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vão estar pessoas em um determinado lugar. Não controlando, mas
através do computador e do telefone, mandarão notícias e acompanharão
o que está acontecendo nas ruas. Isso a gente fez em São Paulo. Os
líderes prioncipais desapareceram e foram criados os líderes
intermediários, já que a repressão queria pegar os “capa preta”. Outra
coisa que me impressionou neles é que criaram uma rede de apoio, que
funciona a bicicleta. O cara que vem de bicicleta passa os recados para os
que vão decidir o que fazer, de acordo com a situação. Quando eu vim
aqui, achei que ia cair na passeata e pronto. Mas, não, eu tive uma
reunião no albergue de jovens e vi que a mesma reunião que se estava
fazendo lá estava acontecendo com cada grupo. Estamos decidindo em
cada grupo que depois se fecha em um grupo central, e se decide. Isso foi
o que me chocou. Tem uma organização muito boa.
(...)
Eu vi uma menina ontem dirigir uma reunião. Estávamos em um quarto,
fedia, fedia porque tinha muita gente no quarto, muita gente que chegou
de viagem com o corpo suado. Tinha cem naquele momento. Olha, uma
disciplina que, às vezes, a gente fica surpreso. Sabe, quando todo mundo
fala ao mesmo tempo, fazia “Oh, Oh”. Mas ela controlou aquela
reunião...Olha, era perfeito...Naquele quartinho, uma mesinha, ela “você,
você, você”, e quando repetia, ela era dura e parava na hora, não deixava
lengalenga, não.
Benedita já tocou com o pessoal do Reclaim The Streets no 1º de Maio,
quando, em Londres, uma manifestação acabou destruindo um
McDonald´s e adicionando um topete moicano de grama à estátua de
Winston Churchill.
Quanto ao samba, diz não saber qual é o style deles, e faz uma careta
quando pergunto o que ela achou.
- Mas é importante. Sabe por que é importante? Porque na Inglaterra eu
já fui em tanta passeata, tanta demonstração, e parecia que a gente ia a
um piquenique. Mas nos últimos três anos, começou a ter mais barulho e
o pessoal a falar mais palavras de ordem. Dá um estímulo. O pessoal
parou com aquilo de ir à passeata para comer sanduichinho.
Fontes: Chrispiniano, José. A Guerrilha Surreal. São Paulo, Conrad Editora,
2002, pp. 71-76.
B*Scene (
www.gardenal.org/bscene/
).
20
ALEC EMPIRE - POLÍTICA E VIOLÊNCIA
Raquel Pinheiro
Alec Empire sempre foi a força motriz por trás dos Atari Teenage Riot, um
coletivo de terroristas sonoros sediado em Berlim, e da Digital Hardcore
Recordings, selo que mostrou ao mundo como se pode fazer música
extrema com máquinas. Depois de dois anos de gestação, Alec Empire
regressa solo com "Intelligence & Sacrifice", um duplo álbum que mostra
os dois lados da sua música.
Para você a inteligência é um sacrifício, na medida em que se formos
inteligentes vemos que as coisas não são assim tão fáceis?
Neste caso a "inteligência" pode significar várias coisas. Da tecnologia ao
QI humano, guerra psicológica, o poder do pensamento, informação.
"Sacrifício" é a contradição disso tudo. Primitivo, religioso, carne humana,
vítimas e rituais, fogo e crença. Apesar de serem uma contradição, estão
interligados, e eu sinto-me influenciado por esses dois mundos.
Até que ponto é que "Intelligence & Sacrifice" é um disco político? Ainda
acha importante falar sobre política?
