Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso La Cantuta Vs. Peru Sentença de 29 de novembro de 2006


VIII A responsabilidade internacional do Estado no contexto do presente caso



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VIII

A responsabilidade internacional do Estado no contexto do presente caso
81. Os fatos deste caso se revestem de particular gravidade pelo contexto histórico em que ocorreram: um contexto de prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados, cometidos pelas forças estatais de segurança e inteligência, cujas características e dinâmica foram esboçadas nos fatos provados (pars. 80.1 a 80.8 supra). Ou seja, os graves acontecimentos se inserem no quadro da sistemática repressão a que foram submetidos determinados setores da população designados como subversivos ou que eram de algum modo contrários ou opositores ao governo, havendo pleno conhecimento e, inclusive, ordens dos mais altos comandos das Forças Armadas, dos serviços de inteligência e do Poder Executivo de então, que agiam através das estruturas de segurança estatais, das operações do denominado “Grupo Colina” e do contexto de impunidade que favorecia essas violações.
82. A particular gravidade dos fatos se revela na existência de toda uma estrutura de poder organizado e de procedimentos codificados, segundo os quais funcionava a prática de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados. Estas práticas não eram fatos isolados ou esporádicos; chegaram a configurar um padrão de conduta na época em que ocorreram os fatos, funcionando como método de eliminação de membros ou suspeitos de pertencer a organizações subversivas, empregado de forma sistemática e generalizada por agentes estatais, majoritariamente por membros das Forças Armadas.
83. Por seu papel determinante nesse caso, é necessário destacar a participação do denominado Grupo Colina, que no interior das Forças Armadas era parte preponderante de uma política governamental que consistia na identificação, controle e eliminação das pessoas suspeitas de pertencer a grupos insurgentes, mediante ações sistemáticas de execuções extrajudiciais indiscriminadas, assassinatos seletivos, desaparecimentos forçados e torturas. O grupo foi organizado diretamente dentro da estrutura hierárquica do Exército peruano, e suas atividades e operações foram desenvolvidas, segundo diferentes fontes, com o conhecimento da Presidência da República e do Comando do Exército (pars. 80.17 e 80.18 supra).
84. Esse contexto foi igualmente levado em consideração em outros casos decididos por este Tribunal, cujos fatos ocorreram na mesma época que os do presente caso. Nesse sentido, a Corte se pronunciou a respeito dessa prática sistemática executada por ordem de chefes militares e policiais, da existência e dos métodos do Grupo Colina e da atribuição a esse Grupo dos referidos fatos.83 Tal contexto foi verificado também pela Comissão Interamericana em relação às características dos fatos de La Cantuta e ao período mencionado,84 bem como pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais ou Sumárias, quando de sua visita ao Peru em 1993.85
85. O contexto e as situações descritos foram reconhecidos também pelo Peru através de uma convergência de decisões tomadas pelos três poderes do Estado, tanto pelo Poder Executivo, ao reconhecer a responsabilidade internacional do Estado neste processo internacional (pars. 40 a 44 supra), e anteriormente, ao criar a CVR e a “Procuradoria ad hoc do Estado para os Casos Montesinos e Fujimori e dos demais responsáveis”,86 como pelos Poderes Legislativo e Judiciário.
86. Nesse sentido, é de grande importância a criação da CVR no Peru. Conforme salienta o Relatório Final da CVR, após o “colapso do regime de Fujimori […] um dos primeiros atos do governo transitório, em dezembro de 2001, foi a formação do Grupo de Trabalho Interinstitucional, com a participação dos Ministérios da Justiça, Interior, Defesa, Promoção da Mulher e do Desenvolvimento Humano, da Defensoria Pública, da Conferência Episcopal Peruana, do Concílio Nacional Evangélico do Peru e da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos […], para propor a criação de uma Comissão da Verdade. O Grupo de Trabalho Interinstitucional propôs que a CVR examinasse crimes atribuíveis a todas as partes no conflito, isto é, “tanto os fatos imputáveis a agentes do Estado, às pessoas que agiram com seu consentimento, aquiescência ou cumplicidade, bem como os imputáveis aos grupos subversivos”. […] O marco temporal de competência da CVR, proposta por [esse] Grupo […], não foi modificado na versão final do mandato. Com efeito, o Decreto Supremo aprovado pelo Conselho de Ministros [em 2001] acolheu a proposta de abranger na investigação os fatos ocorridos entre 1980 e 2000 [. …] A amplitude material da competência da CVR tampouco sofreu grandes mudanças em ambas as etapas de elaboração. Assim, todos os crimes propostos pelo Grupo de Trabalho […] foram acolhidos no Decreto Supremo”.87
87. Com relação ao contexto assinalado, de acordo com a CVR, a partir do Golpe de Estado de 5 de abril de 1992,
Foi estabelecido um regime de fato que suspendeu a institucionalidade democrática do país mediante a intervenção aberta no Poder Judiciário, no Tribunal Constitucional, no Ministério Público e em outros órgãos constitucionais. Governou-se por decreto, através do denominado «Governo de Emergência e Reconstrução Nacional», que concentrou por um breve tempo as funções executivas e legislativas do Estado, neutralizando na prática o controle político e judicial sobre seus atos. À luz das mais recentes investigações judiciais, pode-se concluir, além disso, que durante esse tempo fez-se uso de recursos do Estado com a finalidade de organizar, treinar e empregar grupos operacionais clandestinos que tiveram por finalidade o assassinato, o desaparecimento e a tortura de pessoas, tudo isso ao redor da estrutura do Serviço de Inteligência Nacional. Isso é explicado no caso correspondente ao autodenominado “Grupo Colina”.88
88. Com efeito, foi no Relatório Final da CVR que a Comissão Interamericana se baseou para expor os fatos da demanda, reconhecidos, por sua vez, pelo Estado nesse processo (pars. 40 a 46 e 80.1 a 80.8 supra). A CVR também identificou a existência de uma dinâmica própria, um modus operandi e procedimentos codificados da estrutura de poder organizada em função do planejamento e execução dessas práticas. Também destacou o uso dos recursos e meios do Estado na complexa organização e logística associadas à prática do desaparecimento forçado; a sistemática negação das detenções e dos fatos por parte das forças de segurança; bem como a obstrução de eventuais investigações mediante ocultação ou destruição de provas, inclusive a mutilação e incineração dos restos mortais das vítimas (pars. 80.1 a 80.8 supra).
