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palavras como “troca” (“truck”, caminhão) “lunche” (lanche), “jamborgues” (hambúrgueres),
“Crismes” (Christmas), “Iuta” (Utah), etc. E o pachuquismo a que se refere, se vê presente,
com toda a crítica de uma magistral e fina ironia, por exemplo, em passagens como a que
segue (cuja frase final de teor elíptico já foi alvo de citação neste tópico):
– ¿Para qué van tanto a la escuela?
(…)
– N’ombre. Yo que ustedes ni me preocupara por eso. Que al cabo de jodido
no pasa uno. Ya no puede uno estar más jodido, así que ni me preocupo. Los que sí
tienen que jugársela chango son los que están arriba y tienen algo que perder.
Pueden bajar a donde estamos nosotros. ¿Nosotros qué? (RIVERA, [1971] 2012, p.
92).
Com o uso de bilinguismos e pachuquismos, “Rivera elabora literariamente el español
de su comunidade texana” (RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 19) e, assim, une-se a Rulfo
(cuja família de origem rica tem seus bens tomados pela Revolução e cuja infância se deu
num México nortenho junto aos camponeses que tão bem descreve) como dois escritores que
falam a partir da, e não sobre a, fronteira com o que poderíamos chamar de conhecimento de
causa(s). Tamanho pormenor termina por conferir teor de certa veracidade linguística a seus
personagens, o que implica de modo atuante no imaginário linguístico sobre o qual passam a
agir, a contribuir suas obras. No que toca a Rulfo, influem no aporte de suas idiossincrasias
linguístico-literárias ao imaginário do tipicamente mexicano a difusão, as traduções e o êxito
comercial de suas obras, advindo também do crescente interesse lançado à literatura latino-
americana de sua época, culminando nos sucessos do boom e adjunto ao respeito e alcance
cada vez maior da intelectualidade da América Latina, inclusive dentro de uma amplitude
acadêmica estadunidense (embora ainda reticente e pelas vias do exame do ex-ótico) a cada
dia mais interessada em debruçar-se sobre sua própria hispano-americanidade.
Quanto a Rivera, sua obra é também um clássico; porém, um clássico dentro de um
universo literário que não obtém por muitas vezes o devido respeito e, principalmente, alcance
forâneo, haja vista que o sistema literário chicano, hoje plenamente estabelecido, é encarado,
o mais das vezes, como um subsistema literário, achatado, imprensado, espremido entre dois
grandes sistemas literário-comerciais: o mexicano e o estadunidense. O fato de que tenha
merecido uma premiada versão cinematográfica em 1995 e toda uma produção crítico-
ensaística que ainda hoje se inclina sobre o romance, a vida e a obra de Tomás Rivera (com
destaque para a primeira edição de fato latino-americana pela argentina Ediciones Corregidor,
no recente 2012), ainda assim limita a propagação de seu contributo a imaginários do
tipicamente chicano a um universo quase que exclusivamente acadêmico, muitas vezes, ainda
avesso à massificação de que tanto necessitam e se aproveitam as imagens de um imaginário.
122
A ligação e transcendência evidentes do romance de Rivera para com a obra de Juan
Rulfo aportam, mesmo assim, para sua contribuição junto a imaginários, algo que talvez se
potencializasse com traduções para além da obviedade da necessidade comercial do inglês e,
quem sabe, um remake de sua versão fílmica, feito tão comum na indústria cinematográfica
estadunidense atual.
Por fim, vale apontar que um imaginário só existe, somente de fato se “materializa”,
em seu momento de comparação, pela comparação com o real empírico, a partir do instante
em que verdadeiramente, indomitamente dele se dá conta a consciência (do) imaginante, a
consciência imaginativa. No que se refere ainda a Tomás Rivera, alguém que levado por
dever acadêmico ou pelo prazer do conhecimento venha a interagir nesta zona bifronteiriça
abrangente do norte mexicano ao sudoeste (e um pouco mais) estadunidense, verá que,
mesmo passados mais de sessenta anos de temporalidade do enredo romanesco riverano e já
após mais de quarenta anos da publicação de sua obra, muito do caló bilinguístico, do
pachuquismo e do spanglish que elipticamente empregados formam parte da literariedade de
sua obra; muito disso, ainda atravessa, preenche as conversações das gentes dessa fronteira de
culturas em constante choque, troca e atualizações. Algo fruto do caráter dos clássicos, seu
tom, seu dom, sua propriedade universal de permanência.
123
3 LA FRONTERA DE CRISTAL: COMPONDO (COM) IMAGINÁRIOS
La frontera de cristal, de Carlos Fuentes, é um romance narrado em nove contos.
Nessa obra, o autor se volta ao tema da profunda ligação entre México e Estados Unidos, já
evidente em obras como Gringo Viejo, por exemplo. Entretanto, a atração mais profunda de
La frontera de cristal vai ao encontro de um propósito desde há muito praticado por uma elite
letrada de grande valor no México: a análise, de objetivo definidor, do sujeito mexicano; ou,
pelo menos, de sua psique formadora. Assim, apesar de narrativa ficcional, esse romance de
Fuentes encontra, na leitura que nos propõe a fazer, estreita correspondência com o gênero
ensaio em pensadores mexicanos tais quais Samuel Ramos, em 1934, e Octavio Paz, em 1950,
espécie de predecessores, pelas vias abertas do ensaio
65
, da linha de pensamento desenvolvida
na ficção de La frontera.
Contudo, a ligação ainda mais clara de La frontera de cristal se dá de modo bastante
estreito para com El espejo enterrado (1992), aclamado livro de ensaios do próprio Carlos
Fuentes. Nele, o autor perfaz o mesmo caminho inquiridor dos antecessores supracitados.
Estabelece, entretanto, sua tese teórica com o que chama de três hispanidades: o
prolongamento da hispanidade ibérica, alastrada na América colonial espanhola até certa
hispanidade contemporânea que eclode tanto do épico e não menos violento avanço do
estadunidense rumo ao atual oeste quanto da política expansionista (e porque não dizer
intervencionista) de um Estados Unidos já estabelecido como potência mundial voltada para
uma América terceiro-mundista de frágeis bases políticas. Às resultantes desse terceiro
movimento de eclosão de hispanidades, Fuentes (Cf. 1992, p. 441) chama de hispanidade
norte-americana, uma terceira hispanidade, o revés cromossomático da imigração mexicana,
sul (em menor escala) e centro-americana que cobra dos Estados Unidos da América do Norte
seu status propagandeado de potência e de terra das oportunidades.
Entendo que a partir dessa relação de dependência da ficção de La frontera para com
amostras específicas do gênero ensaio, Fuentes acaba por criar caminhos viáveis para a leitura
de seu romance desde um ponto de vista de conexão da obra com a criação sugestiva de
imagens e a consequente perpetuação de imaginários. Tais caminhos abordo aqui através de
três aspectos constitutivos de seu conjunto romanesco de contos: a) desde um prisma de
estilo, a abordagem do peculiar em sua narratividade; b) de ordem talvez mais estética, a
observação do principal recurso literário de imagem utilizado por essa narratividade, o qual
65
Cf. Massaud Moisés (1974, p. 174-56).
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