Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso La Cantuta Vs. Peru Sentença de 29 de novembro de 2006



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VI

Prova
59. Em conformidade com o que dispõem os artigos 44 e 45 do Regulamento, bem como a jurisprudência do Tribunal a respeito da prova e de sua apreciação,6 a Corte procederá ao exame e à avaliação dos elementos probatórios documentais enviados pela Comissão, pelas representantes e pelo Estado em diferentes oportunidades processuais ou como prova para melhor resolver a eles solicitada por instruções do Presidente, bem como as declarações testemunhais e periciais feitas mediante affidavit ou perante a Corte. Para essa finalidade, o Tribunal se aterá aos princípios da crítica sã, dentro do respectivo marco jurídico.7
A) Prova documental
60. A Comissão e as representantes enviaram declarações testemunhais e periciais, segundo o disposto na resolução do Presidente de 17 de agosto de 2006 (par. 23 supra). A Corte resume essas declarações a seguir:
Depoimentos propostos pelas representantes
a) Carmen Rosa Amaro Cóndor, irmã de Armando Richard Amaro Cóndor
Seu irmão foi o primeiro da família a frequentar a universidade, contribuía economicamente para a casa, planejava terminar a universidade e frequentar outros cursos superiores; sua preocupação era estudar, trabalhar e apoiar os irmãos menores e os pais. Tinha grande carinho, respeito e amizade pelo irmão.
Quando seu irmão desapareceu, ficou muito triste e preocupada porque ninguém informava sobre seu paradeiro. Posteriormente, quando soube da descoberta das fossas pela televisão, teve sentimentos contraditórios, pois, ainda que fosse pequena a esperança de encontrá-lo vivo, “a pessoa não quer aceitar a morte”. “Todos os [seus] irmãos começaram a gritar, a esmurrar a cabeça, [seu] pai andava de um lado para o outro [e sua] mãe se ajoelhou, pedia a Deus explicações sobre o motivo de ela merecer tanta dor”.
Para poder identificar o corpo de seu irmão, sua mãe enfatizava a forma como estava vestido e o fato de que faltava um molho de chaves. Nas fossas encontraram um conjunto de chaves que abriram as portas de sua casa; portanto, souberam que eram as chaves de seu irmão. Declarou que “[quando se ouve falar em fossas clandestinas] veem à cabeça corpos inteiros. Mas, quando se vê que são pedaços, começa-se a pensar […] vem à cabeça a lembrança de como era [seu ente querido] e que se reduz a isso, e sem saber que parte pertencia a ele. Os restos mortais têm valor para a família, mesmo que já não [se] possa […] devolver-lhe a vida, […] pelo menos [se tem] a tranquilidade de que o corpo está inteiro. Mas não, o fizeram desaparecer por completo, o queimaram com cal, com gasolina, e isso mostra a total desumanidade”. Após o encontro das covas, lhes “entregaram os corpos […] em caixas de leite […] como se [sua] família não valesse nada”.
Sua família sofreu ameaças. Um dia chegou uma coroa de flores à APRODEH com o nome de sua mãe. Também lhe diziam que não continuasse falando ou ia “morrer da mesma maneira” que o irmão.
Desde o desaparecimento do irmão, sua família não é a mesma, “se […] quebrou”; antes era “alegre, jovial [e feliz], mas essa felicidade se foi com Armando, mas ele […] deixou uma lição de vida […] para que nunca mais aconteça isso”. Era muito difícil suportar que lhe dissessem que seu irmão era terrorista e que “por isso havia morrido dessa maneira.” Também era desesperador ver como sua mãe se encontrava. “Às vezes, […] de madrugada [a] via[m] na varanda, esperando por ele”. Tiraram-lhe a vontade de sorrir e a vontade de fazer algo para si própria. Às vezes sentia que não estava preparada para tanta dor; inclusive chegou a pensar em suicídio diante de tanta injustiça. Entretanto, compreendeu que “a dor […] se transforma em força”.
Não somente perd[eu] um ente querido, mas parte d[a] vida se foi com ele […] Como pensar em algum projeto pessoal se o assunto prioritário era o assunto de [seu irmão], de exigir justiça. [O]s projetos pessoais foram ficando em segundo plano […] Pens[ou] no suicídio porque sentia que já não aguentava mais.
Por outro lado, com o pagamento da reparação ordenado pela sentença do foro militar, seus pais compraram a casa onde moram agora.
Sente que não se obteve justiça porque compreende a justiça “como um todo, não pela metade”. Não haverá justiça até que todos os que tiveram responsabilidade sejam punidos. Portanto, solicitou à Corte que anule a sentença do foro militar, para que os que foram anistiados possam ser punidos. Além disso, solicitou que se desminta que seu irmão era terrorista; que o Estado assuma responsabilidade sobre todos os danos e que peça perdão.
b) Dina Flormelania Pablo Mateo, tia de Heráclides Pablo Meza
Morou com o sobrinho, o esposo e os filhos durante aproximadamente sete anos. Heráclides era um rapaz trabalhador e estudioso, que sonhava ter uma profissão.
Soube do desaparecimento do sobrinho pelo jornal. Foi averiguar seu paradeiro, mas ninguém lhe dava informação; até “negavam o ataque à universidade”.
Quando soube da descoberta das fossas pensou que era somente uma prisão ou uma casa, e acreditou que o sobrinho estivesse vivo. Foi ao lugar e encontrou os cadáveres queimados. Sentiu uma dor terrível. Conseguiu identificá-lo quando “viu o cabelo, as unhas [e] a roupa”.
A perda do sobrinho a afetou muito e também a sua família. O coração não se esquece do que passou. Durante três meses teve de esconder a verdade do irmão, pai de Heráclito, porque “tinha medo de dizer-lhe […], já que […] sofre do coração”. Quando soube, sua reação foi de tristeza.
Gastou o dinheiro de que dispunha fazendo despesas em busca de justiça. Portanto, teve de fechar sua tenda no mercado.
Manteve guarda-costas por três ou quatro meses porque tinha medo de que alguma coisa lhe acontecesse, ja que “tinha de continuar andando, continuar procurando”.
“Não há justiça, sempre escondem a justiça [.] Até que […] morra [vai] continuar procurando a verdade”.
Solicitou à Corte Interamericana que obrigue que o Estado lhes “diga onde estão os restos mortais; […] onde estão suas cabeças […], onde os guardam”.
c) Víctor Andrés Ortiz Torres, pai de Luis Enrique Ortiz Perea
Seu filho ingressou na Universidade de La Cantuta com a ideia de concluir os estudos e viajar ao México para “tentar continuar os estudos”. Como estudante, o filho “reclamava dos excessos dos militares dentro da universidade”.
