Esquizofonia



Yüklə 4,54 Kb.
Pdf görüntüsü
səhifə24/79
tarix14.12.2017
ölçüsü4,54 Kb.
#15678
1   ...   20   21   22   23   24   25   26   27   ...   79

61 
 
forma; são livres. Desse modo, ele oferece um campo onde se efetua uma 
escuta que não mais opera como receptora de uma música dada "a 
priori", mas age como uma escuta que compõe o que se ouve (12): uma 
escuta que não se basta a interpretar signos mas, sim, produzi-los.  
E, para se pensar tal escuta, voltemos nossa atenção para uma música 
que opera sobre a força, "instalando-se sobre linhas de fuga que 
atravessam os corpos", e não sobre o objeto, sobre o corpo. Uma música 
que, por não apresentar mais pontos de referências a orientar ouvinte, 
pois o elo que permitia ligar um som ao outro está quebrado, não trata 
mais de sobrepor planos distintos tais como frases ou figuras, nem de 
comunicar qualquer tipo de sentido mas, simplesmente, de ajustar fluxos 
sonoros, deixando "os sons serem eles mesmos", de modo a possibilitar 
aquilo que Cage chama de uma "interpenetração sem obstrução". Esta 
música, "música flutuante" (13), não se encontra mais pautada nas 
relações dos eixos harmônico e melódico, nem na memória e na cultura e, 
ao invés de chamar o ouvinte a perguntar sobre seu funcionamento 
estrutural, promove-se pela ação direta sobre o sistema nervoso deste 
ouvinte, dentro daquilo que Buydens chama de "escuta imediata": ou o 
"imediatismo assombroso da sensação".(14)  
Ao operar nessa imaterialidade flexível do som, a música e a escuta são 
bastante fluidas e livres, nunca retidas pela espessura do material ou os 
limites do suporte e, por apresentar apenas velocidades ou diferenças de 
dinâmica, essa música desenvolve-se por conexões rizomáticas e, como 
um rizoma, leva-nos a percorrê-la, conectando livremente um ponto ao 
outro, sem trajetórias fixas. Suas entradas são múltiplas e abertas e as 
relações entre seus elementos se dão por conexões livres, não 
hierárquicas (15). Uma música que "flutua" em um espaço que a deixa 
escorregar: um "espaço liso".(16)  
Esta música, "flutuante", que se faz no contexto de tal tempo-espaço 
(liso), não mais revelando relações por desenvolvimento e por 
hereditariedade, mas apenas aquelas dadas por contágio, na qual os 
fluxos sonoros, suas densidades, velocidades e as intensidades afloram 
em uma rede de conexões, nos remete às características do espaço 
nômade deleuzeano, ele também não mensurável, intensivo e povoado 
de acontecimentos que determinam sua "densidade". Um espaço onde 
todas as conexões podem ser realizadas e o olho (ou o ouvido) não tem 
pontos fixos de referência. Ele deve simplesmente presumir as distâncias 
e as velocidades. Não há medida. Este espaço é sempre direcional e não 
dimensional ou métrico e encontra-se muito mais ocupado por 
acontecimentos, do que por coisas formadas e percebidas. Enquanto no 
"espaço estriado" objetos e motivos se encadeiam funcionalmente, no 
"liso" os objetos e os motivos assinalam forças, servem de sintomas, isto 
é, traçam cortes expressivos. É um espaço intensivo e não extensivo; de 
distâncias e não de medidas. Por isso, como aponta Deleuze, "o que 
ocupa o espaço liso são as intensidades, os ventos e ruídos, as forças e as 
qualidades tácteis e sonoras, como no deserto, na estepe ou no gelo".(17)  
Uma escuta que se faça a partir de tal música é também nômade, não por 
determinação, por imposição ou por limites, mas por contágio. Passeando 
por entre os pontos de referências móveis desta música em forma de 
rizoma, a escuta transitaria nas linhas que levam de um ponto a outro 
incessantemente. Tal escuta não consiste no conhecimento da 
significação da obra musical, nem na percepção única do objeto-sonoro. 
Não se trata da correspondência entre a composição e o que é escutado, 
nem sequer de ver o objeto composto do ponto de vista do compositor 
mas, simplesmente, de buscar os diversos jogos do som sem a 
preocupação em saber o que eles significam.  
 


