Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso La Cantuta Vs. Peru Sentença de 29 de novembro de 2006


X Artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento (Garantias Judiciais e Proteção Judicial)



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Artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento (Garantias Judiciais e Proteção Judicial)
Alegações da Comissão
130. A Comissão alegou que o Estado é responsável pela violação dos artigos 8 e 25 da Convenção, em detrimento dos senhores Hugo Muñóz Sanchez, Bertila Lozano Torres, Dora Oyague Fierro, Luis Enrique Ortiz Perea, Armando Richard Amaro Cóndor, Robert Edgar Teodoro Espinoza, Heráclides Pablo Meza, Felipe Flores Chipana, Marcelino Rosales Cárdenas e Juan Gabriel Mariños Figueroa e de seus familiares. Especificamente, alegou o seguinte:


  1. passados 14 anos desde a ocorrência dos fatos, o Estado descumpriu sua obrigação de investigar efetiva e adequadamente o sequestro, a execução extrajudicial e o desaparecimento forçado das vítimas, em violação dos artigos 8, 25 e 1.1 da Convenção Americana;

  2. a obrigação de investigar e punir as violações de direitos humanos deve ser cumprida pelos Estados de maneira séria, e exige que sejam punidos não somente os autores materiais dos fatos violatórios de direitos humanos, mas também os autores intelectuais desses fatos. Certamente, essa obrigação não se descumpre somente por não existir uma pessoa condenada na causa ou por ser impossível o esclarecimento dos fato, apesar dos esforços envidados;

  3. com relação às investigações iniciais no foro comum, os familiares das vítimas se preocuparam em levar a notitia criminis a diversas autoridades, para as quais apresentaram várias denúncias, nenhuma delas tratada com a celeridade que a gravidade dos fatos denunciados merecia;

  4. o grave indício de desaparecimento e execução das vítimas exigia que os promotores, os funcionários policiais e demais autoridades pertinentes empregassem todos os esforços para realizar uma busca efetiva e uma investigação eficaz conforme a gravidade e a dimensão dos fatos denunciados, o que não aconteceu;

  5. independentemente da incompetência, per se, dos tribunais militares para julgar violações de direitos humanos, as sérias irregularidades cometidas deliberada e sistematicamente neste caso por diferentes poderes do Estado para apoiar a intervenção da justiça militar e definir finalmente sua competência, revelam uma política de obstrução das investigações na justiça comum com a clara intenção de encobrir os responsáveis. Essa política oficial de acobertamento e obstrução traz à tona a existência de um contexto geral de impunidade;

  6. fica claro como, das altas esferas do Estado – o Executivo, o Congresso da República e a Corte Suprema de Justiça – foram articulados os mecanismos constitucionais e legais disponíveis, com abuso de poder, a fim de resguardar os supostos autores materiais e intelectuais da administração de justiça competente, obter na justiça militar decisões favoráveis aos processados e, em seguida, tentar assegurar por meio de leis de anistia a impunidade dos responsáveis materiais;

  7. a jurisdição militar não oferece as garantias de independência e imparcialidade necessárias para o julgamento de casos que incluam membros das Forças Armadas. Desse modo, características como a subordinação ao Poder Executivo, a subordinação hierárquica e a atividade dos magistrados militares que exercem a função jurisdicional, impedem que o foro militar seja considerado um verdadeiro sistema judicial, conforme a Corte constatou no Caso Durand e Ugarte Vs. Peru e foi reconhecido na jurisdição interna em decisões do Tribunal Constitucional;

  8. a parcialidade com a qual agiram os magistrados do foro militar no julgamento dos fatos de La Cantuta foi posteriormente confirmada nos processos conduzidos contra eles no foro comum;

  9. o julgamento dos responsáveis no foro militar privou os familiares das supostas vítimas de serem ouvidos por um tribunal competente. A investigação do caso na justiça penal militar impediu, além disso, o acesso dos familiares à justiça e o exercício de recurso judicial efetivo que permitisse julgar e punir devidamente os responsáveis. Essa situação persiste no que se refere aos autores intelectuais que, embora não tenham sido favorecidos pela aplicação das leis de anistia, foram declarados isentos de responsabilidade pelos fatos em virtude de uma decião de extinção do processo sem julgamento prévio proferida por um tribunal militar, apesar das contundentes evidências sobre sua participação no planejamento, organização e coordenação dos crimes;

  10. a atribuição de competência à jurisdição penal militar para conhecer dos crimes cometidos por membros do Exército que já vinham sendo investigados na jurisdição penal comum não respeitou o princípio de excepcionalidade e a natureza restritiva que caracteriza a jurisdição militar, o que constitui uma violação do princípio do juiz natural, e, consequentemente, do direito ao devido processo e ao acesso à justiça;

  11. algumas das investigações promovidas pelo Estado após a saída do poder de Alberto Fujimori foram conduzidas muito lentamente, considerando que já se haviam passado seis anos desde a queda do mencionado governo e mais de cinco anos desde que o Estado assumira o compromisso de adotar medidas para restituir os direitos afetados ou reparar o dano causado no Caso de La Cantuta. O direito de acesso à justiça não se esgota com a tramitação de processos internos, mas deve, ademais, assegurar uma decisão num prazo razoável, que se estenda até que se profira sentença definitiva e firme, devendo compreender todo o procedimento, inclusive os recursos eventualmente apresentados. Em casos como o presente as autoridades devem agir de ofício e conduzir a investigação, evitando que esse ônus seja atribuído à iniciativa dos familiares;

  12. além disso, essas investigações não incluíram todos os supostos responsáveis pelos fatos que geraram a responsabilidade internacional do Estado. O Estado se valeu da figura da coisa julgada para não punir alguns dos supostos autores intelectuais, o que constitui uma infração da Convenção Americana, já que os Estados não podem aplicar leis ou disposições de direito interno para eximir-se da ordem de investigar e punir os responsáveis pelas violações da Convenção. A reabertura das investigações na jurisdição interna não afetaria de maneira alguma o princípio non bis in idem, consagrado no artigo 8.4 da Convenção Americana, já que em nenhum momento se configurou a coisa julgada, pois os supostos responsáveis foram processados por um tribunal que, segundo o mesmo artigo 8 da Convenção, não era competente, independente e imparcial, e não atendia aos requisitos do juiz natural. Isto porque o requisito da existência de uma sentença absolutória prévia não se dá quando tal sentença carece de efeitos jurídicos por contrariar claras obrigações internacionais. Consequentemente, o Estado do Peru deve realizar um novo julgamento, cercado de todas as garantias do devido processo, a fim de reparar as deficiências estruturais do processo militar anterior; e

  13. as infrações dos artigos 1, 8.1 e 25 da Convenção se consumaram quando o Estado se omitiu em promover novas investigações e procedimentos internos suficientemente diligentes para combater o acobertamento mantido ao longo de quase uma década, durante o governo de Alberto Fujimori. Nesse sentido, a Comissão deve insistir novamente que o Estado tem a obrigação de realizar uma investigação criminal e de aplicar sanções penais às pessoas responsáveis pelas violações, como forma de garantir também o direito dos familiares das vítimas de conhecer a verdade.


Alegações das representantes
131. Em seu escrito de petições, argumentos e provas as representantes endossaram os argumentos da Comissão sobre os artigos 8 e 25 da Convenção, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. Acrescentaram a esses argumentos as seguintes alegações:


  1. este caso é esclarecedor de um dos traços distintivos do regime de Fujimori, o controle e a manipulação dos poderes legislativo e judiciário para impedir o conhecimento da verdade sobre graves violações dos direitos humanos e conseguir a impunidade dos responsáveis;