Quando soube do desaparecimento do filho, pensou “que em algum momento o […] encontrar[iam] em algum lugar, maltratado em virtude do tratamento que os militares sempre dão”. Posteriormente, sentiu “que o havia perdido […] e que ia ser difícil encontrá-lo, porque já se tinha conhecimento da atitude dos militares”.
A família se sentia impossibilitada de falar. Parecia que todas as autoridades “tiveram ordem de se calar”.
Incorreram em várias despesas durante os anos de busca. Ademais, sua filha Gisela teve muitas despesas e não tem trabalho por ter se dedicado a buscar justiça.
“Os militares […] se excedem; decidem sobre a vida das pessoas com o pretexto de que são terroristas”. De fato, no Caso La Cantuta “os militares conseguiram difundir a ideia [no âmbito] nacional de que todos os que morreram ali são terroristas e de que suas famílias são terroristas”.
A família recebeu ameaças. Enviaram uma coroa de flores a sua filha Gisela na APRODEH, que dizia que ia morrer; quanto a suas filhas mais novas, “dois policiais se aproximaram para dizer-lhes que não comentem nada”; além disso, “na esquina de [sua] casa havia policiais para vigiá-[los]”.
Está preocupado com a segurança da filha Gisela, que, além de não ter terminado os estudos, “se nota que foi afetada por isso porque o temperamento dela é muito forte e antes não era assim”. Além disso, sente muita pena porque nunca voltará a ver o filho.
Recebeu uma indenização do Estado pelo desaparecimento do filho em 1995. Entretanto, decorridos 14 anos dos fatos, sente que “ainda não há justiça”.
Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado “que elimine esse tratamento como terroristas”.
d) José Ariol Teodoro León, pai de Robert Edgar Teodoro Espinoza
Seu filho havia sido criado por ele, pela avó e pela mãe adotiva. Quando soube do desaparecimento do filho se “desespe[rou e pensava] o pior”. Ele e a esposa levaram-lhe roupa porque pensavam que estaria passando frio.
Soube da descoberta das fossas pela revista “SI”. Ele e a esposa se alternavam para ir às escavações todos os dias. Reconheceram um pedaço de calça e de casaco do filho.
Sentiu “dor[,] angústia [e] pena”. Ele e sua família continuarão “sofrendo até a morte”. “Já não que[r] trabalhar. Para quê? […] se de fato [vai] morrer”.
Solicitou à Corte que ordene ao Estado que lhes devolva os restos do filho; que encerre “de uma vez o julgamento de La Cantuta”; que determine “pena exemplar” e reparação.


  1. José Oyague Velazco, pai de Dora Oyague Fierro

Sua filha estudava pedagogia e queria “construir e dirigir uma escola”.


Soube do desaparecimento da filha “porque ela deveria regressar numa sexta-feira e não voltou, então fo[i] à Universidade buscá-la e o Exército não [o] deixou entrar”. Sentiu “um nervosismo, teve um pressentimento de que algo desagradável ia acontecer[. Posteriormente,] ao ver o nome dela [no jornal começou] a chorar, porque s[entiu] que alguma coisa havia acontecido com ela”.
Ele e o irmão apresentaram uma denúncia à Promotoria. Entretanto, “nunca deram satisfação sobre [seu] pedido”.
Quando soube que haviam encontrado fossas, sentiu “raiva, impotência, injustiça, cólera, pelo abuso que os militares haviam cometido”. Numa das fossas encontrou as meias da filha. Então pensou que o que aconteceu “havia sido um ato premeditado, pérfido e ordenado por alguém”.
A família sofreu ameaças. Ligaram para sua casa e lhe diziam que “calasse a boca, porque também teria a mesma sorte”, e também o chamavam de terrorista (“terruco”). Deixavam em sua casa ameaças anônimas que diziam “que era melhor que [s]e calasse porque [l]he custaria caro”.
A perda da filha “desfez todo o projeto futuro de trabalho, de vida familiar. […] Era a única filha”. Além disso, tinham a “esperança de ter outras fontes de renda”.
“[O desaparecimento de sua filha causou] uma tristeza coletiva, de toda a família, d[a] casa, d[os] tios, até d[o] povoado, porque não a viam chegar”.
Obteve-se justiça “em parte” porque os autores intelectuais estão livres. Entretanto, sabe-se da “verdade macabra que ocorreu”.
“A única coisa que pode aliviar [a dor] é que os autores materiais e os autores intelectuais cumpram uma pena exemplar”. Solicitou à Corte que se faça um estudo científico dos ossos encontrados para que lhe entreguem alguns dos restos mortais da filha. Finalmente, solicitou que a Corte ordene ao Estado que “cumpra as devidas reparações morais e materiais [e] que se faça justiça”.
f) Rosario Carpio Cardoso Figueroa, irmão de Juan José Mariños Figueroa
Quando soube da prisão do irmão “foi assessorado por um amigo da polícia que [o] acompanhou a diferentes lugares, [mas] os resultados foram infrutíferos”. Seu amigo lhe disse que “esse modo […] de levar os alunos era prática do Exército, e que eles não costumavam sequestrá-los ou prendê-los. Sua prática era matá-los[. O] tempo lhe deu razão.” Seus pais, na serra, nada souberam do desaparecimento de seu irmão até cerca de três meses depois. Para eles e para todos os irmãos “foi a notícia mais triste de sua vida e a mais dramática”.
Em seguida ao desaparecimento do irmão, esteve fora do país por quase dois anos, na Argentina. Viajou “porque sentia o ambiente estranho, que a qualquer momento [o] levariam[; tinha] medo, porque [ele também estudava na] La Cantuta, [seu] irmão [estava] desaparecido e [diziam] que sua irmã tinha bombas[.] Logo soube que o irmão estava[…] morto[…]. Nesse momento [sentiu] uma dor terrível. Nesses anos não havia chorado como chorou naquele dia”. O desaparecimento do irmão “mudou a vida [da família; seus] irmãos e [ele]; deixaram[ram] de estudar, [se] desintegra[ram] como família.”
Solicitou à Corte justiça, e que seja concedida uma indenização à mãe e ao pai de seu irmão, e que seja oferecido atendimento de saúde gratuito a todos os membros da família.
Depoimentos propostos pela Comissão Interamericana e pelas representantes
g) Fedor Muñoz Sánchez, irmão de Hugo Muñoz Sánchez
Seu irmão trabalhava na Universidade de La Cantuta como docente e vivia na residência dos professores com a esposa Antonia Pérez e os filhos Liliana, de quatro anos, e Hugo, de dois anos. Dois dias antes de ser sequestrado, o irmão lhe contou que havia fortes rumores de que haveria uma intervenção em La Cantuta. Soube do desaparecimento do irmão pela esposa dele. O irmão pensava em deixar de trabalhar com 25 anos de serviço, dos quais já haviam passado 20.