62 
 
Ao se falar em nomadismo é importante entender que ser nômade não 
significa não ter território. Deleuze chama atenção para este fato, 
lembrando que o território do nômade são seus trajetos: ao ir de um 
ponto a outro, ele segue trajetos costumeiros e não ignora esses pontos, 
sejam eles pontos de água, de habitação, de assembléia ou outro 
qualquer. Mas é importante compreender que um ponto no trajeto do 
nômade só existe para ser abandonado; ele é uma alternância e só existe 
como alternância. Ou seja, "ainda que os pontos determinem trajetos, 
eles estão estritamente subordinados aos trajetos que eles determinam" 
(18). Por isso Deleuze fala da importância de se "diferenciar o que é 
princípio do que é somente consequência na vida nômade"(19). Se "a vida 
do nômade é intemezzo", nos diz Deleuze, um trajeto "está sempre entre 
dois pontos, mas o entre-dois tomou toda a consistência e goza de uma 
autonomia bem como de uma direção próprias" (20). Todos os elementos 
do habitat do nômade estão concebidos em função do trajeto que não 
pára de mobilizá-los. Por isso Anny Milovanoff (21) afirma que "no 
pensamento do nômade, o habitat não está vinculado a um território, 
mas antes a um itinerário". O trajeto o mobiliza.  
 
Assim, cada ser — e por que não escutas? — ao invés de constituir 
espaços fechados, como partes de comunicação regulada, encontra-se, 
pelo contrário, distribuído "num espaço aberto, indefinido, não 
comunicante".(22)  
Neste momento propomos um exercício: a escuta da "música das ruas". E, 
ao falar de uma "música das ruas", estamos aproximando-a da idéia de 
"música flutuante". "Música das ruas": uma textura sonora que a cidade 
secreta. Ruas. Rico tecido de sons que se movem e nos arrastam. 
Diferentes velocidades. Diferentes dinâmicas. Música das ruas. Nervosa. 
Palpitante. Explosiva. Mapa aberto. Pontos que se conectam como um 
rizoma. Música que flutua.  
Mas escutar essa "música" seria escutar as paisagens sonoras das ruas na 
música, ou seja, como música? Ou estaríamos atravessando um campo 
pelo outro: nem hábito, nem música no sentido tradicional, mas uma " 
música das ruas"? Como chamar a atenção para uma escuta nômade: 
uma escuta que compõe?  
Assim como o artista acústico Max Neuhaus, em sua série de trabalhos, 
desenvolvidos na década de 70, a partir da palavra Listen!(23), propomos 
aqui um corte na linha do hábito: uma intervenção. Não com a proposição 
"Organize!" mas, de modo semelhante a Neuhaus, com a proposição 
"Escuta!". Escuta as ruas: a "música das ruas". Um "enquadramento do 
cotidiano" ("temporal") próximo ao proposto por Cage, em 4’33". Escutar, 
neste sentido, possibilita a criação de um bloco, em que uma escuta não 
orientada simplesmente sofre as forças de desterritorialização do som, 
isto é, ao mesmo tempo em que age sobre os próprios sons do cotidiano, 
tirando-os de seu território, retira o ato de escuta de seu hábito.  
No caso da "música das ruas", para quem está inserido na rua, o cidadão, 
o pedestre, o maior é a rua. Para o músico, o maior é a teoria musical. Ao 
se interromper o jogo do hábito, introduzindo-se algum elemento caótico 
da música que ainda haveria no espaço da rua e vice-versa, formam-se 
dois blocos: a do ouvinte-pedestre / sons-da-rua; o do ouvinte-músico / 
sons-da-rua. Outras escutas aí se estabelecem, não apenas uma escuta 
habitual, quer seja aquela que descodifica índices através dos sons 
cotidianamente presentes nas ruas, quer seja aquela que o músico tende 
a tecer frente a esse entorno sonoro, buscando uma organização musical. 
Nos dois casos, criar blocos de escuta é permitir a sua "alucinação". 
Estamos falando em uma "escuta nômade".  


Yüklə 4,54 Kb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   20   21   22   23   24   25   26   27   ...   79




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə