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e Experimental
Muitos estudos empíricos também sugerem que a tangibilidade promove a generosidade. Small
& Loewenstein (2003), por exemplo, observaram que as pessoas são mais generosas para com víti-
mas identificáveis do que com vítimas abstratas. Para demonstrar esse “efeito da vítima identificá-
vel”, Small & Loewenstein (2003) realizaram um estudo em que diversos participantes receberam,
cada um, $10 e um número de identificação exclusivo e confidencial. Escolheu-se metade deles (as
“vítimas”) para aleatoriamente perder o dinheiro, e cada participante afortunado que ficou com seus
$10 podia dar qualquer parte dos seus recursos a uma vítima que se lhes atribuiu aleatoriamente.
Tudo o que variou foi se cada participante afortunado soube o número de identificação da vítima
imediatamente antes ou imediatamente depois da decisão de doar o montante. Isto é, da perspec-
tiva do participante afortunado, o alvo de sua generosidade era ou determinada ou indeterminada,
respectivamente, no momento da escolha. A manipulação foi pensada para tornar discernível a pos-
sibilidade de discernir e a informação sobre a vítima, que normalmente se confundem no mundo real.
Embora a manipulação tenha sido sutil, os participantes afortunados doaram expressivamente mais
para vítimas determinadas do que para vítimas indeterminadas.
Outra constatação em desacordo com o paradigma do trade-off explícito foi a de que as pessoas
tendem a ser mais sensíveis à proporção de vidas salvas do que ao número absoluto de vidas salvas
(Baron 1997; Featherstonhaugh et al. 1997; Jenni & Loewenstein 1997; Friedrich et al. 1999; Small et
al. 2007). Por exemplo, a possibilidade de salvar 10 entre 100 pessoas em perigo iminente tem maior
apelo e motivação do que a possibilidade de salvar 10 entre 1.000.000 de pessoas em perigo. No
último caso, todo esforço para ajudar pode ser percebido como um mero “grão de areia no deserto”.
O efeito da vítima identificável pode ser um caso especial de uma preferência por proporção de sal-
vação. Vítimas identificáveis limitam nossa capacidade ou nossa motivação em ajudar outras vítimas,
tornando-se, assim, seu próprio grupo de referência e recebendo máxima solidariedade.
Essas constatações sugerem que a extensão em que se espera que a doação de uma pessoa
produza benefícios tangíveis é bem mais crucial do que sugere o paradigma do trade-off explícito.
Quando as vítimas são identificáveis, é mais fácil imaginá-las se beneficiando diretamente de qual-
quer doação em particular. Quando há muitas vítimas, os doadores em potencial podem temer que
cada vítima irá somente receber uma parte ínfima de sua doação, constituindo um mero grão de areia
em cada um dos vários desertos. De modo análogo, a possibilidade de salvar apenas uma pequena
proporção de um grande número de vítimas deixa de motivar doadores em potencial que precisam
acreditar que seus esforços produzirão benefícios tangíveis.
Outra pesquisa sugere que campanhas que enfatizam que estão perto de atingir seu objetivo de
arrecadação de fundos diminuem as chances de que os doadores sintam que seus esforços repre-
sentam um mero grão de areia no deserto. List & Lucking-Reiley (2002), por exemplo, constataram
que as doações são maiores quando doadores em potencial sabem que subsídios iniciais forneceram
dois terços do montante necessário do que quando subsídios iniciais forneceram apenas 10% do
total. Uma interpretação desse resultado é a de que os benefícios de uma doação são percebidos
como mais tangíveis quando se está próximo de um objetivo específico – tanto quanto um jogador de
beisebol cuja rebatida coloca o time à frente do adversário recebe mérito desproporcional.