  2. o Peru obstruiu, mediante mecanismos jurídicos e de fato, as investigações destinadas ao exame da legalidade das detenções das vítimas e à investigação dos fatos e identificação de seus responsáveis. Como parte dessas estruturas de impunidade foram aprovadas leis de autoanistia que impediram a investigação, o processo judicial, a prisão, o julgamento e a punição dos responsáveis pelos fatos denunciados;

  3. conforme a própria Corte salientou no Caso do Massacre de Pueblo Bello, nos casos de execuções extrajudiciais o Estado tem o dever de iniciar ex officio e sem demora uma investigação séria, imparcial e efetiva, como garantia do direito infringido;

  4. apesar de os familiares das vítimas terem impetrado três ações de habeas corpus imediatamente após sua detenção, os processos iniciados não respeitaram as garantias judiciais estabelecidas no artigo 8.1 da Convenção, nem foram efetivos, nos termos dos artigos 7.6 e 25.1 desse Tratado, devido ao descumprimento do dever de devida diligência por parte das autoridades intervenientes. Os juízes que intervieram nos respectivos processos de habeas corpus desvirtuaram o papel controlador que deve desempenhar o Poder Judiciário em um Estado de Direito, e incorreram numa evidente falta de fundamentação. Por isso, o Estado é responsável por não garantir o acesso dos familiares das vítimas a um recurso efetivo conduzido por órgãos independentes e imparciais, e, consequentemente, por haver violado os direitos consagrados nos artigos 7.6, 8.1 e 25.1 da Convenção, em detrimento das supostas vítimas e de seus familiares;

  5. no Direito Penal Comparado e no Direito Penal Internacional foram criadas várias figuras sobre as diferentes modalidades de participação na prática de um crime, as quais lançam luz sobre a interpretação da maneira de cumprir a obrigação de investigar, julgar e punir todas as formas de participação na prática de crimes. O Estado deixou de investigar e apresentar às autoridades judiciais internas todas as pessoas implicadas na prática, planejamento, instigação e ocultação dos fatos, bem como aqueles que ordenaram, facilitaram mediante colaboração ou foram cúmplices desses fatos. Tampouco foram julgados aqueles que, em virtude de sua relação de subordinação, tinham ou deviam ter tido conhecimento de que seus subalternos iam cometer esses crimes ou os cometeram e, no entanto, não adotaram nenhuma medida para preveni-los ou puni-los; a Corte poderia expandir os caminhos da justiça com os fatos de La Cantuta ampliando em maior medida os níveis de participação penal compreendidos na obrigação de investigar e punir todos os autores materiais e intelectuais em um caso que o aparato estatal de poder foi utilizado e organizado para a perpetração de graves violações de direitos humanos;

  6. o Estado não alcançou o padrão de diligência devida nas investigações penais no caso. Além de uma demora injustificada no esclarecimento cabal dos fatos, houve demora e negligência na apresentação de provas cruciais, como as análises de DNA nos fragmentos ósseos encontrados nos primeiros anos da década de 90;

  7. a incompetência do CSJM no julgamento e punição dos autores materiais e intelectuais fica evidente por dois motivos: os fatos em julgamento não constituíam “crimes ou faltas militares”, mas crimes comuns graves e, em segundo lugar, porque no caso específico de Vladimiro Montesinos não se tratava de um militar na ativa. O exercício indevido de competência por parte do foro militar para julgar os autores dos fatos denunciados foi possível, pois a legislação interna vigente estabelecia um amplo âmbito de competência material e pessoal. Nesse sentido, a norma mencionada infringiu os artigos 8.1, em relação aos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana;

  8. com a adoção das leis de anistia em seu ordenamento jurídico, e durante todo o tempo em que essas leis foram aplicadas e surtiram efeito, o Estado violou os direitos às garantias judiciais (artigo 8.1) e à proteção judicial (artigo 25), em relação aos deveres de proteção e garantia (artigo 1.1) e de adequar sua legislação interna às normas internacionais (artigo 2), em detrimento das vítimas e de seus familiares; e

  9. o Estado violou os direitos consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento das vítimas e de seus familiares, por não ter proporcionado recursos judiciais efetivos conduzidos por juízes competentes, independentes e imparciais e em prazo razoável, e por não ter adequado as disposições internas aos preceitos dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção. Em especial, por ter aprovado, aplicado e mantido em seu ordenamento jurídico interno até hoje uma norma (o Código de Justiça Militar) na qual não se especifica de maneira clara e precisa quem pode ser julgado pelos tribunais militares.


Alegações do Estado
132. Com relação à alegada violação dos artigos 8 e 25 da Convenção, o Estado aceitou parcialmente sua responsabilidade (pars. 45, 46 e 53 supra) e destacou, inter alia, que:


  1. não nega a ocorrência dos fatos nem que foram causados por atos ou omissões de representantes do Estado, sejam eles autoridades ou funcionários públicos, o que gera a responsabilidade do Estado. Entretanto, explica o contexto em que se produz a resposta estatal frente à situação de impunidade reinante até o fim do ano 2000, quando ocorreu uma mudança de conduta do Estado a partir da transição democrática e do restabelecimento do Estado de Direito no país;

  2. imediatamente após o fim do mandato do ex-presidente Alberto Fujimori Fujimori, o Estado adotou medidas concretas para restabelecer boas relações com o Sistema Interamericano de Proteção, fortalecer o Estado de Direito e evitar a impunidade dos crimes cometidos em detrimento dos direitos humanos e do patrimônio público;

  3. esses fatos específicos e a redemocratização do país permitiram que tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário reiniciassem as investigações, conduzissem os processos de acordo com as informações coletadas, e revertessem a situação de impunidade em que se mantinham numerosas e graves violações de direitos humanos;

  4. o Governo de Transição criou a Comissão da Verdade com a finalidade de esclarecer o processo bem como os fatos e responsabilidades da violência terrorista e da violação dos direitos humanos verificados de maio de 1980 até novembro de 2000, imputáveis tanto às organizações terroristas como aos agentes do Estado. Essa Comissão elaborou um Relatório Final no fim de agosto de 2003, que representa um passo adiante no esclarecimento dos fatos, na reivindicação de todas as vítimas de violência e na recuperação da memória histórica dos acontecimentos ocorridos em duas décadas no Peru. Além disso, vem contribuindo para a investigação realizadas pelos órgãos competentes sobre graves violações dos direitos humanos, incluindo as referentes ao Caso La Cantuta;

  5. atualmente no direito interno peruano existem dois processos penais em curso no Poder Judiciário sobre os fatos de La Cantuta e uma investigação preliminar sobre a autoria intelectual dos mesmos fatos. Cumpre salientar que o processo penal aberto na Corte Suprema de Justiça envolve um ex-presidente da República, ou seja, a mais alta autoridade do Estado, sinal de que a atuação da justiça nacional é séria e de envergadura;

  6. o Estado admite que não há um resultado de condenação dos atuais acusados ou investigados, mas também reconhece que a obrigação de investigar e punir é uma obrigação de meio e não de resultado, conforme dispõe a jurisprudência da Corte Interamericana nos Casos Velásquez Rodríguez, Godínez Cruz, Caballero Delgado e Santana e Baldeón García. Ao dar andamento a dois processos penais e ao realizar uma investigação preliminar, a conduta do Estado não deveria ser considerada uma simples formalidade condenada de antemão ao fracasso, mas um sério e decidido processo de reverter a impunidade que se tentou institucionalizar no Peru na década passada;

  7. o pedido da Comissão de realizar uma investigação completa, imparcial, efetiva e rápida dos fatos ocorridos e das pessoas implicadas nas indevidas intervenções dos diferentes órgãos estatais não encontra oposição do Estado, mas coincide com seu esforço por investigar os fatos e não permitir que fiquem impunes. O processo penal aberto contra os autores materiais ou executores dos fatos encontra-se em etapa de julgamento oral, ou seja, está consideravelmente avançado;

  8. quanto à obstrução das investigações, o Estado solicita à Corte que avalie a informação prestada relativa ao fato de que o Peru, por meio dos órgãos competentes e com plena independência, já adotou medidas efetivas para punir os que tentaram obstruir as investigações deste caso no território nacional;

  9. em um Estado de Direito, o Poder Executivo não pode substituir o Ministério Público ou o Poder Judiciário nem oferecer orientações ou transmitir ordens a eles. Há órgãos próprios de controle dessas entidades autônomas por parte de um órgão constitucional, o Conselho Nacional da Magistratura, com competência funcional para isso, conforme a Constituição e a lei;

  10. criticou-se, e com certa razão, a lentidão do Poder Judiciário peruano para investigar e processar todos os responsáveis pelos fatos, mas é próprio do sistema judiciário de nossos países, ao respeitar o devido processo e todas as garantias judiciais dos acusados, permitir que exerçam cabalmente seu direito de defesa. Essa é uma das razões pelas quais o processo oferece e sofre sucessivas delongas. Cumpre também esclarecer à Corte que a capacidade logística do Estado, ao conduzir investigações e processos contra muitos antigos altos funcionários do Estado e outros cidadãos por atos de corrupção e violações de direitos humanos, faz com que o cenário judicial, que reúne as melhores condições de segurança para isso, fique saturado e possibilite que, por exemplo neste caso, em particular no âmbito nacional, somente se possam programar diligências judiciais uma vez por semana. Em algumas ocasiões, por influências ou articulações, de boa ou má-fé, que não avaliaremos neste ato, dos acusados e seus defensores, o processo sofre demoras que ninguém deseja;

  11. quanto à questão da punição e da autoria intelectual, o Estado esclarece que tanto o processo penal na Corte Suprema, que inclui o ex-presidente Alberto Fujimori Fujimori, como a investigação preliminar aberta no Ministério Público com respeito à autoria intelectual, que inclui dois altos oficiais do Exército peruano e o principal assessor presidencial na época dos fatos, visam incluir todas as pessoas que pudessem ser responsáveis pelos fatos de La Cantuta, de modo que não se circunscrevem ou se limitam aos meros executores materiais dos fatos. Na investigação preliminar do Ministério Público, a decisão de extinção proferida por um tribunal militar carece de efeitos jurídicos, ou seja, não gera efeitos de coisa julgada;

  12. receberá e acatará o que a Corte Interamericana determinar com respeito à investigação, identificação e punição de responsáveis por emitir ordens para a prática de crimes internacionais como os que são matéria deste caso. Desse modo, a obrigação de investigar e punir observará critérios mais claros que aqueles de que atualmente dispõe o sistema jurídico nacional para cumprir esse dever constitucional e internacional;

  13. há um componente adicional na busca de justiça. A situação jurídica do ex-presidente Alberto Fujimori deve ser resolvida por um terceiro Estado, em que pese os esforços e a vontade do Peru. Isso constitui, sem dúvida, um sério obstáculo para assumir a totalidade da obrigação de investigar os fatos e punir todos os responsáveis;

  14. o Tribunal Constitucional do Peru, em sentenças de casos que incluem duas pessoas envolvidas nos fatos, procedeu à elaboração de critérios orientadores ao conjunto do aparato de justiça, esclarecendo que uma decisão emanada de um Tribunal Militar não produz coisa julgada, já que não há competência para investigar e punir violações de direitos humanos. Trata-se de decisões recentes do Tribunal Constitucional que permitem que os operadores de justiça possam revisar as decisões que adotaram até o momento, e que não estão ajustadas ao direito, à Constituição Política, à Convenção Americana e à jurisprudência da Corte; e

  15. quanto às leis de anistia, a partir da sentença do caso Barrios Altos, os operadores do Estado começaram a adotar, no âmbito de suas próprias competências, medidas destinadas a eliminar tais leis do sistema jurídico nacional, o que permite que, entre outros casos, o presente processo perante esta Corte esteja sendo dirimido no Peru, prova de que esse obstáculo não existe neste momento.