89. Por sua vez, o Poder Legislativo do Estado também participou desse reconhecimento institucional. Inicialmente, em abril de 1993, apesar de momentos de grande tensão no Peru, especialmente pela pressão de autoridades do Exército, o denominado Congresso Constituinte Democrático criou uma Comissão Investigadora que recebeu informações relacionadas às investigações realizadas até esse momento, bem como depoimentos dos familiares das supostas vítimas, de alunos e autoridades da Universidade de La Cantuta e do General Hermoza Ríos, então Comandante Geral do Exército. Embora o parecer emitido pela maioria dessa Comissão tenha sido rechaçado em 26 de junho de 1993 pelo Congresso Constituinte, estabelecia a existência de presunção de responsabilidade penal de altos oficiais do Exército nos fatos de La Cantuta. O Congresso aprovou o parecer elaborado pela minoria, que concluía que nem o Exército peruano, nem o Serviço de Inteligência Nacional, nem o então assessor desse serviço de inteligência haviam sido responsáveis pelos fatos objeto da investigação (pars. 80.25, 80.26 e 80.29 supra).
90. Posteriormente, em 20 de julho de 2005, em conformidade com as conclusões e recomendações do Relatório da CVR, o Congresso peruano promulgou a Lei no 28.592, “Lei que Cria o Plano Integral de Reparações – PIR”, cujo objetivo é estabelecer o Marco Normativo [desse Plano] para as vítimas da violência ocorrida no período compreendido entre maio de 1980 e novembro de 2000. Sem prejuízo do exposto mais adiante (pars. 211 e 212 infra), leis dessa natureza refletem uma disposição do Estado de reparar determinadas consequências prejudiciais que reconhece como graves violações dos direitos humanos cometidas sistemática e generalizadamente.
91. Por sua vez, no âmbito do Poder Judiciário, há sentenças e decisões proferidas no âmbito das investigações e processos judiciais ajuizados em relação aos fatos deste caso, bem como em relação a outros casos, que são enquadrados claramente no contexto mencionado e oferecem uma ampla ideia do alcance da participação e responsabilidade do Grupo Colina e de altas autoridades do Governo da época nos atos perpetrados.89
92. Os fatos de La Cantuta e tal prática sistemática viram-se, além disso, favorecidos pela situação de impunidade generalizada que existia então, propiciada e tolerada pela ausência de garantias judiciais e pela ineficácia das instituições judiciais para enfrentar as sistemáticas violações de direitos humanos. A CVR constatou a “suspen[são da] institucionalidade democrática do país mediante a intervenção aberta no Poder Judiciário, no Tribunal Constitucional, no Ministério Público e em outros órgãos constitucionais”, por meio da qual as ações do Governo de Emergência e Reconstrução Nacional “neutraliz[avam], na prática, o controle político e judicial sobre seus atos”.90 A conjugação de inúmeros dispositivos legais e situações de fato dificultava as investigações e proporcionava ou reproduzia a impunidade, como por exemplo o encaminhamento de investigações por fatos desse tipo ao foro militar (pars. 173 a 145 infra); as destituições de vários juízes e promotores de todos os níveis levadas a cabo pelo Poder Executivo;91 e a promulgação e aplicação das leis de anistia (pars. 165 a 189 infra). Tudo isso guarda estreita relação com a obrigação de investigar os casos de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e outras graves violações dos direitos humanos (pars. 110 a 112 infra).
93. A esse respeito, em seu Relatório Final, a CVR determinou que o Poder Judiciário não cumpriu adequadamente sua missão de acabar com a impunidade dos agentes do Estado responsáveis por graves violações de direitos humanos, o que acabava por contribuir com essa situação; e que os juízes se abstiveram de julgar membros das Forças Armadas acusados de praticarem tais fatos, decidindo sistematicamente todo caso de “conflito de competência” em favor do foro militar, onde as situações permaneciam impunes. Essa situação “se agravou após o Golpe de Estado de 1992”, devido a uma “clara intromissão no Poder Judiciário por meio de demissões maciças de magistrados, nomeações provisórias e a criação de órgãos de gestão alheios à estrutura do Sistema Judiciário, além da inoperância do Tribunal Constitucional”.92 Outra prática generalizada que a CVR comprovou foi que “os operadores de justiça, ao declararem improcedentes os recursos de habeas corpus, não protegiam os direitos dos cidadãos, e que o Ministério Público não cumpria seu dever de investigar adequadamente os crimes, pela falta de independência frente ao Poder Executivo.93
94. É oportuno salientar, sem prejuízo das considerações posteriores (pars. 155 a 157 infra), que o Estado declarou que “entende que o dever de realizar justiça compreende a investigação e punição de toda pessoa que tenha participado deliberadamente dos fatos de La Cantuta. Desse modo, o Estado receberá e acatará o que a Corte determinar a respeito da investigação, identificação e punição dos responsáveis por emitir ordens para a prática de crimes internacionais como os que são matéria deste caso”. Além disso, o Estado destacou que os fatos reconhecidos “constituem atos ilícitos internacionais [e, ao mesmo tempo,] crimes segundo o direito interno, além de serem crimes internacionais que o Estado deve combater”.
95. Os fatos deste caso foram qualificados pela CVR, por órgãos judiciais internos e pela representação do Estado perante este Tribunal como “crimes internacionais” e “crimes de lesa-humanidade” (pars. 42, 44, 94, e 80.68 supra). A execução extrajudicial e o desaparecimento forçado das supostas vítimas foram praticados num contexto de ataque generalizado e sistemático contra setores da população civil.94
96. Basta mencionar neste capítulo que a Corte considera reconhecido e provado que o planejamento e a execução da detenção e dos demais atos cruéis, desumanos e degradantes, bem como a execução extrajudicial ou o desaparecimento forçado das supostas vítimas, realizados de forma coordenada e velada por membros das forças militares e do Grupo Colina, não poderiam ter sido executados sem o conhecimento e as ordens superiores das mais altas esferas do Poder Executivo e das forças militares e de inteligência desse momento, especificamente dos comandos de inteligência e do próprio Presidente da República. Desse modo, é plenamente aplicável o entendimento recente deste Tribunal no Caso Goiburú e outros Vs. Paraguai:
Os agentes estatais não somente faltaram gravemente com seus deveres de prevenção e proteção dos direitos das supostas vítimas, consagrados no artigo 1.1 da Convenção Americana, como utilizaram a investidura oficial e recursos concedidos pelo Estado para cometer as violações. Enquanto Estado, suas instituições, mecanismos e poderes deviam ter agido como garantia de proteção contra a ação criminosa de seus agentes. No entanto, verificou-se uma instrumentalização do poder estatal como meio e recurso para cometer a violação dos direitos que deviam ter sido respeitados e garantidos […].95
97. As vítimas do presente caso e muitas outras pessoas, sofreram, nessa época, a aplicação de práticas e métodos inerentemente desrespeitosos aos direitos humanos, minuciosamente planejados, sistematizados e executados de dentro do Estado, em muitos aspectos similares aos utilizados pelos grupos terroristas ou subversivos que, sob a justificativa do antiterrorismo ou da “antissubversão”, pretendiam combater.
98. A Corte considerou adequado abordar o assunto deste capítulo por considerar que o contexto em que ocorreram os fatos define e condiciona a responsabilidade internacional do Estado em relação à obrigação de respeitar e garantir os direitos consagrados nas normas da Convenção que se alegam violadas, tanto no que diz respeito aos aspectos reconhecidos pelo Estado quanto àqueles aspectos que serão determinados nos próximos capítulos relativos ao mérito e às eventuais reparações.
IX

Artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento (Direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal

e ao reconhecimento à personalidade jurídica)
Alegações da Comissão
99. Com relação ao artigo 7 da Convenção, a Comissão alegou que:


  1. teria sido violado o parágrafo 2º do artigo, na medida em que as supostas vítimas foram ilegalmente privadas de liberdade. Além dos motivos e condições estabelecidos na legislação interna, uma pessoa somente pode ser detida em virtude de mandado expedido por uma autoridade competente ou em casos de flagrante delito, condições que não foram verificadas neste caso;

  2. teria sido violado o parágrafo 3º, uma vez que tanto as circunstâncias como os métodos utilizados pelos militares para privar as supostas vítimas de liberdade foram incompatíveis com o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo. Tal situação fica mais evidente pela ausência de proporcionalidade quando a detenção é analisada em conjunto com outros fatores, como o fato de que as supostas vítimas se encontravam descansando, durante a madrugada, e se encontravam indefesas e desarmadas, tornando ainda mais arbitrário o seu desaparecimento ou execução;

  3. teria sido violado o parágrafo 4, já que nenhuma das supostas vítimas foi informada dos motivos da detenção nem dos direitos que lhes cabiam; foram conduzidas com violência pelos agentes do Estado sem maiores explicações ou razão;

  4. teria sido violado o parágrafo 5, posto que as supostas vítimas teriam sido privadas de forma abusiva do amparo da autoridade a que deviam ter sido postas à disposição para resolver no menor tempo possível sobre sua liberdade, levando em conta que, em conformidade com as provas disponíveis, o sequestro das supostas vítimas foi realizado sob a premissa de que eram consideradas suspeitas de fazer parte do grupo Sendero Luminoso conforme informações recolhidas pelo Serviço de Inteligência do Estado;

  5. teria sido violado o parágrafo 6, considerando que o Estado não teria oferecido às supostas vítimas a possibilidade de interpor, por seus próprios meios, um recurso rápido e efetivo que lhes permitisse definir a legalidade de sua detenção. Ademais, o Estado teria mantido as vítimas privadas de liberdade em local diferente dos lugares oficiais de detenção (ou para isso habilitados), sem nenhum controle institucional como registros ou apontamentos que permitissem estabelecer a data, a forma e as condições das detenções; e

  6. a recusa dos organismos de segurança de prestar informação sobre o paradeiro das supostas vítimas e de reconhecer a irregular privação de liberdade configura um dos elementos da prática de desaparecimento forçado de pessoas, que levou à comprovada execução extrajudicial de algumas delas.

100. Com relação ao artigo 5 da Convenção, a Comissão alegou que:




  1. a violação da integridade psíquica e física se materializou através das circunstâncias em que foram realizadas as detenções das supostas vítimas bem como durante seu traslado e durante o tempo em que permaneceram detidas;

  2. na época dos fatos havia uma prática sistemática e generalizada adotada pelo Exército, por meio da qual as pessoas suspeitas de pertencer a grupos subversivos eram detidas clandestinamente sem comunicação à autoridade competente, submetidas a torturas e maus-tratos, e finalmente se decidia quanto a sua liberação, execução arbitrária ou desaparecimento;

  3. houve falta de devida diligência por parte do Estado, já que não realizou – a partir das denúncias apresentadas – uma investigação de acordo com os princípios do devido processo para esclarecer os fatos e identificar e punir os autores materiais e intelectuais; e

  4. os familiares foram afetados em sua integridade psíquica e moral como consequência direta do suposto sequestro ilegal e arbitrário das supostas vítimas, do desconhecimento de seu paradeiro, de seu desaparecimento, e, em alguns casos, posterior morte em mãos de agentes estatais, e da falta de investigação sobre o ocorrido.

101. Com relação ao artigo 4 da Convenção, a Comissão alegou que:




  1. o Estado violou o direito à vida, na medida em que o professor e os nove estudantes estavam vivos no momento de sua detenção por membros das Forças Armadas, e em seguida foram encontrados mortos e enterrados em fossas clandestinas, além do fato de que quatro deles continuam desaparecidos;

  2. é válido concluir que o desaparecimento e a morte das supostas vítimas não constitui um fato isolado, mas um desaparecimento e/ou execução extrajudicial praticada por efetivos militares no âmbito de um padrão de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados existentes naquela época; e

  3. o Estado é responsável pela violação do direito à vida por não ter investigado apropriadamente os fatos mencionados.

102. No que concerne ao artigo 3 da Convenção, a Comissão alegou que:




  1. o desaparecimento forçado de todas as vítimas do presente caso e a situação de extrema vulnerabilidade em que se encontravam necessariamente tiveram consequências relacionadas com o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica;

  2. em conformidade com os elementos probatórios constantes dos autos, quando as vítimas foram detidas pelos agentes do Estado ou pessoas a eles vinculadas, e em seguida desapareceram, foram também excluídas da ordem jurídica e institucional do Estado peruano. Nesse sentido, o desaparecimento forçado de pessoas implica a negação da própria existência como ser humano revestido de personalidade jurídica;

  3. a conexão entre o desaparecimento forçado e a violação desse direito “reside no fato de que o objetivo preciso desta prática perniciosa é retirar o indivíduo da proteção que lhe é devida; o objetivo daqueles que a executam é agir à margem do império da lei, ocultando toda prova do crime e procurando escapar de punição, somado à intenção clara de eliminar a possibilidade de que a pessoa mova alguma ação legal a respeito do exercício de seus direitos”. A Comissão cita o texto da Convenção Internacional das Nações Unidas para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, da Convenção Interamericana sobre a matéria, da jurisprudência da Corte Constitucional Colombiana e de uma Declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas; e

  4. entende que “durante o período dos desaparecimentos, os autores desses atos pretenderam criar um ‘limbo jurídico’, implementado mediante a recusa estatal em reconhecer que as vítimas estavam sob sua custódia, o que impossibilitava as vítimas de exercer seus direitos e não permitia que os familiares conhecessem de seu paradeiro ou situação. […] Para as [supostas] vítimas deste caso, a consequência do desaparecimento foi a denegação de todo direito inerente ao ser humano”.


Alegações das representantes
103. Além de concordar com as alegações da Comissão quanto à suposta violação dos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção, as representantes acrescentaram que:


  1. os desaparecimentos forçados e execuções das supostas vítimas neste caso se enquadram no conjunto de mecanismos cujo objetivo era identificar, perseguir e eliminar pessoas supostamente vinculadas com o Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru;

  2. o Estado teria, ademais, violado os parágrafos 2 a 6 do artigo 7 da Convenção e o parágrafo 1º do mesmo instrumento, em detrimento das supostas vítimas e de seus familiares;

  3. deduz-se que as três supostas vítimas desaparecidas teriam sido executadas, assim como as demais supostas vítimas;

  4. o Estado teria violado os artigos 5.1 e 5.2 da Convenção ao haver submetido as supostas vítimas a tratamento cruel, desumano e degradante, durante sua detenção e posteriormente a ela. Além disso, de acordo com as circunstâncias em que ocorreram as detenções, é razoável inferir que as supostas vítimas experimentaram profundos sentimentos de angústia, tensão, medo e incerteza, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade frente a numerosas pessoas anônimas, armadas, que contavam com o pleno apoio dos militares alojados na Universidade de La Cantuta. Também se deduz que o tratamento posterior à privação de liberdade foi similar ao da detenção; e

  5. a falta de investigações adequadas e eficazes dos fatos com a devida diligência não somente se deveu à negligência e às falhas dos operadores de justiça durante as investigações, mas também ao fato de terem sido postos em prática mecanismos criados para encobrir tanto os executores diretos como os mentores dos fatos deste caso.


Alegações do Estado
104. O Estado assumiu sua responsabilidade quanto à violação dos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, alegada pela Comissão e pelas representantes (pars. 40 e 45 supra).
Considerações da Corte
105. O artigo 3 da Convenção dispõe que “[t]oda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica”.
106. O artigo 4.1 da Convenção dispõe que
[t]oda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
107. Os artigos 5.1 e 5.2 da Convenção estabelecem:
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
108. O artigo 7 da Convenção dispõe:
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. […]
a) Considerações sobre os artigos 4, 5 e 7 da Convenção
109. Em primeiro lugar, em relação ao artigo 7 da Convenção, a Comissão e as representantes alegaram a violação dessa norma com base na análise de cada um de seus parágrafos. A Corte observa que a privação de liberdade daquelas pessoas, por parte de agentes militares e do Grupo Colina, foi um passo prévio à consecução do que definitivamente lhes havia sido ordenado: sua execução ou desaparecimento. As circunstâncias da privação de liberdade deixaram claro que não era uma situação de flagrante, pois foi reconhecido que as supostas vítimas se encontravam em suas residências quando os efetivos militares irromperam violentamente, durante a madrugada, e os levaram com base numa lista. A utilização de listas em que apareciam os nomes de pessoas a serem detidas foi definida pela CVR como parte do modus operandi de agentes estatais para selecionar as vítimas de execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.96 Contrariamente à análise proposta pela Comissão e pelas representantes, é desnecessário determinar se as supostas vítimas foram informadas dos motivos de sua detenção; se esta ocorreu à margem dos motivos e condições estabelecidos na legislação peruana vigente na época dos fatos; e muito menos definir se o ato de detenção foi destituído de razão, imprevisível ou carente de proporcionalidade. Evidentemente a detenção dessas pessoas constituiu um ato de abuso de poder, não foi ordenada por autoridade competente e não tinha por objetivo colocá-las à disposição de um juiz ou outro funcionário autorizado pela lei para que decidisse sobre a legalidade da detenção, mas executá-las ou forçar seus desaparecimentos. Sua detenção teve, portanto, caráter manifestamente ilegal e arbitrário, contrário aos termos dos artigos 7.1 e 7.2 da Convenção.
110. Além disso, este caso ocorreu em um contexto de impunidade generalizada das graves violações dos direitos humanos (pars. 81, 88, 92 e 93 supra), que condicionava a proteção dos direitos em questão. Nesse sentido, a Corte entendeu que da obrigação geral de garantir os direitos humanos consagrados na Convenção, constante do artigo 1.1 do mesmo instrumento, decorre a obrigação de investigar os casos de violações do direito substantivo que deve ser amparado, protegido ou garantido.97 Desse modo, nos casos de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e outras graves violações de direitos humanos, o Tribunal considerou que a realização de uma investigação ex officio, diligente, séria, imparcial e efetiva é um elemento fundamental e condicionante para a proteção de certos direitos que se veem afetados ou anulados por essas práticas, como os direitos à liberdade pessoal, à integridade pessoal e à vida. Essa obrigação de investigar adquire particular e determinante intensidade e importância em casos de crimes contra a humanidade (par. 157 infra).
111. Em situações de privação da liberdade, como as deste caso, o habeas corpus representava, no âmbito das garantias judiciais indispensáveis, o meio idôneo tanto para garantir a liberdade, controlar o respeito à vida e à integridade da pessoa, e impedir seu desaparecimento ou a indeterminação de seu lugar de detenção, quanto para proteger o indivíduo contra a tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.98 No entanto, no contexto geral disposto, os tribunais rechaçaram as ações, sendo que em duas delas se limitaram a aceitar as justificativas ou o silêncio das autoridades militares, que alegavam estado de emergência ou razões de “segurança nacional” para não prestar informação (par. 80.20 supra). A esse respeito, a Corte considerou que
em caso de violações de direitos humanos, as autoridades estatais não podem se amparar em mecanismos como o sigilo de Estado ou a confidencialidade da informação, ou em razões de interesse público ou segurança nacional, para não prestar a informação solicitada pelas autoridades judiciais ou administrativas encarregadas da investigação ou processo pendentes.
Do mesmo modo, quando se trata da investigação de um ato punível, a decisão de qualificar como sigilosa a informação, negando-se a oferecê-la, jamais pode depender exclusivamente de um órgão estatal a cujos membros se atribui a prática do ato ilícito. “Não se trata, pois, de negar que o Governo deva continuar sendo depositário dos sigilos de Estado, mas de afirmar que em matéria tão importante sua atuação deve ser submetida ao controle dos demais poderes do Estado ou de um órgão que garanta o respeito ao princípio de divisão dos poderes…”. Dessa maneira, o que é incompatível com o Estado de Direito e a tutela judicial efetiva “não é que haja sigilo, mas que esse sigilo escape à lei, isto é, que haja esferas em que o poder não seja responsável porque não estão regulamentados juridicamente e, portanto, estão à margem de todo sistema de controle...”.99
