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Comportamental e Experimental
estudos com ressonância magnética funcional (fMRI) tenham analisado como as pessoas reagem
a imagens de comida, ou enquanto antecipam o recebimento de recompensas em bebidas, é vital
examinar como as pessoas decidem se irão ou não consumir quando recebem informações sobre as
consequências à saúde do consumo.
Embora o papel potencial da culpa antecipatória nas dietas ainda tenha de ser estabelecido,
pesquisas revelaram que as dietas produzem culpa sem nenhuma perda de peso decorrente. Polivy &
Herman (1992), por exemplo, atribuíram uma “antidieta” a um grupo de mulheres que queriam perder
peso, permitindo-lhes comer o que quisessem. Embora a antidieta não tenha afetado o peso, deixou
as participantes menos insatisfeitas consigo mesmas e menos deprimidas.
Outra pesquisa sugere que oferecer pequenos incentivos, mas que sejam tangíveis, para a perda
de peso pode melhorar o autocontrole por meio da introdução de novas motivações viscerais que
competem com o impulso visceral de se satisfazer. Mann (1972), por exemplo, observou que partici-
pantes que confiaram objetos de valor a um terapeuta e assinaram um contrato em que a devolução
dos objetos dependia do progresso em relação a um objetivo de perda de peso pré-determinado,
tiveram uma extraordinária redução de peso: uma média de 14,5 kg. Um recente estudo de Volpp et
al. (em preparação) inscreveu veteranos de guerra norte-americanos que queriam perder peso em
um programa de redução de peso, em que o objetivo era perder 7 kg em 16 semanas. Em uma condi-
ção, os participantes tornam-se elegíveis para ser sorteados (valor esperado = $3) para cada dia em
que atingem a meta de perda de peso mensal. Em outra condição, os participantes podem depositar
até $3 do seu próprio dinheiro para cada dia, que os pesquisadores, então, dobram. Os participantes
recebem o dobro do montante, mais um bônus de $3 para cada dia em que atingem a meta de perda
de peso mensal. Em uma terceira condição (controle), os participantes não recebem nenhum incen-
tivo financeiro (tangível) para a perda de peso. Até o momento, os participantes em ambas as con-
dições em que há incentivo financeiro têm aproximadamente duas vezes mais propensão de perder
quantidades significativas de peso e de atingir a meta mensal de perder 450 g por semana do que os
participantes do grupo de controle [5].
4. Além da escolha intertemportal: doações a instituições de caridade
Embora a perspectiva econômica padrão suponha que todas as escolhas intertemporais envolvem
trade-offs explicitos, ela não supõe que todas os
trade-offs explicitos ocorram no domínio inter-
temporal. Decisões envolvendo se (ou quanto) doar para instituições de caridade são, de maneira
análoga, supostamente baseadas em trade-offs explicitos entre nosso próprio bem-estar e o dos
outros (apesar de algumas doações não envolverem necessariamente essa concessão se eles simul-
taneamente aumentam o bem-estar de quem as recebe e concedem ao doador um agradável “brilho
quente”). Embora o paradigma do trade-off explícito tenha gerado insights em relação às doações
para caridade e estimulado tanto as pesquisas comportamentais quanto as ligadas à neurociência
(por exemplo, Andreoni & Miller 2002; Harbaugh et al. 2007), poucas decisões caridosas no mundo
real parecem ser baseadas em trade-offs explícitos. Na maior parte dos casos, os benefícios de se
conservar o seu proprio dinheiro, ou os custos pessoais de doar, são mais bem definidos do que os
benefícios que as doações proporcionam aos outros (ou os custos para outros de não doar).