Desde o acontecimento dos fatos até o aparecimento das fossas, empenhou-se em encontrar o irmão. As autoridades negavam que tivessem realizado alguma intervenção em La Cantuta ou respondiam que não sabiam de nada. Posteriormente, houve rumores de que estava detido em Puno ou em outros lugares. O congressista Henry Pease denunciou as fossas. Nesse momento sentiu “uma nostalgia imensa, já que tinha a esperança de encontrá-lo com vida”.
Com o desaparecimento de seu irmão, ele e a família sentiram impotência e indignação; sentia a “alma dilacerada”. Sua cunhada escondeu dos sobrinhos a verdade sobre o ocorrido. Quando se promulgou a lei para que os membros do “grupo Colina” fossem julgados no foro militar, sentiu indignação e impotência, já que o mencionado foro determinou em 72 horas que eles haviam agido por conta própria, e que o Estado não tinha responsabilidade alguma sobre os fatos. Sentiu a mesma cólera e indignação quando a lei de anistia foi aprovada.
Alberto Fujimori fez todo o possível para que os responsáveis intelectuais não fossem conhecidos. A partir da mudança de governo, “os do grupo Colina e Montesinos estão sendo julgados na Base Militar”. Entretanto, 14 anos depois dos fatos não se alcançou justiça plena, já que esta somente será alcançada quando os autores materiais e intelectuais forem “julgados e condenados pelos crimes de lesa-humanidade que cometeram”.
Deseja saber onde se encontram os restos mortais do irmão, e que se proceda a uma investigação profunda dos autores intelectuais, uma vez que “os restos mortais d[o] irmão não foram encontrados, salvo um osso úmero que foi enviado a Londres para estudo de DNA, e que nunca regressou, nem os resultados nem o pedaço de osso. Ele não foi identificado [. ] Na sepultura d[o] irmão está seu nome, sua memória, mas não seus restos mortais”.
Também gostaria que o ato de desagravo pelos fatos fosse realizado pela Defensoria Pública, e que, por ser o caso La Cantuta um caso emblemático, fosse construído um obelisco em memória de seu irmão e dos estudantes.
h) Víctor Cubas Villanueva, titular da Décima Oitava Promotoria Provincial no momento dos fatos
Foi o promotor que, em 8 de julho de 1993, tomou conhecimento da investigação relativa à existência de fossas clandestinas. Dirigiu-se ao local das fossas acompanhado de médicos legistas. Executou a diligência na presença do público. Uma das fossas do primeiro enterro, que verificou ser um sepultamento secundário, encontrada em Cieneguillas, já havia sido aberta, e, ao retirar um pouco de terra, encontraram-se caixas dentro das quais foram encontrados fragmentos de ossos queimados. Além dos ossos encontraram-se restos de cabelo, pequenos ossos queimados, restos de tecidos, terra, cinzas, uma massa compacta e disforme, e algumas chaves. Os fragmentos de osso e os demais objetos exalavam um cheiro muito forte, porque, segundo os peritos, os restos mortais foram queimados quando estavam em estado de putrefação. Na segunda fossa havia coisas pequenas. No enterro de Huachipa, que se constatou ser o primeiro e onde as supostas vítimas teriam sido executadas, foram encontrados alguns fragmentos ósseos não carbonizados e alguns outros objetos.
Os médicos conseguiram reconstituir um osso completo e concluíram que as características físicas da vítima coincidiam com as dos estudantes de La Cantuta. As provas ósseas e materiais encontradas nas fossas de Cieneguilla permitem deduzir que nesse lugar encontravam-se os restos mortais dos estudantes Bertila Lozano Torres, Juan Gabriel Mariños Figueroa e Armando Richard Amaro Cóndor, “encontrando-se também restos de objetos que pertenceram a Robert Teodoro Espinoza e Heráclides Pablo Meza”. Nas segundas fossas encontradas em Huachipa foram achados restos humanos que não chegaram a ser queimados, ou seja, meio esqueleto correspondente a Dora Oyague Fierro e o esqueleto completo de Luis Enrique Ortiz Perea.
Os peritos deduziram que a execução das supostas vítimas foi realizada na madrugada do sequestro, o que se confirmou em seguida com as declarações prestadas pelos processados beneficiados pela “Colaboração Eficaz”.
Apresentava informação à imprensa “porque o caso era de domínio público e para proteger a investigação e [seu] trabalho, uma vez que nessa época já havia intervenção do poder político nos órgãos encarregados de administrar a justiça”.
Após a comprovação da possibilidade de se realizar exames de DNA em alguns dos restos mortais, considerou-se a hipótese de que esses exames fossem realizados nos Estados Unidos e no Japão, embora, ao final, tenha optado pela Grã-Bretanha.
O doutor Escalante, perito em genética, havia declarado que os testes de oito ossos teriam um custo de 15 mil dólares. Em agosto de 1993, esse médico informou que “não podia concluir as atividades”. Posteriormente, verificou-se que o custo era maior, razão pela qual só se pôde fazer a análise de um osso, cujo resultado coincidiu com o código genético de Felipe Flores Chipana.
Como encarregado da investigação da promotoria, sentiu-se ameaçado porque “alguns encapuzados em caminhonetes [estiveram rondando sua casa]”.
i) Edmundo Cruz Vilchez, jornalista da Revista “SI” no momento dos fatos
Tomou conhecimento dos desaparecimentos dos estudantes de La Cantuta por meio de seu trabalho como jornalista. As informações sobre o Grupo Colina e uma de suas operações mais importantes, o desaparecimento do professor e dos nove alunos da Universidade de La Cantuta, foram obtidas entre dezembro de 1992 e outubro de 1993. A revista “SI” recebeu de um congressista “uma amostra de restos ósseos humanos com a informação de que pertenciam aos desaparecidos de La Cantuta, além de um croqui descrevendo o lugar onde estariam sepultados”. Esses elementos levaram à descoberta das fossas clandestinas de Cieneguilla. A partir dessa descoberta foi aberta uma investigação do Ministério Público sobre o Caso La Cantuta. Posteriormente, um membro do Grupo Colina estabeleceu contato direto com ele e com José Arrieta Matos, outro jornalista da revista “SI”. As informações prestadas por essa pessoa permitiram chegar às fossas de Ramiro Prialé, onde as supostas vítimas haviam sido enterradas.