112. Neste caso, apesar de terem sido tramitadas e decididas, as ações de habeas corpus não constituíram uma investigação séria e independente, razão pela qual a proteção que deveriam oferecer foi ilusória. Nesse sentido, as representantes alegaram que o Estado teria violado o artigo 7.6 da Convenção em detrimento tanto das vítimas quanto de seus familiares. A Corte considera que, segundo o texto desse artigo, o titular do “direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente [a fim de que este] decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção” é a “pessoa privada da liberdade” e não seus familiares, embora o recurso possa “ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa”. Consequentemente, de acordo com sua jurisprudência,100 o Estado é responsável, quanto a esse aspecto, pela violação do artigo 7.6 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento das dez vítimas executadas ou desaparecidas.
113. No que diz respeito à violação do artigo 5 da Convenção, reconhecida pelo Estado, é evidente que pelas circunstâncias em que foram detidas e transferidas a um lugar indefinido antes de serem executadas ou desaparecidas, as supostas vítimas foram colocadas em situação de vulnerabilidade e desproteção que afetou sua integridade física, psíquica e moral. Certamente não existe prova dos atos específicos a que foram submetidas cada uma dessas pessoas antes de serem executadas ou terem desaparecido. No entanto, o próprio modus operandi dos fatos do caso no contexto desse tipo de prática sistemática (pars. 80.1 a 80.8 supra), somado à violação do dever de investigação (pars. 110 a 112 supra e pars. 135 a 157 infra), permite deduzir que essas pessoas experimentaram profundos sentimentos de medo, angústia e desproteção. Na situação menos grave, as vítimas foram submetidas a atos cruéis, desumanos ou degradantes ao presenciar os atos cometidos contra outras pessoas, sua ocultação ou sua execução, o que lhes fez prever seu destino inevitável. Dessa maneira, é coerente qualificar os atos contrários à integridade pessoal das dez vítimas executadas ou vítimas de desaparecimento nos termos dos artigos 5.1 e 5.2 da Convenção.
114. Quanto à violação do direito à vida, também reconhecida pelo Estado, os fatos do caso decorreram de uma operação executada de maneira coordenada e velada pelo Grupo Colina, com o conhecimento e ordens superiores dos serviços de inteligência e do próprio Presidente da República da época (pars. 96 e 97 supra). Tal situação é coerente com a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados verificados na época dos fatos (pars. 80.12 e 80.18 supra). Cumpre destacar que a identificação plena dos restos mortais de Bertila Lozano Torres e Luis Enrique Ortiz Perea permite qualificar os atos cometidos contra eles como execuções extrajudiciais. Por outro lado, a descoberta de outros restos humanos e o reconhecimento de objetos, pertencentes a algumas das pessoas detidas encontrados nas fossas clandestinas, permitiram deduzir que Armando Amaro Cóndor, Juan Gabriel Mariños Figueroa, Robert Teodoro Espinoza e Heráclides Pablo Meza foram também privados de suas vidas. Sem prejuízo disso, a Corte considera que, enquanto não for determinado o paradeiro dessas pessoas, ou devidamente localizados e identificados seus restos mortais, o tratamento jurídico adequado para a situação dessas quatro pessoas é a de desaparecimento forçado, assim como nos casos de Dora Oyague Fierro, Marcelino Rosales Cárdenas, Felipe Flores Chipana e Hugo Muñoz Sánchez.
115. A Corte recorda que a prática sistemática do desaparecimento forçado supõe o descumprimento do dever de organizar o aparato do Estado para garantir os direitos reconhecidos na Convenção, o que reproduz as condições de impunidade propícias para que fatos dessa natureza voltem a se repetir;101 daí a importância que o Estado adote todas as medidas necessárias para evitar tal prática, investigue e puna os responsáveis e também informe os familiares sobre o paradeiro do desaparecido, e os indenize quando seja o caso.102 O Tribunal também considerou que a responsabilidade internacional do Estado se vê agravada quando o desaparecimento faz parte de um padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada pelo Estado, por ser um crime contra a humanidade, que implica um grave abandono dos princípios essenciais em que se fundamenta o Sistema Interamericano.103