Considerações da Corte
133. O artigo 8.1 da Convenção Americana estabelece:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
134. O artigo 25 da Convenção dispõe:
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
2. Os Estados Partes comprometem-se:


    1. a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;




    1. a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e




    1. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.




  1. Investigações iniciais no foro comum; encaminhamento das investigações ao foro militar e incompetência dos tribunais militares para investigar e julgar graves violações de direitos humanos

135. Frente às denúncias dos familiares das vítimas, da APRODEH e do Reitor da Universidade de La Cantuta, em agosto de 1992, iniciou-se uma investigação no foro comum, especificamente na Oitava Promotoria Provincial Penal (pars. 80.21 a 80.23 supra). Por sua vez, em consequência da descoberta de fossas clandestinas em Cieneguilla e em Huachipa, a Décima Sexta Promotoria Provincial Penal de Lima realizou diligências paralelas de investigação a partir de julho de 1993 (pars. 80.30 e 80.31 supra). Durante as diligências de exumação e identificação realizadas por essa Promotoria, constataram-se diversas falhas quanto à identificação de outros restos humanos encontrados. Além disso, não foram realizadas outras atividades para a busca dos restos mortais das demais vítimas.


136. Na primeira das investigações iniciadas na jurisdição penal comum, a promotora que substituiu o promotor titular se absteve de continuar conhecendo da investigação, uma vez que o Tribunal de Guerra do CSJM “invocou jurisdicionalmente o conhecimento dos mesmos fatos da presente denúncia”. Substituições dessa natureza, realizadas no âmbito da reestruturação do Poder Judiciário iniciada em abril de 1992, qualificada pela CVR como “um claro mecanismo de ingerência e controle do poder político”,112 fazia parte de uma articulação concatenada para resguardar supostos autores materiais e intelectuais da administração de justiça competente, no contexto de impunidade assinalado (par. 81 supra).
137. Por sua vez, o foro militar havia iniciado suas próprias investigações em abril de 1993, paralelamente às conduzidas no foro comum (pars. 80.42 e 80.43 supra). Em consequência, o CSJM afirmou haver um “conflito de competência” perante o foro comum e, ao resolvê-la, inicialmente na Câmara Penal da Corte Suprema da República, declarou sua divergência a respeito do foro ao qual deveria ser encaminhado o processo contra os militares citados como responsáveis (par. 80.48 supra). Em virtude disso, o chamado “Congresso Constituinte Democrático” aprovou uma lei que modificou a votação então exigida para resolver as disputas de jurisdição. Com base nessa manipulação jurídica, manifestamente articulada pelos três poderes do Estado para favorecer o envio das investigações ao foro militar,113 alguns dias depois a Câmara Penal da Corte Suprema, com efeito, dispôs que o conhecimento da causa fosse encaminhado ao CSJM (pars. 80.50 e 80.51 supra).
138. Isso significa que, de fevereiro de 1994 até o ano de 2001, a jurisdição penal comum foi impedida de conhecer dos fatos. Em maio de 1994, foram condenados no foro militar oito oficiais do Exército e, em agosto do mesmo ano, foram extintos os processos contra três pessoas indiciadas como autores intelectuais dos fatos (pars. 80.55 e 80.57 supra).
139. Cabe então determinar se o encaminhamento das investigações ao foro militar e o processo penal por ele conduzido foram compatíveis com os termos da Convenção Americana, tanto pela natureza do juiz militar como pela natureza dos crimes configurados nos fatos deste caso.
140. A Convenção Americana dispõe no artigo 8.1 que toda pessoa tem direito a ser ouvida por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial. Assim, esta Corte observou que “toda pessoa sujeita a julgamento de qualquer natureza perante um órgão do Estado deverá ter a garantia de que este órgão seja imparcial e aja nos termos do procedimento legalmente previsto para o conhecimento e solução do caso a ele submetido”.114
