52
sua vez nada tinha a ver com o futuro. O pensamento do futuro,
socialmente falando, afastou-se. A minha presença no presente era a
única forma de me achar na existência. Fiquei assim sem tempo
determinado, dedicando-me, de várias maneiras, às artes, seja como
músico, artesão ou literato, tentando fixar o momento da minha
eternidade.
Surgiram instrumentos cinéticos, instrumentos coletivos, e sobretudo um
acontecimento deslumbrante: um professor ou mestre vindo de um
remoto passado, e que era a Harpa Eólica. Daí por diante, ela me serviu
de guia. Começou assim o processo de dissolução nos sistemas dos
microvalores, conhecidos na música como microtons. Surgiu a pergunta:
como resolver esses problemas, seja electronicamente, seja
naturalmente. Faltavam recursos materiais como intelectuais, e não havia
ninguém para se consultar. Faltava também estabilidade e salas
adequadas para o bom procedimento do trabalho, sofrendo-se várias
mudanças, quebras pelo transporte, roubo de peças e até inundações por
esgotos quebrados. Ficou intacta apenas a oficina, a mesma tornando-se
refúgio para os instrumentos quebrados. A pesquisa tornou-se uma
reforma.
Aprendi que espaço significa forma, e tempo: mente sempre variável. Em
paralelo a isso, o espaço contém uma energia atômica, podia ser o
electron, circundada pela mente instável. Nas composições harmoniosas,
NÃO ACONTECE NADA, apenas modulações harmoniosas, descrevendo
uma natureza equilibrada. Nas composições dissonantes porém,
chocantes, onde as dissonâncias abrem o caminho para acontecimentos
sonoros, acontecem pequenas explosões no cérebro, veículo da mente
humana. Pode tanto amansar como excitar. Os acontecimentos exteriores
não devem influenciar, neste caso a composição tornar-se-ía um
noticiário. Esse processo deve ser levado ao interior do ser humano, a fim
de neutralizar os choques. Daí pode surgir uma compaixão interior.
A dualidade (divisão do + e - ) é confundida com o dualismo (discussão
entre + e - ). Na dualidade existe homogenidade. A contemporaneidade
parece ser um fenômeno do dualismo.
Resumindo: no homem existe uma mulher, e na mulher existe um
homem. Tão separados apenas pelo sexo. O homem se exterioriza e a
mulher se interioriza. Mas na verdade as duas unidades são a dualidade
unificada. Esta concepção nos afastou dos acontecimentos, visando mais
o pós-imediato do que o imediato. Aí entramos no próximo segundo (do
futuro digamos), que se torna presente.
Houve uma conclusão muito significativa ao considerarmos a "Ronda",
onde descobrimos que ritmo, melodia e harmonia dependem da
velocidadedo giro, isto é: velocidade máxima produz harmonias, carrossel
celeste; velocidade média: melodias ou sons lineares, e finalmente ritmos:
velocidade mínima. Estas velocidades podem ser usadas alternativamente
(nativamente=nascer), porque em matéria de composição ou
improvisação, não há regras fixas e sim justificativas, dependendo do
caso.
Chegamos a outra consideração: podiam essas pretensões alterar os
sistemas sonoros e musicais? Porque constatamos que o instrumento
53
adequado produz um certo tipo de som ou música, mas a música é feita
conforme o padrão inerente ao homem. O homem sempre reproduziu o
clima do sistema geográfico ambiente. Existem casos de poliglotas
universais, tal como Stravinski, que pode ser acusado de ter uma
consciência universal, pois vive todos os mundos. Ele é tão litúrgico como
dançante. Ele é ao mesmo tempo super-antigo e super-moderno, e tem
essa faculdade de reunir o passado e o futuro no eterno presente. As
estações fundidas numa só estação. Satélites girando ao redor do centro
universal.
Ronda
A tese, ou hipótese de criar novos instrumentos, cai quase por terra:
surgiu o problema da timbragem. A electrônica, com seus sons artificiais
(gerados no vacuum ou além das estrelas) é uma porta. Existe porém o
perigo da dualidade cair no dualismo. Temos que estar alertos para
superar o automatismo da nossa proclamação do "do-ré-mi-fa-sol-la-
sismo". Na antiguidade existia um poderoso significativo esotérico, que
paulatinamente formou as escalas. Eram os sete planetas, dotados de
suas vibrações específicas, tomando parte dos calendários Maya e
egípcio.
Segue o esquema: MA = dó (marte); SO=ré (sol); ME=mi (mercúrio); SA=fa
(saturno); JUI=sol (júpiter); VE=la (vênus); LU=si (lua). Ou seja: a primeira
sílaba dos planetas marte, sol, mercúrio, saturno, júpiter, vênus e lua.
Esses planetas eram divididos em neutros, benéficos e maléficos,
conforme a ciência da astrologia, caindo mais tarde na astronomia. Este
mistério é reproduzido no dodecafonismo, ou seja, na extensão de 7 para
12 tons, que é o "do-ré-mi-fa-sol-la-sismo". Ao reconscientizar o sistema
antigo, pode acontecer que o chumbo se transforme novamente em ouro
filosofal.
Existe uma grande falha na língua portuguesa ao denominar os dias da
semana por "feiras", com excessão de sábado e domingo pois em todas
outras línguas latinas existe a relação planeta-dia. Talvez seja devido as
feiras montadas nos diversos pontos da cidade, denotando assim o
espírito mercantil português.
Essa época dos microtons representou a mais rica fase da pesquisa,
culminando em Berlim 1982 na construção de sete monocórdios e uma
oitava de microtons (49 por oitava).
Paralelamente tivemos um profundo olhar na mais moderna e atual
eletrônica e ficamos com grandes dúvidas quanto à continuação do
trabalho.
Sofremos três greves, várias mudanças do material, e finalmente,
obtemos um acampamento para os instrumentos, na menor sala possível,
a pesquisa exterior transferiu-se para o interior, passando da
materialização do som para a música, palavra, plástica, o verbo, e
finalmente o silêncio, fonte de toda manifestação universal.
Dostları ilə paylaş: |