116. Em razão das considerações acima, e nos termos do reconhecimento de responsabilidade por parte do Estado, cabe declarar sua responsabilidade pela detenção ilegal e arbitrária, além da execução extrajudicial, de Bertila Lozano Torres e Luis Enrique Ortiz Perea, e pelo desaparecimento forçado de Armando Richard Amaro Cóndor, Robert Edgar Teodoro Espinoza, Heráclides Pablo Meza, Juan Gabriel Mariños Figueroa, Dora Oyague Fierro, Felipe Flores Chipana, Marcelino Rosales Cárdenas e Hugo Muñoz Sánchez, bem como pelos atos cruéis, desumanos ou degradantes contra eles cometidos, o que constitui uma violação dos artigos 4.1, 5.1 e 5.2 e 7 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de cada um eles. A responsabilidade internacional do Estado se configura de maneira agravada em razão do contexto em que os atos foram cometidos, analisado no capítulo anterior, bem como do descumprimento das obrigações de proteção e investigação ressaltadas neste capítulo.
b) O direito ao reconhecimento da personalidade jurídica das pessoas desaparecidas
117. Apesar do acatamento do Estado no que diz respeito à violação do artigo 3 da Convenção Americana, alegada pela Comissão Interamericana e pelas representantes (par. 41 supra), a Corte tem a faculdade, nos termos do artigo 53.2 do Regulamento, de resolver “sobre a procedência do acatamento e seus efeitos jurídicos” (pars. 47 a 50 e 52 supra).
118. O argumento da Comissão se fundamenta no fato de que as supostas vítimas, como consequência do desaparecimento forçado, “foram excluídas da ordem jurídica e institucional do Estado peruano”, ou seja, que os autores do desaparecimento “pretenderam criar um ‘limbo jurídico’, implementando-o mediante a recusa estatal em reconhecer que as vítimas estavam sob sua custódia, pela impossibilidade das vítimas de exercer seus direitos e pelo desconhecimento dos familiares de seu paradeiro ou situação”.
119. Anteriormente, no contexto de outro caso que também tratava de desaparecimento forçado de pessoas, a Corte teve a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito relacionado à alegada violação do artigo 3 do citado instrumento. No Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala a Corte considerou que o Estado não havia violado o direito à personalidade jurídica da vítima, pois
[n]aturalmente, a privação arbitrária da vida extingue a pessoa humana, e, por conseguinte, não procede, nessa circunstância, invocar a suposta violação do direito à personalidade jurídica ou de outros direitos consagrados na Convenção Americana. O direito ao reconhecimento da personalidade jurídica disposto no artigo 3 da Convenção Americana tem, assim como os demais direitos protegidos na Convenção, um conteúdo jurídico próprio.104
120. Quanto a esse conteúdo jurídico do artigo 3 da Convenção Americana, consagrado também em outros instrumentos internacionais,105 a Corte Interamericana o definiu como o direito de toda pessoa a
ser reconhecida, seja onde for, como pessoa com direitos e obrigações, e a gozar dos direitos civis fundamentais. O direito ao reconhecimento da personalidade jurídica implica a capacidade de ser titular de direitos (capacidade e gozo) e de deveres; a violação daquele reconhecimento supõe desconhecer em termos absolutos a possibilidade de ser titular desses direitos e deveres.106
121. Em consequência do acima exposto, no exercício da faculdade que lhe concede o artigo 53.2 do Regulamento, a Corte considera que no presente caso não há fatos que permitam concluir que o Estado tenha violado o artigo 3 da Convenção.
c) O direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas
122. O Estado reconheceu sua responsabilidade internacional pela violação do artigo 5 da Convenção Americana em detrimento de Hugo Muñoz Sánchez, Dora Oyague Fierro, Marcelino Rosales Cárdenas, Bertila Lozano Torres, Luis Enrique Ortiz Perea, Armando Richard Amaro Cóndor, Robert Edgar Teodoro Espinoza, Heráclides Pablo Meza, Juan Gabriel Mariños Figueroa e Felipe Flores Chipana (pars. 51 e 52 supra). Entretanto, não fez o mesmo em relação aos familiares dessas pessoas, o que havia sido peticionado pela Comissão e pelas representantes. Portanto, tendo sido estabelecida a controvérsia a esse respeito (par. 58 supra), a Corte determinará, nesta seção, se o Estado é responsável pela alegada violação do direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas.
123. No presente caso, a Corte recorda sua jurisprudência no sentido de que, em casos de desaparecimento forçado de pessoas, é possível entender que a violação do direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima é uma consequência direta, precisamente, desse fenômeno, que lhes causa um grave sofrimento em razão do próprio fato, acrescido, entre outros fatores, da constante recusa das autoridades estatais em prestar informação sobre o paradeiro da vítima ou de iniciar uma investigação eficaz para esclarecer o ocorrido.107
124. Em conformidade com sua jurisprudência,108 a Corte determina agora se o sofrimento experimentado em consequência das circunstâncias particulares das violações cometidas contra as vítimas, das situações vividas por algumas delas nesse contexto e das posteriores ações ou omissões das autoridades estatais violam o direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas frente aos fatos do presente caso.
125. Durante a detenção e desaparecimento das vítimas, os familiares empreenderam buscas em diversas instituições, nas quais as autoridades negaram que as vítimas tivessem estado detidas. Por sua vez, a Corte constatou as situações vividas posteriormente pelos familiares:


