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Tomando uma abordagem um pouco menos etérea, há uma outra
corrente que define o Ambient como um criador de paisagens, deixando
aberta a possibilidade de conceitualizar todo um mundo a partir do
produto criado pela manipulação sonora. Geralmente mais lento que os
outros estilos musicais, o Ambient pode ou não ter uma base rítmica
(Beat-oriented Ambient e Beatless Ambient, respectivamente). Muitas
vezes com lânguidos sintetizadores e jogos de cordas que transmitem
uma sensação de transporte para um outro possível (ou impossível?)
mundo, o Ambient é sempre caracterizado por um nível de
experimentação sônica superior à média. Não virá então como surpresa a
utilização de instrumentos eletrônicos no Ambient devido à
sua propensão natural para a criação de sons que não poderiam ser
criados sem a ajuda de um chip eletrônico. A utilização de máquinas é
sem dúvida uma enorme porta para a criatividade, embora a utilização de
instrumentos "tradicionais" não esteja de forma alguma excluída. Aliás, a
utilização deste tipo de instrumentos revela-se por vezes essencial para a
criação do que é chamado um som mais orgânico, de certa forma menos
eletrônico.
Dizem as lendas que o Ambient foi "inventado" por Brian Eno - por muitos
considerado o pai do Ambient - na década de 70 quando esteve internado
num hospital, ao ouvir uns discos que lhe haviam trazido num sistema em
que apenas uma das colunas de som funcionava, e por sinal muito mal.
Esta deficiente audição conjugada com o bater da chuva na janela do seu
quarto e com a inspiração do trabalho de Satie fez aflorar a idéia de criar
um novo tipo de música para ser ouvida de uma forma diferente. E
assim, de uma forma um pouco romântica, muitos relatam a "criação" do
Ambient. Apesar das histórias à volta de Eno, é inegável que este se
tornou numa figura deveras importante no surgimento da musica
eletrônica moderna, deixando testemunhos como "Before and after
science" ou ainda o sobejamente conhecido "Music for airports".
Os anos 70 revelaram-se férteis no surgimento pioneiros dos
sintetizadores, tais como os Tangerine Dream, Klaus Schulze e os agora
renascidos Kraftwerk. A estética avant-garde do rock progressivo também
nascida nesta época cai em esquecimento nos anos 80, em que aparecem
grupos Ambient com a postura de "musica atmosférica com atitude",
tais como os The Orb, que foram largamente ignorados e hoje são dos
nomes mais sonantes na cena Ambient, ou como os Future Sound of
London, que foram os primeiros a inserir o dijdjeridoo aborígine na
música eletrônica moderna, conjuntamente com um canto de coros do
século catorze, demonstrado no eterno hino ao Ambient "Papua New
Guinea". Esta "nova onda" do Ambient já não se apoiava no conceito de
Satie, mas utilizava antes os sons do ambiente para ajudar a criação
da música.
O dub surge como um terreno musical propicio para o fortalecimento do
Ambient, como o reggae mas encarado pela face psicodélica, com todos
os seus ecos e reverberações ideais à criação das paisagens, climas e
atmosferas tão procuradas.
Pode-se pensar assim que o Ambient é um estilo de música
obrigatoriamente calmo e contemplativo, o que nem sempre é verdade.
Há uma corrente dentro do próprio Ambient que é designada por nomes
como Isolacionismo, Ambient-Industrial ou Dark-Ambient. Algumas vezes
um pouco violento, uma das características principais desta corrente tem
a ver com a estética psicótica e desequilibrada destas esculturas sonoras.
A designação "Isolacionismo" surge com uma compilação editada pela
Virgin de nome "Ambient 4 - Isolationism", que é tido por uns como um
pilar do Isolacionismo, por outros como uma simples manobra comercial.
Se já é por si difícil definir o Ambient, a definição das suas correntes
torna-se praticamente impossível. Mesmo assim, dos artistas mais
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cotados dentro do Isolacionismo destacam-se Zoviet:France e,
discutivelmente, alguns dos trabalhos de Aphex-Twin.
A Internet é um ótimo lugar para procurar informação caso alguém
interessado esteja neste estilo híbrido, aberto e apaixonante. Um ótimo
local para iniciar essa pesquisa é o site "Epsilon"
(http://www.hyperreal.org/music/epsilon) que entre muita e
preciosa informação dá acesso a uma ótima mailing-list para discussão.
Por muitas vezes atribuída a etiqueta de escapista ou alienatório, a força
do Ambient está no fato de dar a conhecer novos mundos e criar esses
mesmos mundos, sem estar preso a estereótipos musicais e possibilitar a
experimentação sônica a níveis quase inimagináveis, desconstruindo os
dados adquiridos e simultâneamente construindo novas formas de visão.
O Ambient trata da exploração e estimulação do espaço, o espaço que se
encontra entre os nossos ouvidos. Tal como diria Gio, nestes
tempos conturbados de velocidade e confusão, maior, mais rápido, mais
forte, mais duro, alguns procuram na música a confirmação, outros, a
antítese. Para estes últimos existe o Ambient.
Fonte: Counterforce (
www.barkingcat.org/counterforce
).
ESCUTANDO AS PAISAGENS SONORAS URBANAS - Uma escuta nômade
Fátima Carneiro dos Santos
Este trabalho pretende aproximar a noção de "música flutuante",
apresentada por Mireille Buydens, em seu livro "Sahara, l’esthétique de
Gilles Deleuze", da idéia de uma " música das ruas". Entendida como uma
música que não se revela por relações de desenvolvimento, nem apresenta
pontos fixos de referências, ela se dá através de uma escuta que
estaremos chamando de "escuta nômade", tomando para isso o conceito
de nomadismo de Gilles Deleuze.
..............................................................
Com o advento da industrialização e, consequentemente, da urbanização,
ocorridas ainda no século XIX, percebe-se uma transformação no que se
refere ao ambiente acústico da maioria das comunidades ocidentais:
ruídos das máquinas, apitos das fábricas, murmúrio dos motores, das
serras elétricas, entre tantos outros. Contudo, essas mudanças tornam-se
ainda mais intensas no século XX a partir da revolução eletrônica. O
desenvolvimento de aparelhos eletrônicos não apenas promove a
configuração de uma nova realidade, mais industrial e tecnológica, como
também possibilita o surgimento de novas "paisagens sonoras" (1),
permitindo uma constatação: tanto a música quanto os ambientes
sonoros do cotidiano nunca mais seriam os mesmos.
Tanto as gravações, manipulações e transmissões sonoras, quanto a
incorporação musical de outros sons (o ruído), até então não observados
no cotidiano do homem, abrem caminho às diversas tendências
renovadoras deste século. O ruído (2), conforme lembra José Miguel
Wisnik, além de "ser um elemento de renovação da linguagem musical",
colocando-a em xeque, "torna-se um índice do habitat moderno, com o
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