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econômico ilícito. A área foi declarada uma Zona Autônoma: as placas de
estrada alternativas ainda estão no lugar três anos depois.
Foi uma luta contínua entre freqüentadores de festa e a polícia, cada lado
tentando ludibriar o outro. Cada semana um local diferente era utilizado.
E um novo equipamento teria de ser montado ou adquirido para
substituir o confiscado na semana anterior. Havia uma necessidade de
contínua mobilização de recursos, que impedia a sedimentação do
controle sobre qualquer grupo ou indivíduo particular. E a atenção
cerrada da polícia significou que nenhuma estrela ou personalidade
poderia, em qualquer caso, surgir.
Como uma flor amazônica, Boomtown só era visível uma vez na semana,
sobrevivendo o resto do tempo como uma rede subterrânea de raízes que
não tinha nenhum líder mas constituía uma malha plana que se ligava em
cada ponto. Estava continuamente se expandindo, e logo a ação da polícia
contra um ponto isolado não significava nada, já que o fluxo
simplesmente se redirecionava e se ampliava, sempre no excedente de
suas próprias façanhas. Não se pode deter o que não se vê.
Frustrada por este inimigo fugaz, a polícia montou um esquadrão nacional
para festas e vasculhou Boomtown com uma rede que não deixava
nenhuma via de escape. Num evento próximo de Nelson, em Lancashire,
uma sólida fileira em azul(2) marchou para a zona da festa, cacetetes
batendo contra os escudos da revolta no compasso do batimento de suas
botas com tachas. Uma simples linha de controle imprimindo ordem
sobre a massa caótica. Policiais operam por dissecação e “esterilização”
(jargão policial). A massa caótica é primeiro bloqueada e encurralada,
depois dividida e alinhada, e finalmente aniquilada na retomada do
espaço contestado.
Eventos tais como aqueles em Nelson mudaram totalmente a natureza da
situação. Eles entraram na memória coletiva não apenas das pessoas dali,
mas de todos os envolvidos na cena de festas do norte. Isso consolidou a
união das pessoas e transformou mesmo eufóricos hippies em aguerridos
guerreiros acid. Mas nem todos os guerreiros são devotados apenas à
dança. Mais pessoas ficaram atraídas pelas festas para lutar contra a
100
polícia. Meses de confronto violento se seguiriam, as “batidas repetitivas”
se encontrando com pancadas repetidas. Havia vitória em ambos os
lados: um posto policial foi violentamente atacado e uma festa
interrompida em Leeds. (“Pensamos melhor que eles; brigamos melhor
que eles; até mesmo dançamos melhor que eles!”) Mas no clímax final, o
núcleo principal dos guerreiros acid foi encurralado em Guildersome,
perto de Leeds. Depois de cinco horas de encarniçada defesa, as barreiras
da festa foram furadas e a polícia prendeu todas as 836 pessoas
presentes. Essa foi uma das maiores detenções deste século em tempos
de paz na Europa, e contudo não se apresentou basicamente nenhuma
acusação.
Lutamos contra a lei. Mas quem venceu?
Eles bateram as portas para a Acid House. Pensaram que a baniriam, mas
agora ela está lá dentro, solta no interior da máquina.
E ninguém está escapando.
Observadores dizem que a cena de house está domesticada, uma cópia
mal-feita de uma pureza perdida para sempre. Mas se ela tivesse
permanecido “pura”, teria virado um culto de tribo e se fechado em seu
próprio mundinho. O vírus sofreu mutação, inserindo “novas
profundezas” na cintilante superfície espetacular do corpo em putrefação
da autencidade modernista. E sua diluição é compensada pelo
crescimento exponencial na infecção. A Acid House não é um conjunto de
procedimentos ou de temas, mas uma proliferação volátil que não
respeita limites. A Acid House esboça um território que não se fecha em si
mesmo, mas se abre para todos. As portas da percepção foram
arrancadas de suas dobradiças por um vento do inferno que não leva
ninguém prisioneiro nem pára por causa de tira nenhum.
Uma nova inteligência mais além da identidade e da posse está surgindo,
e aquelas mentes capazes de fazer a transição serão aquelas fortalecidas
pelas explorações em outras realidades. Não DJs com “nome”, mas
produtores e público dançante anônimos, abrindo a porta para o futuro
ao descartar o passado. A Acid House é uma amostra do nosso futuro
não-natural, vindo para acossar o presente. Aqueles que não a
experimentaram correm o risco de cicatrizes mentais mais tarde na vida.
No ambiente inofensivo dos clubes, a house tem sido colonizada por DJs e
promoters profissionais. Não mais um anônimo agente da ruptura e do
contágio, o DJ foi reintegrado dentro do pacote. Recebendo um nome e
um rosto, o DJ não é mais uma parte da massa, mas uma imagem abstrata
atraindo o olhar da massa que Ele deixou para trás. Não costumava
importar quem era o DJ, já que a música falava por si mesma e a ação
estava na pista de dança. Mas o matador do astro de rock entra agora
para tomar seu lugar como a nova estrela do pop. O público dançante,
não mais em igualdade perante o ritmo, se torna consumidor passivo
encantado pela aura do estrelato, a fixação substituindo o êxtase. A
massa vira uma calcinha gigante molhadinha pelo caralho atrás das
picapes. “Olhar Frente!” (3); o festival de excesso se torna reunião de
Nuremberg (4). A personalidade pré-empacotada se interpõe à música:
classificações e idéias pré-concebidas impedem que os DJs levem a
música a novas direções e explorem novos domínios com o público. A
época dos DJs já passou. Todos os DJs devem morrer! A fim de que novas
formas de desequilíbrio acid possam surgir.
Na era pós-moderna somos apenas engrenagens da máquina. A máquina
vai nos esmagar sob seu peso, a menos que...A menos que a impeçamos
de se estabilizar, que a mantenhamos em movimento, incapaz de se
firmar. Invente usos para os quais ela não foi planejada: perverta para
subverter! As engrenagens se sobrecarregam, e fazem com que a
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