Teve de enfrentar vários obstáculos no âmbito de seu trabalho de investigação. De fato, “o Congresso da República aprovou, por ampla maioria, um acordo solicitando ao Ministério do Interior que oferecesse proteção policial aos três jornalistas da revista “SI”, autores da descoberta”.
Durante a investigação jornalística sobre o Grupo Colina, foram “objeto de ameaças telefônicas, perseguição, escutas de [seus] telefones. No caso de La Cantuta, [foram] acusados de serem instrumentos do Sendero Luminoso, [e] membros do Serviço de Inteligência [solicitaram ao promotor Cubas] que se incluísse [a testemunha] na investigação como acusado”, o que foi negado pelo citado promotor.
Esse caso é emblemático porque “o professor e os nove alunos foram em primeiro lugar designados arbitrariamente como terroristas e como autores do episódio do carro bomba da rua Tarata [e], sob essa presunção, sequestrados e vítimas de desaparecimento. [Além disso], foram torturados antes de serem executados. […] Foram objeto de três enterros […] e, finalmente, [a] forma sistemática e obstinada com a qual as mais altas autoridades do Estado […] tentaram ocultar e negar [tudo o que estava relacionado com os fatos] e ainda continuam fazendo”.
j) General reformado Rodolfo Robles Espinoza, militar que denunciou o Grupo Colina e os serviços de inteligência no Peru
No momento dos fatos era Comandante Geral da Terceira Região Militar do Peru e tinha a patente de General de Divisão.
Inteirou-se da existência do Grupo Colina “em virtude [dos] fatos [de La Cantuta, já que] os oficiais e o pessoal auxiliar que trabalhavam ou tinham trabalhado com [ele] anteriormente, e que pertenciam ao Sistema de Inteligência do Exército, [o] informavam […] sobre a existência desse grupo ou esquadrão da morte [e] das diferentes ‘operações especiais de inteligência’ a ele atribuídas”.
Esse grupo foi criado “no contexto da guerra contra o Sendero Luminoso sob o argumento inicial da pacificação nacional, utilizando como pretexto a necessidade de um grupo de análise de inteligência da documentação apreendida” dessa organização. Foi Vladimiro Montesinos quem impulsionou a criação do Grupo Colina “e a impôs ao Comandante Geral do Exército de 1991[, …] contando para isso com o apoio decisivo do Ministro da Defesa do Peru […] e com a anuência do Presidente Alberto Fujimori”.
O Grupo Colina, “oficialmente, é um Destacamento de Inteligência Operacional, assim considerado nos quadros da organização e na estrutura orçamentária do Exército, como organização permanente, constituída por aproximadamente 50 efetivos […] treinados para a missão de realizar operações especiais de inteligência, entre elas, operações secretas. Em particular, foram utilizados como grupo de execução extrajudicial.”
A relação do Grupo Colina com as Forças Armadas foi estabelecida por meio da DINTE (Direção de Inteligência do Exército), que é organizada em subcomandos para atender às diversas funções sob sua responsabilidade, e dispõe de um elemento operacional ou executor, que é o Serviço de Inteligência do Exército (SIE). “No SIE foi organizado formalmente o destacamento de Inteligência Operacional (cujos membros se autodenominaram informalmente Grupo Colina) encarregado das operações especiais de inteligência […]”.
Sobre a relação entre o Grupo Colina e os serviços de inteligência estatais, declarou que “o SIN (Serviço de Inteligência Nacional) era a entidade dirigente e mandava (com o apoio legal) em todos os Serviços de Inteligência das FFAA e da Polícia Nacional do Peru (PNP) bem como nos órgãos de inteligência dos respectivos Estados-Maiores, organizando-os num sistema vertical em que todos dependiam de […] Vladimiro Montesinos[, que era o verdadeiro chefe do SIN]”.
“O Presidente era informado pelo Chefe de Inteligência Nacional e pelo Comandante Geral do Exército das operações do Grupo Colina, antes, durante e depois dos fatos”. “As ordens para as operações eram dadas por Vladimiro Montesinos e pelo General Hermoza Ríos[, …] mas, para as operações de maior envergadura e importância, contavam sempre com a autorização do Presidente Fujimori”. O ex-mandatário desempenhou papel protagonista e central para encobri-los e proporcionar-lhes impunidade ordenando à bancada governista do Congresso a decisão de aprovar, por exemplo, a “Lei Cantuta” [e] a “Lei de Anistia”.
“O Grupo Colina era [enviado] para matar […]. Suas ações tinham uma mensagem de terror […]. Nas operações maiores[, como em La Cantuta,] contavam com o apoio de tropas regulares que isolavam seu campo de ação, em função de um planejamento do Estado-Maior de Unidades de Combate”.
“O Poder Judiciário na época de Montesinos e Fujimori não observava a independência e autonomia que prescrevia a Constituição Política”. Por esta razão, foi decretada a extinção do processo dos autores intelectuais desse massacre no foro penal militar. Além disso, as sentenças proferidas nesse foro, em relação a esse caso, foram “um espetáculo para levar a opinião pública, nacional e internacional, a acreditar que se havia feito justiça”. Entretanto, os condenados “já sabiam que seriam anistiados tão logo se confirmasse a reeleição de Fujimori”.
Aproximadamente em março de 1993 inteirou-se dos fatos de La Cantuta e recebeu informação sobre o Grupo Colina. Dirigiu-se ao General Picón e denunciou os crimes. O General Picón respondeu-lhe “que já havia recebido instruções do General Hermoza para que concluísse, em sua sentença, que não havia militares implicados nessa matança e que seria elaborado, no mesmo sentido, um Relatório de Investigação da Inspetoria-Geral do Exército.” O foro militar “foi utilizado como ferramenta para proporcionar o acobertamento e a impunidade dos desaparecimentos forçados e das execuções extrajudiciais, praticados pela estratégia de combate à subversão”.
Por sua vez, o Congresso peruano sancionou a Lei de Anistia (Lei no 26.479), através da qual foram exonerados de responsabilidade os militares e os policiais, bem como os civis, que tivessem cometido violações de direitos humanos, ou participado dessas violações, entre 1980 e 1995.
Sua denúncia inicial no caso La Cantuta “se baseou nas informações recebidas de oficiais de alta patente pertencentes ao Sistema de Inteligência do Exército, que constituíam fontes de informação de absoluta credibilidade, […] corroboradas em detalhe e cruzadas com informações recebidas de outros oficiais de menor patente e Pessoal Auxiliar do sistema de inteligência, que haviam tomado conhecimento direto dos fatos. Posteriormente, do exílio na Argentina, [analisou] todas as informações que [lhe] chegavam e aquelas de que [se] inteirava por meio de fonte aberta, aplicando o método de raciocínio utilizado no ‘ciclo de produção de inteligência’”.
Em consequência das denúncias que apresentou, “[seu] projeto de vida foi destruído. Interromperam- [lhe] a carreira militar com 37 anos de serviços, bem como a possibilidade de chegar a Comandante Geral do Exército”. Reformaram dois de seus filhos no Exército por “medida disciplinar”, castigo injusto e desonroso que ainda continua vigente. No Peru “ainda consideram uma deslealdade [dos três], como oficiais do Exército, terem denunciado […] esse grupo de assassinos uniformizados pela prática de crimes de lesa-humanidade”.
Perito proposto pela Comissão
k) Eloy Andrés Espinosa-Saldaña Barrera
Referiu-se ao Direito Constitucional peruano e às possibilidades existentes no ordenamento interno para garantir de forma efetiva a privação dos efeitos jurídicos da Lei no 26.479, conhecida como ‘Lei de Anistia’, bem como da Lei no 26.492, referente à interpretação da ‘Lei de Anistia’, como resultado da extinção de seus efeitos em razão da incompatibilidade com a Convenção Americana.
Nesse sentido, declarou, inter alia, que o Peru “é obrigado a cumprir as decisões da Corte Interamericana”, em virtude de ter ratificado a Convenção Americana. Essa situação se encontra prevista nas normas de sua legislação interna, na qual se estabelece que as sentenças da Corte Interamericana devem ser executadas de forma imediata e direta.
Declarou também que caso “a decisão tenha alcance geral, não bastará o exercício do controle difuso num caso particular”. A inconstitucionalidade dessas normas é “evidente e, além disso, deverá, pelo menos, afetar as decisões judiciais que proferiram a extinção de processos ou a absolvição dos responsáveis”. Esse argumento se fundamenta na “via de princípio emergente do Direito dos Direitos Humanos”.
Perito proposto pelas representantes
 l) Samuel Abad Yupanqui, especialista em Direito Constitucional peruano
Após referir-se ao contexto peruano no momento dos fatos, fez alusão ao Direito Constitucional peruano, especificamente a temas relacionados à inexistência, invalidade e ineficácia das leis no ordenamento jurídico peruano, especialmente das leis no 26.479 e no 26.492, bem como aos efeitos e ao alcance das decisões do Tribunal Constitucional, tanto no que se refere ao recurso de amparo (ou mandado de segurança) quanto no que diz respeito à constitucionalidade, em relação a essas leis. Também se referiu à situação do sistema de administração de justiça peruano e à sua capacidade de oferecer respostas judiciais adequadas frente a graves violações de direitos humanos.
Declarou, inter alia, que a sentença de interpretação proferida pela Corte Interamericana no caso Barrios Altos, em relação às leis de anistia, “abriu […] definitivamente a porta para buscar justiça […] para todos os demais casos”. Portanto, “o fato de que formalmente as leis de anistia não tenham sido revogadas não impede que os juízes investiguem e punam os responsáveis, pois no Peru todos os juízes têm a atribuição constitucional de preferir a Constituição às leis e, portanto, deixar de aplicar as leis de anistia”.
B) Prova testemunhal
61. Durante a audiência pública (par. 23 supra), a Corte ouviu os depoimentos das testemunhas propostas pela Comissão Interamericana e pelas representantes. A seguir, o Tribunal resume as partes relevantes desses depoimentos.
a) Gisela Ortiz Pérez, irmã de Luis Enrique Ortiz Pérez
Quando seu irmão desapareceu tinha 20 anos e também era estudante da Universidade de La Cantuta.
Desde o início os familiares procuraram a verdade e a justiça. A partir da ocorrência dos fatos os familiares conduziram ações públicas de denúncia e de sensibilização perante a sociedade peruana e a comunidade internacional, para “construir memória”, pois “é uma forma de trazer [seu] irmão à vida”.
Ao participar das diversas diligências de busca dos familiares desaparecidos, quando foram encontradas as fossas clandestinas, recordou que “[eles], com [suas] mãos, fo[ram] desenterrando os restos mortais que esses criminosos deixaram. [E]stiv[eram] nas fossas de Cieneguilla descobrindo os restos queimados d[os] familiares […] no ano de 1993 […] Escava[ram] essa terra para tirar do fundo dessa terra a verdade”.
Declarou que “dessa terra brotou o corpo d[o] irmão, que é o único cadáver que esses assassinos deixaram, um cadáver seco devido a todo o cal que jogaram nele [. P]ara [ela], o mais doloroso que teve de suportar até agora foi descobrir – um ano e meio depois – que [o] irmão estava jogado nessa cova”.
O corpo de seu irmão foi o único cadáver encontrado, e tinha cinco disparos de bala na cabeça. Os familiares “não sabia[m] que esses criminosos eram tão cruéis a ponto de escondê-los, para negar-[lhes] o direito de enterrá-los”. Dá “graças à vida e […] a Deus [por] ter encontrado [o] irmão”, pois no Peru “milhões de vítimas” não têm essa oportunidade.
O dano causado não é somente pelo desaparecimento e a morte do irmão, mas por todas as sequelas que deixaram em sua família e em sua vida pessoal. “Tev[e] de deixar [os] estudos na universidade. Realmente […] era bem difícil pisar na universidade e não se sentir emocionalmente mal porque [seu] irmão não estava mais lá, [seus] companheiros da universidade não estavam mais lá. Custou-[lhe] mais de dez anos decidir voltar a estudar. [S]entia que se […] avançasse pessoalmente estaria traindo [seu] irmão, porque simplesmente ele não estava mais lá e não podia realizar tudo que havia pensado”.
Além disso, “[as] irmãs menores […] sofrem até hoje as mesmas sequelas [que ela] de ansiedade, de depressão, da própria instabilidade emocional, de serem pessoas tão desconfiadas. Sente pena de ver [os] pais serem atingidos por essa história […] sempre [vão] falar de um antes e de um depois. Então […] reconhece[m] com clareza como foi [sua] vida antes de 18 de julho de 1992 e como mudou […] depois disso […]”.
Ela teve de deixar a Universidade porque se dedicou a buscar justiça. É difícil para ela continuar uma vida normal, e não tem um projeto de vida pessoal; não pode se arriscar a ter um filho nas atuais circunstâncias.
Com relação aos processos, não há nenhuma sentença concreta contra os responsáveis pela morte de seus familiares. Ao contrário, os autores intelectuais “apressaram-se a proferir uma sentença no foro militar, na qual anulavam e arquivavam sua denúncia por falta de provas”.
Posteriormente, em 2001, foi reiniciada uma investigação da promotoria que durou até 2005. Desde então, o julgamento está na etapa oral. Nesse processo os familiares têm participação. Muitos dos acusados, esgotado o prazo para que continuassem processados sem sentença, foram libertados. Além disso, os autores intelectuais não foram julgados. Os familiares são também parte civil no processo contra Alberto Fujimori na Corte Suprema de Justiça. “O Estado não entende que para [os familiares] a justiça é uma necessidade como comer, como dormir, como sobreviver, porque […] desde a morte de [seus] familiares, não [podem] dizer que estã[o] vivendo; [eles sobrevivem] quando cada dia amanhece e não sabem o que [vão] esperar […] Realmente para [eles] a anistia é uma ameaça permanente, porque se trata de um Estado indiferente ao clamor das vítimas. […] O Estado não fez nem o suficiente nem nada para que todos os que têm responsabilidade sejam punidos no Caso La Cantuta”.
Em que pese o Estado ter reconhecido sua responsabilidade neste caso perante a Comissão Interamericana, os familiares decidiram renunciar ao processo de solução amistosa, posto que não era vontade do Estado cumprir seu compromisso.
Não recebeu nenhuma indenização, reparação ou pedido de perdão por parte do Estado. Entretanto, seus pais, herdeiros legais de seu irmão, receberam uma indenização do Estado, por ordem da sentença do CSJM.
Uma reparação integral deve partir de um reconhecimento público e de um pedido de perdão por parte do Estado. Além disso, o Estado deve proporcionar atendimento de saúde física e mental, oferecer bolsas de estudo e criar espaços de memória, pois “cada uma das vítimas no [Peru tem] direito ao reconhecimento […] público”. “O Olho que Chora” foi impulsionado pela sociedade civil num espaço doado pelo Município de Jesus Maria, em Lima. Entretanto, o Estado “não pode ser mesquinho e crer que esse memorial […] é tudo o que as vítimas merecem”. Além disso, o Estado deve reconhecer que o que ocorreu com as dez supostas vítimas é história oficial, e deixar de dizer que eram subversivos ou terroristas. Na verdade, o Estado “utilizou métodos e formas também terroristas para acabar com a vida de estudantes universitários”.
Não concorda com a análise feita pela Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) no Caso La Cantuta, quanto ao “contexto geral de como se vivia na Universidade […], das circunstâncias de convivência dos alunos” porque “não corresponde […] à verdade”. Além disso, desde 2003, quando a CVR apresentou seu relatório, até o momento, suas “recomendações não foram implementadas ou atendidas pelo Estado”. Solicitou que o Estado reconheça publicamente que violou os direitos das supostas vítimas e de seus familiares.
Seu irmão “continua sendo assassinado pelas costas a cada dia que ocorre um fato impune e a cada dia que [o]s assassinos [...] não são castigados.” Os familiares são tratados “como cidadãos de segunda classe”, sem direitos, e já estão cansados e assustados por não saber quanto tempo mais terão de “hipotecar [sua] vida a essa luta, que deveria ser a luta do Estado peruano e não somente [deles]”.
Finalmente, solicitou à Corte que “cada um dos que têm responsabilidade por violações dos direitos humanos [sejam] punidos”; que se escreva a história oficial sobre o Caso La Cantuta; que sejam reparados integralmente; e que seus familiares sejam reverenciados como vítimas do Estado.
b) Raida Cóndor Sáez, mãe de Richard Armando Amaro Cóndor
Um amigo de seu filho Armando avisou-a de que ele estava preso. Foi procurá-lo na DINCOTE, na delegacia e nos hospitais, sem resultado algum. Depois foi à Universidade, onde se inteirou bem dos fatos.
Juntamente com outros familiares apresentou denúncias. Só a APRODEH lhes “estendeu a mão”, pois todos pensavam que seus filhos eram terroristas, e por isso eram marginalizados, não encontram trabalho e as pessoas não os veem “com bons olhos”.
A única coisa que encontrou do filho nas fossas clandestinas foram suas chaves. “Nesse momento viu seu mundo cair, e queria morrer também; mas depois disse: ‘Não, se eu morrer, quem falará por ele, quem pedirá justiça pelo meu filho?’”.
A investigação realizada pelo promotor Cubas foi transferida para a justiça militar, mas ali “nunca […] aceitaram” os familiares.
Quando se encerrou o governo de Fujimori os familiares realizaram gestões junto à Promotoria para que o caso fosse reaberto. No atual processo, no qual prestou depoimento, “não estão [sendo julgados] os militares das mais alta patente que ordenaram que os estudantes de La Cantuta fossem mortos”.
Foi ameaçada “muitas vezes”: recebeu telefonemas e uma coroa de flores que dizia que ia “morrer, como [seu] filho”.
Sua família “já não é como antes. Um d[os] filhos está mal”. Às vezes os filhos reclamam por [ela] não estar mais ao lado deles, mas explica que “é necessário continuar caminhando”. Antes de levarem seu filho, lavava roupa e trabalhava no mercado. Deixou de trabalhar para se dedicar a buscar justiça.
Recebeu uma indenização econômica com a qual comprou uma casa e pagou as dívidas que assumira ao realizar investigações. Entretanto, “esse não é o preço de [seu] filho”.
No monumento “O Olho que Chora”, doado pelo Município de Jesus Maria, escreveu o nome do filho, mas “não sabia que o Estado havia mandado construí-lo”.
c) Antonia Pérez Velásquez, esposa de Hugo Muñoz Pérez
Quando seu esposo foi detido, procurou as autoridades da Universidade, que lhe disseram não saber de nada do que havia ocorrido. O pessoal da base militar da Universidade lhe disse que não houvera nenhuma operação. Por essa razão, procurou delegacias, quartéis e a DINCOTE, sem resultado algum. “Era como se a terra o houvesse tragado”.
Os meios de comunicação lhe disseram que era “praticamente […] impossível que veiculassem alguma notícia, alguma informação porque […] tinham medo da reação do governo”. Alguns familiares ou amigos militares lhe diziam que não fizesse nada e que ficasse calada porque ela e os filhos corriam perigo, já que o desaparecimento de seu marido havia “sido algo de governo, algo vindo bem do alto”.
O desaparecimento do marido a “afetou fortemente, primeiro porque de imediato [se] transform[ou] em mãe sozinha, com dois filhos pequenos, com menos de quatro anos de idade, e [depois porque] após [ter] uma casa bonita, cômoda, na Universidade, com uma vida relativamente tranquila, tev[e], de repente, de abandoná-la para garantir a segurança [dela e dos] filhos, e [teve] de [se] alojar numa casa pequena. [Pediu] moradia a um familiar […]. Rapidamente [se] vi[ram] morando no terraço dessa casa, tive[ram] de improvisar dois quartos com papelão, madeira e esteiras […] Começa[ram] a viver em condições precárias”.
