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familiarizadora que traz o receptor de sua obra para o nível de aproximação de que fala
Wofgang Iser, por exemplo, em sua argumentação sobre a importância do como se para as
relações que se estabelecem entre o texto ficcional e o leitor. E é por fim tal processo de
familiarização que leva, atrai a consciência (do) imaginante rumo à apreensão por parte de
imaginários.
Ali onde o popular da e na linguagem é estranhamento em Rivera também o é em
Carlos Fuentes. Porém, se naquele a elipse é a principal responsável por esse efeito de
estranheza, neste tal efeito se nota por seu entremeamento nos registros vários de toda a
fluência e verbosidade demonstrada pelo narrador coiote fuentesiano. Por conseguinte, a
familiarização em Fuentes se dá não por proximidade propriamente dita, mas, sim, por
domínio; não por uma proximidade propriamente dita do autor para com todos os registros de
que lança mão e, antes sim, pela capacidade de envolvimento demonstrada pela narratividade
coiote empreendida em seu romance, a qual familiariza pelos muitos vieses possíveis de
sedução na fala, da arte de convencimento pelo falar, em seu falar.
Para além desse imaginário ligado a um caráter de registro oral mais popular, a um
caráter de oralidade(s), em meu entendimento há em La frontera de cristal um
questionamento menos contundente se comparado ao voltado para alguns dos imaginários
cuja validade é posta em xeque no ...y no se lo tragó la tierra de Tomás Rivera. No romance
de Fuentes, contrariamente, em conformidade com o que procurei apontar no terceiro capítulo
deste estudo, as estratégias literário-discursivas adotadas tendem a criar maior fixação de
ideias quanto a costumes, religiosidade, gêneros/sexos, complexos, etnias (em especial no que
toca à marca indígena), tipos e estereótipos (ainda quando se veem como um intento de
crítica) e, portanto, a outros afins próprios da busca de esquadrinhamento de uma pretensa
identidade cultural (e nacional) mexicana.
Dos posicionamentos postos em prática ante os imaginários com os quais de alguma
maneira se correlaciona o romance ...y no se lo tragó la tierra parecem resultar intersecções
identitárias às quais poderíamos denominar como me(x)chicanidades. A colocação do x
mexicano entre parênteses advém do fato de que, mais que uma abrupta hifenização, a
manobra de cunho léxico propõe um lugar entre na relativização de convivência, permanência
e validade dos valores que podem vir a representar a ação de mexicanidades ou de
chicanidades. Fato interessante é que um movimento inverso – no qual os posicionamentos
ideológicos perceptíveis na leitura extraídos a partir da leitura da obra resultassem de
me(x)chicanidades já existentes, ao invés de que tivéssemos essas me(x)chicanidades como
resultantes de tais posicionamentos adotados – agregaria ainda um valor cíclico em que a
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narrativa contribuiria com imaginários sobre essas intersecções a contar da devolução do
trabalho literário de relações de alteridade apreendidos desde o real empírico.
Não obstante, em La frontera de cristal a observação de existência das intersecções
identitárias mex-(anglo)-chicanidades visa a dar conta da maneira como o enredo opõe
alteridades em um encontro quase sempre impossível, na recuperação ficcional de uma
rivalidade histórica que transfere uma imagem de inimigo ianque à ideia de um todo anglo,
um todo de anglicanidades supostamente heterogêneo em suas raízes e suas ações de rechaço
ao ex-ótico mexicano e chicano. É interessante notar como, entretanto, ao contrário do
imaginário de mexicanidades abraçado pela narrativa, as intersecções supracitadas surgem na
forma de um questionamento mais aberto. Assim, enquanto em ...y no se lo tragó la tierra os
conflitos advindos das me(x)chicanidades soltas pela e na mnemônica do protagonista
redundam na recuperação ex-cêntrica da consciência desse mesmo narrador que ao fim
termina por externar “Quisiera ver a toda esa gente junta. Y luego si tuviera unos brazos bien
grandes los podría abrazar a todos. Quisiera poder platicar con todos otra vez, pero que todos
estuvieran juntos” (RIVERA, [1971] 2012, p. 160); enquanto isso, temos no personagem
chicano José Francisco de La frontera de cristal o desejo voltado “para que todos se concieran
mejor (…), para que todos si quiseran un poquito más, para que hubiera ‘un nosostros’ de los
dos lados de la frontera…” (FUENTES, [1995] 2007, p. 266-7 – grifo do autor).
A aproximação acima não representa uma igualdade total de pensamento, de e nas
soluções transpostas ao final dos romances de e por ambos os autores. Contudo, aponta para
uma a meu ver interessante observação a ser feita sobre alguns paradigmas levantados durante
o presente trabalho acadêmico, principalmente alguns que mais têm a ver com o olhar crítico
dedicado à análise literária do romance de Carlos Fuentes. Em conferência proferida em
University of Texas at El Paso, por ocasião do XVIII Congreso de Literatura Mexicana
Contemporánea (2013), dedicado a Carlos Fuentes, o renomado professor e crítico literário
peruano Julio Ortega afirma que em um dado momento da história intelectual que
compartilharam teria havido uma ruptura de linhas de pensamento entre Fuentes e Octavio
Paz. Tal afirmação me obriga a retomar uma constatação à qual me vi tomado durante os
estudos bibliográficos para a materialização desta pesquisa de doutoramento.
Conforme pude verificar, bem como até mesmo expor para o fim do terceiro capítulo,
no qual me debruçava especificamente a trabalhar a obra de Fuentes em tela, há outra
correspondência narrativa que parece incidir por sobre o romance fuentesiano. Os elos
comparativos encontrados entre as duas obras aqui trabalhadas são fortes. Contando inclusive
com a citação do nome de Tomás Rivera na mostra ensaística El espejo enterrado, de Fuentes,
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