Esquizofonia



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Resta ao glôbal colocar esta universalidade em prática. Uma vez que a 
consciência planetária já está desperta com a vinda da internet, é a vez 
desta consciência atingir seus maiores produtores, consumidores e 
beneficiários: todos os povos do mundo.  
 
 
Fonte: Trabalho Sujo (
www.gardenal.org/trabalhosujo
).  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
    
GUERREIROS ACID 
Drew Rogas 
 
 
Os tempos modernos pedem sujeitos castrados moldados como 
“indivíduos”: unidades auto-policiadoras cujo potencial é restringido e 
direcionado na determinação abstrata do “auto-interesse”. A Acid House 
traz esses muros estrondosamente ao chão. O desejo é libertado de 
esquemas lineares pré-programados (emprego-carro-casa-aposentadoria; 
sedução-casamento-filhos-morte; etc.) e solto num mundo insuspeito. 


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Não mais visando o controle e a posse, o desejo se torna ele mesmo 
possuído: possuído por uma liberdade que estilhaça a continuidade do 
tempo e desvela os poderes ocultos do corpo. Ritmos circadianos 
reprogramados. A prisão da mente detonada pelo aqui e agora deixando 
o desejo livre para percorrer o corpo: ondulações de intensidade viajam 
por sua superfície, logo abaixo da pele. A batida começa e este desejo 
fugaz se amalgama com a música numa poética corpórea explodindo na 
pista de dança. 
 A ordem não é natural, ela deve ser imposta: um congelamento do fluxo 
da vida. Mas sob toda ordem reina o caos, esperando para se insurgir e 
detonar as frágeis verdades que o negariam. A ponta do iceberg não é 
mais do aquilo que se vê; abaixo não há nada além da fria extensão do 
oceano. A Acid House nos impele a se despedaçar contra a frágil 
superfície na direção das profundezas informes e insondáveis. Atrás de 
nós o lençol de gelo se estilhaça e retorna ao oceano: movimento liberto, 
tudo é dissolvido em energias e velocidades relativas.   
Mas isto não é um simples abandono: “O caos não existe sem seus 
próprios componentes direcionais, que são seus próprios êxtases” 
[MP313]. A rachadura da de-composição é detida na plataforma mutante 
da batida. O êxtase não é encontrado no ruído branco mas em 
“complexos de sons-durações” – a tensão e textura que compreendem o 
momento acústico: “um caráter rítmico e uma paisagem melódica” num 
mundo composto de segmentos do espectro da freqüência. 
A house é “uma sucessão de batidas repetitivas”. Mas nem o 0 nem o 1 
são independentes: na origem está a diferença que fica (a) meio caminho 
– a materialidade do ritmo. Tensão e textura são produzidas no platô no 
qual grupos de sons se convertem uns nos outros em meio à sobreposição 
e justaposição de ritmos. A house é o espaço “inter-rítmico” dentro do 
qual a máquina produtor-DJ-público dançante é destruída, a ponta de 
lança que retalha a transmissão linear do código, rebentando todo grupo 
de sons na criação de algo novo – lançando uma corrente musical que 
passa entre a digitalidade e o desejo numa dinâmica autopoética de 
programação que forma um ciclo de realimentação positiva sem começo 
nem fim pelo qual “o desejo de quem dança, mesmo num nível neutro, é 
alimentado e realimenta a composição da música”.  
 
A house funciona pegando uma simples melodia, pondo-a em 
movimento, urdindo-a através de um ritmo: “o que é necessário é uma 
simples figura em movimento e um plano que é ele mesmo 
móvel”[MP344]. O ritornello é libertado de qualquer contexto ou 
estrutura determinante, apenas para se afirmar tão mais vigorosamente 
no esquizo-instante de sua repetição, seu poder ampliado por sua 
apurada simplicidade e espaço. Corpos dançando se movem com a deriva, 
por picos e platôs, numa jornada sem destino, só a intensidade do 
momento musical. As participações não-naturais do “corpo-música” 
(“body-music”): música se incorporando na dança, público dançante se 
desincorporando como música. Uma zona pulsante de intensidade 
sempre em movimento de acordo com a complexidade da batida: a 