Embora a tangibilidade não seja um problema da perspectiva do trade-off explícito, o grau em
que as doações produzem benefícios tangíveis claramente influencia o ato de doar. Os mecanismos
precisos pelos quais a tangibilidade influencia o ato de doar ainda são incertos, e as pesquisas neu-
roeconômicas podem se mostrar esclarecedoras. Por exemplo, os estudos neuroeconômicos que va-
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riam a extensão em que as vítimas são determinadas no momento da escolha podem analisar se esta-
dos emocionais negativos (sob a forma da dor de doar) tolhem a doação a vítimas indeterminadas ou
se estados emocionais negativos (sob a forma da culpa) promovem a doação a vítimas determinadas.
Por outro lado, o grau em que as vítimas são determinadas no momento da escolha pode influenciar
a ativação de regiões relacionadas ao prazer: doadores em potencial que podem facilmente imaginar
sua doação produzindo benefícios tangíveis podem experimentar mais prazer do que doadores em
potencial incapazes de imaginar tal situação com a mesma facilidade.
5. Conclusões
Em debates sobre a utilidade dos modelos matemáticos, diante do ataque de que os modelos são
simplistas, é comum ouvir, como defesa, que eles devem ser simplistas; sua vantagem está em simpli-
ficar e, portanto, iluminar, aspectos da realidade. No entanto, as mesmas propriedades que permitem
que os modelos lancem luz sobre a realidade também oferecem os meios para que eles a distorçam.
A perspectiva do trade-off explícito, acreditamos, produziu ambos os efeitos. Por um lado, ela ajudou
a identificar uma vasta classe de decisões e escolhas intertemporais que compartilham um elemento
comum: trade-offs de custos e benefícios ocorrendo em diferentes pontos no tempo. A combinação
de diversos tipos de decisões sob a égide comum da escolha intertemporal, porém, também pode
ter obscurecido importantes aspectos da realidade, sugerindo mais pontos em comum entre deci-
sões do que de fato podem existir. Por exemplo, tanto a decisão de quanto poupar quanto a de agir
ou não na presença de um motorista ensandecido são escolhas intertemporais (não obstante ambas
incluam sua dose de risco). Mas os mecanismos subjacentes a essas duas “escolhas” tendem a ser
bem diferentes, e classificar uma e outra como escolhas intertemporais pode nos levar a supor mais
pontos em comum do que de fato existem.
Neste artigo, argumentamos que uma maneira pela qual a perspectiva atual distorceu a reali-
dade é nos tornando cegos ao fato de que a maior parte das escolhas intertemporais envolve não
apenas o adiamento do tempo, mas também a tangibilidade. As pessoas deixam de ingerir seus me-
dicamentos por que os custos de ingeri-los são imediatos e os benefícios, de mais longo prazo, ou
por que os custos são tangíveis ao passo que os benefícios são amorfos (particularmente quanto aos
chamados “assassinos silenciosos”)? Aqueles que desejam perder peso não conseguem seguir dietas
adequadamente por que os benefícios da abstenção são adiados, ou por que são mal definidos (por
conta do metabolismo, do comportamento incerto do “eu futuro” e de outros fatores apenas vaga-
mente associados ao consumo presente)? Dependência involuntária de uma perspectiva de trade-off
explicito, pensamos, tendeu a cegar os pesquisadores em cada um desses casos e em muitos outros,
em relação ao segundo conjunto de considerações.
A tangibilidade é relevante para além da escolha intertemporal, como sugerido por nossa breve
discussão de seu papel na doação de caridade. Também é relevante para decisões que transcendem
o indivíduo. Assim, por exemplo, McKibben (1999) em um artigo de jornal intitulado “Indifference to
a planet in pain” [A indiferença a um planeta em sofrimento], observou que a falta de uma reação
coordenada ao aquecimento global é, em parte, resultado da intangibilidade do problema. Como ele
coloca: “ainda não sentimos de forma visceral o mal que causamos (...) O quanto irá piorar depende
da intensidade e rapidez com que somos capazes de sentir.” Compreender o papel da tangibilidade
na tomada de decisões não é somente vital para a saúde e o bem-estar dos indivíduos, mas também
do planeta como um todo.