Porque essas concessões são mal definidas e, portanto, difíceis de calcular com precisão, a
doação de caridade é altamente errática e apenas vagamente associada às necessidades ou bene-
fícios conseguidos por aqueles que as recebem. Por exemplo, as pessoas parecem ser mais solidá-
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rias quando as vítimas são tangíveis e identificáveis do que quando são abstratas. Considere, por
exemplo, a seguinte situação:
O sedã vintage. Não sendo propriamente rico, seu único luxo na vida é uma Mercedes sedã vin-
tage que, com muito tempo, atenção e dinheiro, você deixou novo em folha. O que lhe satisfaz, em
particular, é o estofamento de couro refinado do automóvel. Um dia, você para em um cruzamento
de duas estradas no interior, ambas com baixo fluxo de carros. Ao escutar uma voz que grita por so-
corro, você sai e vê um homem ferido e coberto com muito sangue. Garantindo-lhe que o ferimento é
em uma das pernas, o homem também informa que completou dois anos de estudo em medicina. E,
apesar de ter sido expulso por colar nos exames finais do segundo ano, o que explica seu estado in-
digente desde então, amarrou corretamente sua camisa no machucado para estancar o sangue. Não
há, portanto, risco de vida iminente, mas há grandes chances de perder a perna; oque, no entanto,
pode ser evitado se você o conduzir a um hospital rural a 80 km de distância. “Como se machucou?”,
você pergunta. Um entusiasmado observador de aves, ele admite ter invadido um lote perto dali e,
não prestando atenção ao sair, cortou-se em um arame farpado enferrujado. Agora, se resolver aju-
dar esse invasor, você deve deitá-lo em seu belo banco de couro. Mas então seu caro estofado ficará
todo manchado de sangue e a recuperação do carro custará mais de cinco mil dólares. Então, você
vai embora. Ajudado no dia seguinte por outro motorista ele sobrevive, mas amputa a perna afetada.
Conforme Unger (1996) explica em seu proeminente escrito filosófico “Living high and letting
die”, a pessoa comum acha as ações do dono do sedã repreensíveis. Mas antes de considerar o por-
quê, consideremos uma segunda situação:
O Envelope. Em sua caixa de correio há uma carta da UNICEF. Depois de ler a missiva, você jul-
ga acertadamente que, a menos que envie, o quanto antes, um cheque de $100, em vez de viverem
vários anos, mais de 30 crianças morrerão prematuramente. Mas você joga o material na lata de lixo,
inclusive o conveniente envelope de resposta fornecido. Não envia nada e, em vez de viverem muitos
anos, mais de 30 crianças morrem prematuramente do que morreriam normalmente se você tivesse
enviado os $100 solicitados.
Como aponta Unger, esse problema do envelope apresenta uma transgressão moral mais séria
do que o problema do sedã por diversos motivos: mais pessoas são afetadas, é necessário menos
para ajudá-las, e a sobrevivência, não somente a saúde delas, está em jogo. Mesmo assim, as pes-
soas costumam encarar a falta de resposta ao problema do Mercedes como moralmente errado, mas
veem a falta de resposta ao problema do envelope como moralmente aceitável. Unger delineia uma
lista de razões potenciais para os dois problemas serem encarados de maneira distinta e conclui que
as diferenças entre as situações não oferecem nenhuma justificativa moral para a decisão de ajudar
no problema da Mercedes sedã, mas não no do envelope. Fundamentalmente, porém, as diferenças
entre os dois problemas são importantes do ponto de vista psicológico. As duas situações são distin-
tas, mais precisamente, em termos de tangibilidade psicológica.
No problema do sedã, a vítima é visível e tangível. Dar as costas significa deixar uma pessoa que
você viu sofrendo pessoalmente, algo muito difícil de fazer (e passível de censura). No problema do
envelope, porém, as vítimas estão bem longe, são desconhecidas e abstratas. É difícil imaginar as víti-
mas, que dirá solidarizar-se com seu sofrimento. E, sem a capacidade de imaginar suas necessidades,
é quase impossível imaginar como $100 possam trazer qualquer benefício. Portanto, você joga fora
o envelope com a consciência tranquila e, como descreve Unger, com a aprovação dos seus pares.