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dinâmica não-linear da dança é uma produção não-cumulativa mais além 
de qualquer utilidade, que se deixa levar pela corrente de energia musical 
atravessando a pista de dança. Uma pulsação comum produzindo uma 
polifonia de música corpórea; gritos e movimentos manchando o código, 
energias divergentes unificadas, sintetizadas pelo padrão da batida, e 
então se espiralando para fora, em novas trajetórias. 
O código é passado adiante e compartilhado, com conexões em e a partir 
de qualquer ponto. Não a comunicação da linguagem do corpo, mas a 
excitação na ressonância corpo-música. Mais além das reduções 
estatísticas de entrada e da caixa registradora, a multidão é puro número 
e no entanto incontável (corpos derivam dentro e fora da visão, 
entrevistos nos flashes do estrobo, através de brechas nas rodopiantes 
barreiras de gelo seco, atrás de outros corpos). Na pista de dança, é 
irradiada uma percepção que a modernidade tem proibido: aquela de 
uma unidade que não ofusca a diferença: “o povo deveria ser 
individualizado, não de acordo com as pessoas dentro dele, mas de 
acordo com os afetos que ele experimenta, simultaneamente ou 
sucessivamente” [MP341]. Mas a dança sempre confronta o abismo de 
pura simulação e repetição do mesmo; polifonia produtiva que corre o 
risco de objetificação, como a justificativa de Nuremberg (1). “O problema 
é verdadeiramente musical, e ainda mais político por isso” [MP341]. 
Andar sobre a tênue linha entre a criatividade expansiva e a paranóia 
introspectiva (“dança perigosa”) não exclui seus perigos ou suas 
casualidades. Mas é a única passagem para fora\ do hospício do 
cotidiano: a loucura narcótica que sufoca ao não ser vista. 
A Acid House era intrinsecamente não-oposicionista e, no entanto, se 
encontrava em direta oposição às divisões de relações de propriedade e 
aos estriamentos do código legal. Seu conflito com a sociedade não é uma 
luta entre costumes sociais e desejos individuais, mas uma luta pela 
estruturação e disciplinamento do espaço social. Os muros (tanto morais 
quanto espaciais) protegidos e patrulhados do indivíduo atomístico foram 
subvertidos pelo fluxo do indizível operando fora dos códigos das 
estruturas institucionais estabelecidas. 
Na fuga do centro urbano para as festas em armazéns (warehouse 
parties), a tranquilidade do retiro campestre foi destruída e a privacidade 
do indivíduo feita em pedaços. A Acid House invadiu o campo e vazou 
para os espaços abandonados pela maré em retração do declínio 
industrial. E no entanto não era uma questão de posse ou mesmo de 
ocupação de determinados espaços mas de falta de maior estrutura e 
controle. Para que a house fosse permitida aos olhos da lei, bastava que 
fosse trazida de volta do desconhecido, e posta dentro de uma estrutura 
administrativa e legal. O clube substituiu o armazém: a house foi 
hermeticamente selada dentro de um espaço privado, atraída pela 
promessa de liberdade individual, e então policiada até a extinção. 
Os guerreiros acid provaram ser resistentes aos mecanismos 
disciplinadores da sociedade moderna. Isto demandou métodos mais 
diretos de controle estatal, nos quais foi revelada a violência sempre à 
espreita por baixo da respeitável fachada da sociedade civilizada. 
Este conflito pode ser observado no caso de um dos períodos mais 
intensos e sistemáticos da libertinagem disco na história da house. Por um 
período de cerca de dois anos (1989-1990), Blackburn, uma pequena 
cidade no norte da Inglaterra que a economia dos anos 1980 esqueceu, se 
tornou o foco de uma série de festas semanais de acid house juntando até 
12.000 pessoas. Uma anedótica evidência disto foi a renomeação da 
cidade como “Boomtown” – prestando homenagem ao sonho anti-
Tatcher ao mesmo tempo em que assinalava seu emergente poder 


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