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música pondo em primeiro plano uma repetição que deixava mensagem e
resolução em suspenso, ela criou condições onde a energia desejante foi
perpetuada e empregada na direção da descoberta e da auto-criação.
4. Como conseqüência, há mais pessoas fazendo música agora do que em
qualquer outra época anterior e a consciência disto entre os compositores
levou a uma explosão internacional da atividade de pequenos selos. Estas
pessoas tinham ouvido as velhas estórias das glórias passadas da cena
musical e, mais que escolher a competição, a exposição e a “luta pelo
sucesso”, eles decidiram operar fora destas limitações monetárias e
conceituais e fazer seu próprio trabalho. Inspirados na cena das festas
livres (free-parties), e semelhantes a elas, pequenas prensagens de discos
são passadas através de redes de distribuição underground num nível que
burla mesmo a loja de discos mais “especializada”. Na esteira dessa onda,
houve a ascensão de uma atitude experimental: não mais precisar se
conformar ao que é esperado e “entendido” significa que tem havido uma
renovada apreciação pelas idiossincrasias do som e pela transgressão de
hábitos perceptuais que elas podem inspirar. A música se torna algo mais
que um entretenimento irrefletido.
5. Enquanto isso, os caça-talentos (o povo do A & R [2]) correm de clubes
a apresentações a raves mas nunca chegam às autênticas festas. Atraídos
por uma música que faça sentido e dinheiro, que reproduza o imaginário
social, eles não podem nunca escutar o som do desejo conflitante. O
braço A & R representante da imprensa musical e das revistas de estilo
estão cada vez mais perdendo seu papel como mediadores entre
compositores desconhecidos e os grandes selos. Esta confiança entre os
dois de descobrir tendências e promover o “novo” está se tornando
risível, quando o “novo” está agora passando despercebido e torna tais
tentativas de ter controle sobre o que foi declarado novo a verdadeira
indicação de que o que lemos é insincero, lixo arrivista: o marketing
efetua um oportunismo desapaixonado. Da mesma forma, a maneira
como estas revistas sempre cobrem as mesmas coisas é uma indicação de
seu medo de perspectivas diferentes que ameacem mostrar como as
tendências são fabricadas em primeiro lugar. A mídia motiva a fascinação
com o medíocre e promove aquilo que já está predisposto a repetir o
mesmo.
6. A prática pós-mídia tem sido acelerada pela Internet, onde as
obsessões podem abundar e onde há este perceptível desejo por aquelas
atividades dirigidas e miniaturizadas que existem e têm sucesso sem
sequer pensar nas cada vez mais “calmas perspectivas” de uma mídia
transparente. A mídia, como a indústria fonográfica, virou um zero
centralizado. Onde antes revistas e selos atuavam como um filtro ou meio
de disseminação, as forças do mercado fizeram todos convergirem para o
ponto central: o público escuta o que é tornado disponível...e o que
acontece do público escutar, desde que tenha sido oferecido, reforça
certos gostos.(3) Confundida como ponta de lança, freqüentemente a
música promovida pela mídia não serve a outra finalidade que a
manutenção de uma ilusão lucrativa. Pegos nesta espiral mistificadora, os
ouvintes ou tentam se libertar disso e agir por si mesmos ou, embotando
seus sentidos, ficam entediados e incapazes de se orientar dentro da
armadilha midiática de publicidade, marketing e promessas não-
cumpridas da mídia. Os últimos se tornam tão enervados e cínicos quanto
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os artigos que lêem, e tomando seus lugares no processo de
envelhecimento, vêem no próximo ciclo de música–mediada uma falta de
inovação e qualidade.
7. Inovação e qualidade? É interessante ver como a mídia, que
ostensivamente se vê a si mesma como funcionando em oposição à arte
institucional, vem a trabalhar em adequação com este tradicionalismo, e,
em particular, pela forma com que reforça noções reacionárias de
subjetividade. A principal entre estas técnicas compartilhadas é a maneira
como a música, como a arte, é mais ou menos retratada sempre como
transcedental; como isolada das condições sociais que a produzem,
celebram e recebem. Este modo individualista de se relacionar com a
música é acentuado pela confiança no “gênio”: a elevação de certos
indivíduos e a promoção de dispositivos hierárquicos no suposto “espaço-
livre” da música popular. Esta ênfase no único pode acabar na dominação
as atividades dos outros, e numa negação da interrelação que ajuda a
tornar invisíveis os contextos da prática e da recepção heterogênea que
cercam a música. E mais, isto tem o efeito contingente de privilegiar o
momento “solitário” da produção sobre o da audição, da dança e da
organização que sempre implica na presença de outros. Desta maneira, os
contagiosos efeitos da música que podem ser conduzidos através do som
são neutralizados. A mídia inibe, ou até pior, remove o desejo pela música
e, ao faze-lo, colabora com a “capitalização” da subjetividade: um espaço,
um tempo, uma pessoa, apenas um passo à frente do tédio e da
resignação.
8. Este contágio musical tem sido gradualmente reforçado pelas novas
condições de recepção e grande parte desta prática pós-mídia tem sido
estimulada pela crescente consciência de que a audição não é uma
atividade subordinada mas um processo de criação de significado. De
fones de ouvido a alto-falantes, do quarto de dormir à festa, sozinhos,
mas sempre conectados e em diálogo, ouvintes se tornam parte de um
contexto de recepção autônomo, difuso e não-institucional. Esta
configuração bastante complexa significa que, mais que o "novo" e o
"nunca ouvido" sendo consumido vorazmente num frêmito de consumo,
eles são convertidos em consoles que produzem energia; trocas
impulsionais que estimulam uma prática de pensamento extra-verbal. O
movimento constante que isto engendra pode ser posto em claro
contraste com a forma que a música mediatizada pode frequentemente
ser um meio de recorrer ao que já é conhecido; uma queda para o terreno
pré-estabelecido do "self". Mas se a audição é levada seriamente e não
mantida como uma atividade de segunda categoria, ela só pode encorajar
padrões de conexão e co-experiência com um grupo imediatamente
acessível que compartilha não só uma apreciação dos sons mas uma
memória social deles tal como contidos na gravação. Uma vez ligados
assim, os vínculos de uma nova coletividade se tornam quase um reflexo
inconsciente.
9. E assim a pós-mídia vira uma prática que não conhece limites ou
disciplina. É um site da web, um zine, um flyer, um pequeno selo de
gravadora, uma estação pirata, um pôster, um vídeo circulado via correio,
estórias e notícias contadas numa mesa de bar, uma rede de distribuição
de nodos invisíveis, organizações efêmeras, uma propagação fictícia...É
uma prática social meta-categórica e não canalizada de criação cultural
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