscam ao fim do romance o chefe de
cozinha Dionisio Rangel e o mexicano que ele arrasta pelo braço, havendo lhe despojado de
roupas típicas colocadas no homem em uma loja norte-americana. Ambos nus, os dois
procuram atravessar uma das pontes para o lado mexicano alegando que não os deixaram
“salir por San Diego y entrar por Tijuana, ni salir por Caléxico y entrar por Mexicali, ni
salir por Nogales Arizona y entrar por Nogales Sonora” (FUENTES, [1995] 2007, p. 278).
Mas, a fronteira em Fuentes é também imagética, ao mesmo tempo em que contorna
caminhos reais e divisórios, algo que sugere obedecer a estrutura de ficção adotada, como o
atesta a intelectual brasileira Maria Scher Pereira, quem observa que:
A estrutura do romance em contos expressa de modo adequado os muitos
acontecimentos que têm como cenário pontos variados da região da fronteira,
lugares reais ou metafóricos, como as cidades vizinhas El Paso, no Texas, e Juárez,
no México, em "Malintzin de las maquilas", ou como a colorida raia fosforescente
que separa norte e sul em "La raya del olvido". (PEREIRA, 2009, p. 4 – grifo da
autora)
Há um terceiro ponto do tratamento literário que ambos os autores outorgam para a
questão da imagem, concedendo-lhe relevância. No capítulo dois desta tese de doutoramento,
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Os autores evocam aqui as vozes de trabalhos recentes dos críticos Héctor Calderón, Ramón Saldívar e José
David Saldívar e a retomada da discussão da categoria Greater México, inspirada na obra do grande intelectual e
escritor chicano Américo Paredes (1915-1999) (Cf. RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 31).
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