Seu esposo era tão “dedicado aos filhos” que a filha mais velha foi a mais afetada por seu desaparecimento. Mentiu para a filha sobre o que havia acontecido com o pai dizendo que ele havia viajado a trabalho, mas ela não acreditava. Quando ela demorava a chegar em casa, sua filha pensava que tampouco [ela] voltaria.
O desaparecimento do marido também a “afetou no que se refere ao trabalho […] porque já não era mais a professora solícita e dedicada a[os] alunos. Tinha de pedir licença para ausentar-se, tinha de sair constantemente, e na prática, por ética profissional, tev[e] de se demitir, renunciando a [seus] direitos ou a [seus] benefícios [… Teve] de pedir demissão para poder continuar os trâmites [...] e seguir com as atividades de investigação […]”. Isso afetou a família economicamente.
Não encontrou nada do marido nas fossas descobertas. As autoridades, entretanto, recolheram amostras de sangue do filho mais novo para fazer o teste de DNA, cujo resultado desconhece.
Na época dos fatos “era normal que qualquer cidadão […] fosse preso e levado para investigação sob a alegação de que era terrorista. [Ao] escutar a palavra terrorismo, todos se afastavam dessa pessoa”. Assim, seus amigos e alguns familiares lhes “deram as costas”, pois acreditavam que seu esposo era terrorista. “Todos viviam […] angustiad[os, pois] a qualquer momento saiam de casa sem saber se [iam] voltar”. Considerou que havia na população a consciência de uma prática sistemática e do terrorismo de Estado.
A cunhada que a acompanhava nas diligências e caminhadas era seguida com certa frequência por um carro. Por outro lado, os filhos tinham medo de que prestasse depoimento perante a Corte Interamericana.
Os familiares das pessoas mortas ou desaparecidas não tiveram acesso ao foro militar. Posteriormente, com a queda do governo de Fujimori, houve esperança de se alcançar justiça, mas não foi isso que aconteceu. No processo atual, no qual prestou depoimento perante a Promotoria, há apenas alguns acusados e outros estão livres. O processo é longo e tedioso. Participou de uma diligência que foi “terrível porque a pessoa que prestava depoimento contou com riqueza de detalhes como […] havia matado [seu] marido”. Desde então não voltou mais porque se “senti[u] mal e ficou impressionada”. Seu cunhado e os demais familiares a mantêm a par do processo.
Não recebeu pedido de perdão pelo que ocorreu com seu marido. Embora o necessitem, nem os filhos nem ela receberam atendimento psicológico. Não conseguiu superar o que aconteceu com o marido.
De sua perspectiva de educadora, a educação e a saúde devem fazer parte de uma reparação integral. Desse modo, pensa que “os seres humanos, não [podem] permitir [que sejam] abusados. […] São valores que devem ser ensinados a[o]s jovens”.
Solicitou justiça à Corte; e que sejam julgadas e punidas todas as pessoas envolvidas, não somente os autores materiais, como também os intelectuais; que a Universidade não “seja esquecida”.
B) Apreciação da Prova Documental
62. Neste caso, como em outros,8 o Tribunal admite o valor probatório dos documentos, apresentados pelas partes no momento processual oportuno, que não tenham sido questionados ou objetados, nem cuja autenticidade tenha sido colocada em dúvida.
63. Sobre os documentos enviados como prova, esclarecimentos e explicações para melhor resolver (pars. 33 e 36 supra), a Corte, em aplicação do disposto no artigo 45.2 do Regulamento, os incorpora ao acervo probatório deste caso.
64. O Estado fez objeções, de maneira geral, às declarações juramentadas das testemunhas, entregues pela Comissão e pelas representantes, por considerar que careciam de objeto, uma vez que o Estado “não contestou a informação relativa aos esforços dos familiares das supostas vítimas para obter justiça”. A esse respeito, a Corte considera que essas declarações podem contribuir para a determinação, por parte do Tribunal, dos fatos neste caso, na medida em que estejam de acordo com o objeto definido na resolução do Presidente de 17 de agosto de 2006 (par 23 supra), e, por esse motivo, as avalia aplicando as regras da crítica sã e levando em conta as observações apresentadas pelo Estado. A Corte também lembra que, por se tratar de supostas vítimas ou de seus familiares e por terem interesse direto neste caso, suas declarações não podem ser avaliadas separadamente, mas no conjunto das provas do processo.
65. Quanto aos documentos de imprensa apresentados pelas partes, este Tribunal considerou que podem ser avaliados quando reunam fatos públicos e notórios ou declarações de funcionários do Estado, ou quando corroborem aspectos relacionados ao caso.9
66. Com relação à documentação e à informação solicitadas às partes (pars. 33 e 36 supra) e não apresentadas, a Corte observa que as partes devem encaminhar ao Tribunal as provas por este solicitadas. Em especial, o Estado não informou, com exceção de uma pessoa, quais dos acusados ou condenados em uma das causas penais abertas no foro militar permaneceram ou se encontram atualmente privados de liberdade e, nesse caso, se haviam estado ou estavam em prisão preventiva ou na qualidade de condenados nos referidos processos. Isso impediu que se determinasse se essas penas foram efetivamente cumpridas. A Comissão, as representantes e o Estado devem apresentar todos os elementos probatórios solicitados, a fim de que o Tribunal disponha do maior número de elementos de juízo para conhecer dos fatos e justificar suas decisões.
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67. A Comissão Interamericana apresentou em sua demanda uma lista de dez supostas vítimas dos fatos deste caso, a saber: Hugo Muñoz Sánchez, Dora Oyague Fierro, Marcelino Rosales Cárdenas, Bertila Lozano Torres, Luis Enrique Ortiz Perea, Armando Richard Amaro Cóndor, Robert Edgar Teodoro Espinoza, Heráclides Pablo Meza, Juan Gabriel Mariños Figueroa y Felipe Flores Chipana, bem como de 55 familiares dessas vítimas.10 A Corte observa que não foi encaminhada com a demanda prova de parentesco de 46 desses supostos familiares incluídos no texto da demanda.11 Por outro lado, as representantes apresentaram documentação a respeito de 38 desses familiares de supostas vítimas como prova para melhor resolver solicitada pelo Tribunal (pars. 33 e 36 supra).


68. Por sua vez, a Corte faz notar que em um documento de 1996, da Representação Permanente do Peru junto à OEA, anexado à demanda, são enumerados os herdeiros que teriam recebido, até este momento, pagamento a título de reparação civil, determinado na sentença de 3 de março de 1994, do Conselho Supremo de Justiça Militar (par 80.55 e 80.56 infra), no qual aparecem os nomes de Zorka Milushka Muñoz Rodríguez, como filha da suposta vítima Hugo Sánchez Muñoz, e de Celso Flores Quispe e Carmen Chipana, como pais de Felipe Flores Chipana.12 Não obstante, nem a Comissão em sua demanda, nem as representantes em seu escrito de petições e argumentos, incluíram essas pessoas na lista de familiares das supostas vítimas.