Eu não divido a política da minha vida pessoal, mas nos meus discos solo
uso uma linguagem diferente daquela que uso nos Atari Teenage Riot
(ATR). Os ATR regem-se por um conceito mais estrito, as letras servem
como demonstração das nossas idéias políticas. São muito diretas e
concisas. Usamos muitas palavras de ordem como "Start The Riot" ou
"Destroy 2000 Years of Culture". Nos meus discos solo uso uma linguagem
diferente. A política está presente, mas eu prefiro descrever situações de
um ponto de vista pessoal. No formato solo tenho também a liberdade de
falar de assuntos que não estejam ligados à política de uma maneira
óbvia. Nos ATR nunca poderia ter escrito um tema como "Addicted to
You", e se, por outro lado, o tema "New World Order" poderia ser um
tema dos ATR, nunca soaria desta maneira, a nível de música e de letra.
Em "Intelligence & Sacrifice" penso que escolhi o caminho certo, não acho
ser uma boa altura para me por com discursos inflamados.
Há uns anos atrás a juventude tinha ideais comuns, sociais e políticos, e
lutava por eles. Hoje em dia, quando se olha para a maior parte dos
garotos ou se ouve uma banda de nu-metal, tudo o que parecem "lutar"
é contra eles próprios. Os ideais foram reduzidos a quem anda com mais
garotas, quem tem tênis de determinada marca. Será que já não existem
ideais para lutar?
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Eu discordo disso. Eu vejo um grande movimento anti-globalização
crescendo em todo o mundo. Na França, quando o Le Pen teve muitos
votos, milhões de jovens sairam à rua para protestar contra o partido da
Frente Nacionalista. O "mainstream" nos dá essa impressão, mas é falsa.
O "mainstream" está encolhendo; cada vez mais pessoas escolhem uma
via alternativa seja ela música, cinema, informação ou vida. A juventude
de hoje está mais bem informada do que nos anos sessenta. A televisão e
os media institucionais tentam subverter qualquer movimento emergente
com imagens enganadoras. Esse tempo acabou. Eu sou um bom exemplo,
porque as pessoas vêem que é possível ter sucesso mesmo sendo um
radical de esquerda. Hoje em dia o conformismo está destinado apenas
aos inúteis.
Existirá algo como boa ou má violência?
A violência é sempre má. Por outro lado, a arte violenta é sempre um
desafio, por isso é boa e poderosa. Às vezes a auto-defesa é inevitável. É
uma técnica para desenhar uma linha intermediária.
Porque você diz que consegue experimentar mais nos seus discos solo
do que nos ATR?
Os ATR seguem um conceito muito restrito, a estratégia é "riot sounds
produce riots". Cada tema que escrevemos como banda tem que cumprir
este objetivo, que ultrapassa qualquer objetivo pessoal de cada elemento.
Por isso, nos ATR não sobra muito espaço para focar determinados
assuntos que foquei no meu novo disco. Isso não quer dizer que discordo
com o conceito dos ATR, quer apenas dizer que posso fazer algumas
coisas diferentes no solo que não faço nos ATR. Eu preciso desses dois
caminhos para me exprimir.
Você afirmou recentemente que hoje em dia nada o satisfaz. Como
consegue viver assim?
Eu estou farto da cena musical de agora, mas estou sempre a descobrir
música fantástica do passado. Isso me entusiasma. Absorvo muita
informação e isso me motiva. A maioria das pessoas que aí andam são uns
merdas que só estão interessados em fazer dinheiro deixando para trás a
sua personalidade. São como ovelhas cegas. É triste, mas não posso
perder o meu tempo com essas pessoas. Tenho a sorte de estar em
contato com algumas exceções, que neste mundo fazem a diferença. É
assim que lido com isso, filtrar o que é válido e deixar para trás o que não
presta é uma regra básica de vida na sociedade contemporânea.
De onde veio a inspiração para a escrita de "Intelligence & Sacrifice", a
nível de música e de letras?
Neste disco não fui buscar influências a nada em particular, desta vez foi
muito diferente. Senti que tinha de fazer passar o meu ponto de vista. Eu
tive uma visão e sabia que era a única pessoa que a podia tornar
realidade. Só estava à espera de um impulso. Há muitos anos que me
queria definir com rigor. Como sabia que estava lixado e queimado,
precisava de me pressionar a mim próprio até ao limite, por forma a
conseguir um som mais poderoso e profundo.
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