    1. ao serem descobertas as fossas clandestinas, alguns dos familiares estiveram presentes durante as exumações e ajudaram em sua realização. Os restos de algumas das vítimas foram entregues “em caixas de leite de papelão” pelas autoridades;

    2. após o desaparecimento das vítimas, alguns familiares deixaram de realizar as atividades que exerciam até então. Inclusive, após o desaparecimento de Juan Gabriel Mariños Figueroa, seu irmão Rosario Carpio Cardoso Figueroa viveu no exílio por mais de um ano e meio e sua irmã Viviana Mariños também viveu exilada por 12 anos;

    3. vários familiares das vítimas sofreram ameaças ao buscar seus entes queridos e ao realizar diligências na busca de justiça;

    4. a partir do desaparecimento das vítimas, os familiares foram estigmatizados ao serem classificados como “terroristas”;

    5. durante um período, a jurisdição militar assumiu o conhecimento do caso, o que impediu que os familiares participassem das investigações. Tampouco os habeas corpus impetrados pelos familiares foram efetivos (pars. 111 e 112 supra). Em outros casos, a ausência de recursos efetivos foi considerada pela Corte como fonte de sofrimento e angústia adicionais para as vítimas e seus familiares.109 A demora nas investigações, por demais incompletas e inefetivas para a punição de todos os responsáveis pelos fatos, exacerbou o sentimento de impotência nos familiares; e

    6. por outro lado, posto que os restos mortais de oito das dez vítimas mencionadas ainda estão desaparecidos, os familiares não contam com a possibilidade de honrar apropriadamente seus entes queridos, em que pese terem tido um enterro simbólico. A esse respeito, a Corte recorda que a privação contínua da verdade sobre o destino de um desaparecido constitui uma forma de tratamento cruel, desumano e degradante para os familiares próximos.110

126. Os fatos deste caso permitem concluir que a violação da integridade pessoal dos familiares, em consequência do desaparecimento forçado e execução extrajudicial das vítimas, foi configurada nas situações e circunstâncias vividas por alguns deles, durante e após o desaparecimento, bem como no contexto geral em que ocorreram os fatos. Muitas dessas situações e seus efeitos, compreendidos integralmente na complexidade do desaparecimento forçado, subsistem enquanto persistam algumas das consequências verificadas.111 Os familiares apresentam sequelas físicas e psicológicas causadas pelos referidos fatos, que continuam se manifestando, e, ademais, os fatos impactaram suas relações sociais e de trabalho e alteraram a dinâmica de suas famílias.


127. A Corte considera necessário destacar que a vítima Heráclides Pérez Meza viveu por mais de sete anos com a tia, a senhora Dina Flormelania Pablo Mateo, desde que se mudou para Lima para realizar seus estudos universitários. Também a vítima Dora Oyague Fierro viveu desde menina com o pai e os tios paternos, a saber, a senhora Carmen Oyague Velazco e o senhor Jaime Oyague Velazco. Além disso, a vítima Robert Edgar Teodoro Espinoza foi criada pelo pai e pela senhora Bertila Bravo Trujillo. Nos três casos, uma vez ocorrido o desaparecimento das vítimas, esses familiares empreenderam sua busca e interpuseram, em alguns casos, ações judiciais perante as autoridades; ou seja, enfrentaram os obstáculos oferecidos pelo aparato de justiça e sofreram seus efeitos diretos (pars. 80.19 a 80.21 supra e 80.24).
128. A Corte observa, além disso, que tanto a Comissão Interamericana como as representantes citaram vários irmãos e irmãs das pessoas executadas ou vítimas de desaparecimento como supostas vítimas da violação do artigo 5 da Convenção. Entretanto, em vários desses casos não foi apresentada prova suficiente que possibilite ao Tribunal estabelecer um dano certo com respeito a esses familiares. Portanto, a Corte considera como vítimas os irmãos e irmãs daqueles de quem se disponha de prova suficiente a respeito da matéria.
129. Em razão do acima exposto, a Corte considera que o Estado violou o direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1. do mesmo instrumento, em detrimento de Antonia Pérez Velásquez, Margarita Liliana Muñoz Pérez, Hugo Alcibíades Muñoz Pérez, Mayte Yu yin Muñoz Atanasio, Hugo Fedor Muñoz Atanasio, Carol Muñoz Atanasio, Zorka Muñoz Rodríguez, Vladimir Ilich Muñoz Sarria, Rosario Muñoz Sánchez, Fedor Muñoz Sánchez, José Esteban Oyague Velazco, Pilar Sara Fierro Huamán, Carmen Oyague Velazco, Jaime Oyague Velazco, Demesia Cárdenas Gutiérrez, Augusto Lozano Lozano, Juana Torres de Lozano, Víctor Andrés Ortiz Torres, Magna Rosa Perea de Ortiz, Andrea Gisela Ortiz Perea, Edith Luzmila Ortiz Perea, Gaby Lorena Ortiz Perea, Natalia Milagros Ortiz Perea, Haydee Ortiz Chunga, Alejandrina Raida Cóndor Saez, Hilario Jaime Amaro Ancco, María Amaro Cóndor, Susana Amaro Cóndor, Carlos Alberto Amaro Cóndor, Carmen Rosa Amaro Cóndor, Juan Luis Amaro Cóndor, Martín Hilario Amaro Cóndor, Francisco Manuel Amaro Cóndor, José Ariol Teodoro León, Edelmira Espinoza Mory, Bertila Bravo Trujillo, José Faustino Pablo Mateo, Serafina Meza Aranda, Dina Flormelania Pablo Mateo, Isabel Figueroa Aguilar, Román Mariños Eusebio, Rosario Carpio Cardoso Figueroa, Viviana Mariños Figueroa, Marcia Claudina Mariños Figueroa, Margarita Mariños Figueroa de Padilla, Carmen Chipana de Flores e Celso Flores Quispe.


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