69. Em seu escrito de petições e argumentos, as representantes introduziram quatro pessoas que seriam familiares das supostas vítimas, que não haviam sido incluídas na demanda.13 Nessa oportunidade não foi anexada prova do parentesco. Além disso, essas pessoas foram incluídas pela Comissão em seu escrito de alegações finais, e as representantes apresentaram tal documentação a respeito dessas pessoas como prova para melhor resolver solicitada pelo Tribunal.
70. Em suas alegações finais escritas, a Comissão introduziu na lista de familiares das supostas vítimas duas pessoas que não estavam incluídas na demanda,14 porque não haviam sido citadas nas declarações prestadas perante notário público por dois familiares.
71. Por último, figura num dos anexos do escrito de alegações finais do Estado um documento oficial em que aparece o nome de Carol Denisse Muñoz Atanasio como herdeira legal do senhor Hugo Muñoz Sánchez em relação à reparação civil ordenada na sentença do CSJM de 3 de março de 1994 (par. 68 supra e pars. 80.55 e 80.56.d infra).
72. A jurisprudência deste Tribunal quanto à determinação de supostas vítimas tem sido extensa e adequada às circunstâncias de cada caso. As supostas vítimas devem ser citadas na demanda e no Relatório da Comissão aprovado nos termos do artigo 50 da Convenção. Consequentemente, em conformidade com o artigo 33.1 do Regulamento, cabe à Comissão, e não a este Tribunal, identificar com precisão e na devida oportunidade processual as supostas vítimas em um caso perante a Corte.15 Entretanto, não sendo possível, em algumas ocasiões a Corte considerou como vítimas pessoas que não foram mencionadas como tal na demanda, desde que se tivesse respeitado o direito de defesa das partes, e as supostas vítimas guardassem relação com os fatos descritos na demanda e com a prova apresentada perante a Corte.16
73. Este Tribunal utilizará os seguintes critérios para definir quais pessoas considerará como supostas vítimas e familiares no presente caso: a) a momento processual em que foram identificadas; b) o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado; c) a prova que conste a respeito; e d) as características próprias deste caso.
74. Para tanto, o Tribunal sentiu necessidade de proceder a um minucioso exame da prova apresentada pela Comissão e pelas representantes, bem como de solicitar documentos adicionais como prova para melhor resolver, com vistas a reunir os elementos necessários para a identificação precisa das supostas vítimas. Após a análise, o Tribunal identificou as diferentes situações mencionadas nos parágrafos anteriores (par 67 a 71 supra).
75. Com relação a Luz Beatriz, Gustavo e Ronald Daniel, todos Taboada Fierro, e Saturnina Julia e Celestino Eugencio, ambos Rosales Cárdenas, a respeito de quem não foi apresentada prova de parentesco com as supostas vítimas (par. 67 supra), este Tribunal observa que essas pessoas foram incluídas como familiares das supostas vítimas tanto na demanda quanto nas alegações finais escritas da Comissão. Além disso, cumpre salientar que o Estado não se opôs à determinação dos familiares das supostas vítimas proposta pela Comissão. Portanto, essas pessoas serão consideradas supostas vítimas neste caso.
76. Em relação a Zorka Milushka Muñoz Rodríguez (par. 68 supra), mediante nota da Secretaria de 24 de outubro de 2006 (par. 33 supra), solicitou-se à Comissão e às representantes que informassem as razões pelas quais não fora incluída nas listas da demanda e do escrito de petições e argumentos e que, oportunamente, enviassem a documentação pertinente que demonstrasse sua eventual filiação ou falecimento. Em 31 de outubro de 2006, a Comissão “reconhe[ceu] que por um erro involuntário no escrito de demanda não foi incluída” essa pessoa, e as representantes informaram que não haviam incluído seu nome porque os demais familiares haviam perdido contato com ela. Finalmente, a Comissão e as representantes introduziram seu nome ao apresentar suas alegações finais escritas e, além disso, as representantes apresentaram sua certidão de nascimento como prova para melhor resolver. A Corte observa que, embora a Comissão não a tenha incluído na lista de familiares apresentada na demanda, remeteu juntamente com os anexos a esta, o documento mencionado em que a mesma aparece como herdeira. Nessa mesma situação estariam os pais de Felipe Flores Chipana (par. 68 supra). Conforme indicado (par. 72 supra), cabe à Comissão, e não a este Tribunal, identificar com precisão as supostas vítimas em um caso submetido à Corte. Não obstante, a Corte as considerará como supostas vítimas, pois sua existência foi levada ao conhecimento do Tribunal, pelo menos indiretamente, nos anexos da demanda.
77. Com relação às quatro pessoas citadas pelas representantes em seu escrito de petições e argumentos (par. 69 supra), a Corte observa que as declarações prestadas por familiares perante notário público fizeram referência a elas. Além disso, como prova para melhor resolver, as representantes enviaram o registro de nascimento de duas delas. O Estado não se opôs a essa solicitação, reiterada nas alegações finais escritas da Comissão e das representantes. Consequentemente, a Corte considerará sua condição de supostas vítimas nos parágrafos respectivos.
78. Com respeito a Carol Denisse Muñoz Atanasio, que aparece como filha e herdeira do senhor Hugo Muñoz Sánchez (par. 71 supra), a Corte desconhece as razões pelas quais essa pessoa não foi apresentada nem pela Comissão Interamericana nem pelas representantes como familiar dessa suposta vítima. Apesar disso, será considerada suposta vítima, uma vez que sua existência foi levada ao conhecimento do Tribunal pelo Estado, pelo menos indiretamente, nos anexos de suas alegações finais.
79. Finalmente, decorre das declarações prestadas perante notário público por familiares das supostas vítimas, bem como do escrito de alegações finais da Comissão (par. 70 supra), a existência de mais dois familiares, a saber, Nicolasa León Espinoza, suposta avó de Robert Edgar Teodoro Espinoza, e Valeria Noemí Vajarro, suposta sobrinha de Armando Richard Amaro Cóndor. A esse respeito, a Corte observa que, nas declarações prestadas perante notário público, essas pessoas são citadas sem maior informação sobre seu possível vínculo, e que no escrito de alegações finais a Comissão não fundamentou a inclusão dessas supostas vítimas como familiares, limitando-se tão somente a mencioná-las. Portanto, a Corte não as considerará como supostas vítimas.
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