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Tal como o romance de Fuentes acima apresentado, a obra de Tomás Rivera ...y no se
lo tragó la tierra, concebida vinte e seis anos antes, é um romance constituído de contos que
se entrelaçam, “entre-enredam-se” para dar forma a algo maior, um romance de tom mais
introspectivo, composto por catorze contos, catorze espécies de micro-narrativas. Neles, o
protagonista busca os caminhos de sua identidade reconstruindo histórias vividas e a ele
contadas durante doze meses de migração familiar, a maior parte do tempo, pelos campos de
cultivo da região sudoeste dos Estados Unidos. Neste enredo, não expositivo, repleto de
implícitos, ressalta-se a força do movimento chicano, dos trabalhadores migratórios e sua
tenacidade.
O termo “chicano” surge inicialmente para designar, de modo pejorativo, os
mexicanos e os “americanos” de origem mexicana que, após o Tratado de Guadalupe-Hidalgo
(produto do fim da guerra de fronteiras mexicano-americana, 1846-1848), passam a integrar a
nação estadunidense. Ao fim da guerra, os mexicanos que optassem por permanecer do lado
“anglo-americano” da fronteira teriam, teoricamente, direitos garantidos por lei. No entanto,
seguiu-se a isso que essas pessoas, doravante denominados chicanos (alusão depreciativa ao
inimigo mexicano facilmente derrotado), passaram a ser tratadas como uma classe de segunda
ordem, a ser explorada como uma classe obreira, servil, braçal.
A partir dos anos de 1960, entretanto, com a eclosão da luta pelos direitos civis nos
Estados Unidos, os braceiros chicanos se unem na luta por melhores salários, condições
dignas de vida e trabalho e igualdade de direitos. A partir de então, a manifestação com
grande apoio popular que viria a ser conhecida como Movimiento Chicano concede nova
semantização ao termo, agora assumidamente utilizado como marca de afirmação de uma
identidade, a qual muitas das vezes busca marcar sua alteridade tanto diante dos Estados
Unidos da América do Norte quanto ante os Estados Unidos Mexicanos. Importa ainda dizer
que, mesmo havendo uma produção literária desenvolvida pela comunidade mexicano-
americana desde a existência das primeiras disputas fronteiriças entre ambas as nações
5
,
somente a partir dos anos de 1960 tal produção passou a estar relacionada, vinculada aos
movimentos sócio-políticos. Nesse tocante, o professor universitário e escritor Tomás Rivera
passa a ser um dos nomes marcantes dessa nova vinculação, sempre preocupado em assumir-
se como um escritor chicano.
5
A esse respeito, remeto o leitor para o artigo “Apuntes para la historia de la literatura chicana”, de Lauro
Flores, publicado em América Latina: palavra, literatura e cultura (PIZARRO, Ana (org.), 1995, 3v. p. 581-
600).
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...y no se lo tragó la tierra (cujos elos não são fáceis de serem unidos tão-somente em
uma primeira leitura) conta a história de um garoto de ascendência mexicana, radicado nos
Estados Unidos, criado, porém, dentro da cultura mexicana trazida por seus pais. Através de
um recurrido quase todo ele em solilóquio (há a presença de uma narração em terceira pessoa,
que só ao fim se revela como o mesmo protagonista que narra também em primeira pessoa)
pode o leitor enveredar-se pelas difíceis sendas de um tempo repleto de preconceitos sofridos
por conta da cultura e etnicidade de seu personagem principal. Pela narração nos são
fornecidos dados, como a Guerra da Coréia em “El rezo” e em outros capítulos, que
estabelecem um contexto sócio-histórico de finais dos anos de 1940 e início dos de 1950.
Porém, se em Fuentes o destaque está em parte por conta do que poderíamos chamar
de profusão da palavra literária, sua oposição estaria na economia linguística de Tomás Rivera
em ...y no se lo tragó la tierra. Ainda assim, há que se observar que no romance em contos
(catorze pequenas histórias aparentemente desatreladas; contudo, a união semântica da
primeira para com a última short story dá a circularidade romanesca que quase passa
despercebida na leitura das doze outras que entremeiam a obra) de 1971, do mencionado autor
chicano, o laconismo no narrado sugere e ativa, instiga a percepção do leitor/receptor a partir
do rumor que deixa a secura do narrar, a “ausência” de palavras a mais, ausência do que é
“excesso” na obra de Fuentes, a profusão linguístico-literária. Essa mesma habilidade com o
lacônico se assemelha à estilística de Juan Rulfo
6
, autor mexicano precedente ao chicano
Tomás Rivera no uso desse estilo. E a observação nos serve de remissão à importância do
trabalho empiricamente fotográfico realizado por Rulfo para a consecução de suas narrativas
literárias.
Assim, o elíptico em Rivera é também a orquestração, o manejo entre ficção, imagem
(“fotografia”) e memória (história?). Isso também o há na narrativa de Fuentes; entretanto, há
neste (em La frontera) todo um imaginário de guerra quase que perpetrado: à ficção, unem-se
ensaio e História, como não houvesse terminado a Guerra Mexicano-Americana de 1846 a
1848. Naquele (em ...y no se lo tragó), contrariamente, o imaginário de conflitos entre
mexicanos, chicanos e estadunidenses passa pelo viés psicológico, identitário de seu narrador
e os narradores outros que são invocados por suas lembranças. E as imagens levantadas
6
Semelhança trabalhada pelos críticos Julio Ramos e Gustavo Buenrostro em edição argentina de ... y no se lo
tragó la tierra (Ediciones Corregidor, 2012), a qual serve de apoio e diálogo teórico em parte da análise textual
da citada obra de T. Rivera, no capítulo a ela destinado na presente tese.
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