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Virgen María, tú también cobíjalo. Cúbrele su cuerpo, tápale la cabeza, tápale los ojos a los
comunistas y a los coreanos y a los chinos para que no lo vean, para que no lo maten”
(RIVERA, [1971] 2012, p. 82). E segue ainda mais agudo nas promesas feitas: “Ya le tengo
prometido a la Virgen de San Juan una visita y a la Virgen de Guadalupe también. Él también
trae una medallita de la Virgen de San Juan del Valle y él también le prometió algo, quiere
vivir” (Ibid.).
E a respeito da sobreposição de imagens própria do caráter de construção implícito na
formação das tradições é interessante notar nesses pedidos a recorrência à figura da padroeira
mexicana, a Virgem de Guadalupe, que retorna em: “Tráemelo bueno y sano de Corea. Tápale
el corazón con tus manos. Jesucristo, Dios santo, Virgen de Guadalupe, regrésenme su vida,
regrésenme su corazón” (RIVERA, [1971] 2012, p. 83). Tal justaposição de imagens santas
inclui em sua invocação a sobreposição transculturadora da imagem evocada de Tonantzin,
pois, conforme explicaria Carlos Fuentes em seu clássico ensaístico El espejo enterrado
([1992] 2010: p. 246), “en México, Tonantzin, la diosa de los aztecas, se convirtío en la
virgen morena de Guadalupe”.
Como ressaltei, esse drama de cidadania iniciado em “Se había dormido...”, e
imediatamente seguido por “Un rezo”, encontra seu ápice, ou sua correspondência, em “El
retrato”, penúltimo conto do corpo de doze capítulos de desenvolvimento da obra, relativos a
um ano letivo e de vida laboral do menino protagonista e sua família. E é importante perceber
como Rivera relativiza ainda outras questões, referentes uma vez mais à imaginária de que faz
uso sua narrativa de proposições mnemônicas e sua relação com o ficcional. O personagem
citado como desaparecido em guerra leva primeiramente o apelido carinhoso de Julianito,
que, salvo algum engano na resposta do espírito en la caja de “Se había dormido...”, quem diz
“Julianito está bien”, pode muito bem ser o filho morto de Virginia, amiga da mãe narradora
do subsequente “Un rezo”. Já sobre o nome daquele que merece as rogações neste mesmo
“Un rezo”, poder-se-ia até mesmo pensá-lo como Juan, quem, tal qual sua mãe, prometera
algo à Virgem de San Juan del Valle, de quem traz, ainda, uma medalhinha.
O interessante é que na proposição desse jogo de nomes entra em cena Chuy, nome
enunciado do desaparecido na mesma Guerra da Coreia em “El retrato”. Dado a conta de que
Chuy é um apelido bastante mexicano para o nome Jesús, nome tomado como o do filho da
Virgem, “coincidentemente” Virginia, e está estabelecida aí uma série de possibilidades
próprias do jogo ficcional, confundindo serem três, ou dois, o que talvez seja apenas um. Há,
porém, ainda mais. Se nos recordamos de que o final de “El retrato” traz a reconstrução
forçada do rosto prometido do filho, reconstruído a partir da observação obrigada do rosto do
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pai, damo-nos conta da abordagem riverana correspondente à questão máxima da imagem
para o cristianismo: a do homem criado à imagem e semelhança de Deus, seu Pai; assim como
o seria Jesus, seu primogênito na terra, que ao terceiro dia de seu sepultamento ressuscitou,
sem esquecermos que o pai de Chuy (Jesús), interpelado por um amigo sobre a situação
exposta em “El retrato”, conta também que o retratista enganador finalmente “a los tres días
me trajo el retrato” (RIVERA, [1971] 2012: p. 145 – grifo meu); trabalho que, ao fim e ao
cabo, se vê mostrado “curiosamente”, “acabadito así como lo ve cerquita de la virgen en esa
tarima” (Ibid. – grifo meu).
A narratura imposta por Rivera no caso acima responde a dois planos de hipóteses
viáveis. O primeiro seria de ordem editorial, aquele que encerra a dúvida de Rivera entre
saber se estava por publicar um volume de contos, com as estampas entremeando tais contos,
como ele mesmo informa em carta à Editorial Quinto Sol, “to give the total work a
cohesiveness that I thought was needed”
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(RIVERA, [1970] 2012: p. 249), ou um romance,
como o próprio e a editora em conjunto terminam por se convencerem. Nesta dúvida, talvez
esteja a explicação para a ambiguidade identificadora que percorre de maneira deslocada a
estampa e os dois contos que tocam no drama de cidadania aos quais dediquei os últimos
parágrafos.
O segundo, e a meu ver mais plausível, plano ao qual responderiam as “coincidências”
e ambiguidades impressas por Tomás Rivera no trato literário de tal drama de cidadania vem
da ordem de relações entre imagem (com destaque para a imaginária católica de sua gente),
mimese e ficção, em um jogo de imagens literárias amarradas propositalmente de modo a
servirem a toda uma ambiguidade interpretativa, provocada pelo poder criador, criativo da
imaginação na construção da ficção literária apresentada pelo autor. Observe-se que, mesmo
que consideremos tais coincidências como justapostas e sobrepostas inconscientemente, é
sabido desde Freud o poder de ação do inconsciente sobre o consciente dos sujeitos
discursivos.
Importa, ao fim e ao cabo, uma construção que pela desconstrução propõe, por um fio
tênue de ironia, a posta em xeque de valores e costumes em solo onde outra cultura se mostra
dominante. Tornando a “Un rezo”, poder-se-ia pensar a estratégia de dar-se vez a outra voz
narrativa, a da mãe do soldado desaparecido, como fruto de uma estratégia que se afasta do
subjetivo, diminuindo, assim, os tons de um provável questionamento. Algo que, em verdade,
é puro fingimento ficcional, dado que o narrador em terceira pessoa retorna em outros
60
“para dar à totalidade do trabalho uma coesão que considerei necessária” (Tradução minha).
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