141. No Peru, no momento dos fatos, o foro militar estava subordinado hierarquicamente ao Poder Executivo,115 e os magistrados militares que exerciam função jurisdicional estavam na ativa,116 o que impedia ou ao menos dificultava que esses magistrados julgassem de forma objetiva e imparcial.117 Neste sentido, a Corte levou em consideração que “os militares que integravam esses tribunais eram, por sua vez, membros das forças armadas na ativa, requisito para fazer parte dos tribunais militares[, motivo pelo qual] estavam incapacitados de apresentar um parecer independente e imparcial”.118
142. O Tribunal estabeleceu que num Estado democrático de direito a jurisdição penal militar terá alcance restritivo e excepcional: só deve julgar militares pela prática de crimes ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem militar.119 A esse respeito, a Corte afirmou que “[q]uando a justiça militar assume competência sobre um assunto do qual deve conhecer a justiça ordinária, o direito ao juiz natural se vê afetado e, a fortiori, o devido processo”, o qual, por sua vez, se encontra intimamente ligado ao próprio direito de acesso à justiça.120 Por essas razões e pela natureza do crime e do bem jurídico lesado, a jurisdição penal militar não é o foro competente para investigar e, quando cabível, julgar e punir os autores desses fatos.
143. A Câmara Penal da Corte Suprema peruana resolveu o conflito de competência a favor do foro militar, que não atendia aos padrões de competência, independência e imparcialidade expostos, e que condenou alguns militares pelos fatos do caso, dispôs a extinção a favor de outros e aplicou as leis de anistia (par. 80.55 supra e pars. 188 e 189 infra). No contexto de impunidade citado (pars. 81, 92, 93, 110 e 136 supra), somado à incompetência para investigar esse tipo de crime nessa jurisdição, fica claro para este Tribunal que a manipulação de mecanismos legais e constitucionais articulada nos três poderes do Estado resultou no encaminhamento irregular das investigações ao foro militar, que obstruiu durante vários anos as investigações na justiça ordinária, que era o foro competente para realizar as investigações, e pretendeu manter a impunidade dos responsáveis.
144. Entretanto, é necessário levar em conta que o Estado reconheceu, tanto no processo perante este Tribunal como em disposições e decisões de seus tribunais internos, adotadas neste e em “outros casos” (pars. 41, 42, 44 e 91 supra), a parcialidade com que agiram os magistrados do foro militar no julgamento dos fatos de La Cantuta; a simulação do ajuizamento de processos contra várias pessoas, com a única finalidade de resguardá-las do processo penal do foro comum para manter sua impunidade; e as irregularidades apresentadas nesse processo. Desse modo, por exemplo, ao resolver uma ação de amparo promovida em outro caso pelo ex-militar Santiago Martín Rivas, um dos condenados no foro militar (par. 80.54 supra), o Tribunal Constitucional do Peru considerou:
[…] em atenção às circunstâncias do caso, há evidências de que o processo penal iniciado no âmbito da jurisdição militar teve o propósito de evitar que o demandante respondesse pelos atos que lhe são imputados.
Essas circunstâncias se relacionam com a existência de um plano sistemático para promover a impunidade em matéria de violação de direitos humanos e crimes de lesa-humanidade, particularmente dos atos cometidos pelos componentes do Grupo Colina, ao qual se vincula o demandante.
Expressão desse plano sistemático, com efeito, o constituem:
[…] (i) O deliberado julgamento dos crimes comuns por órgãos militares, conforme se afirmou anteriormente.
[…] (ii) A promulgação, nesse período, das leis de anistia no 26.479 e 26.492. Embora estas não tenham sido aplicadas no primeiro processo penal instaurado contra o demandante, levando em conta o contexto em que foram promulgadas, e o propósito que as animava, o Tribunal Constitucional considera que isso mostra claramente que, sim, houve ausência de vontade estatal de investigar e punir os responsáveis com penas adequadas à gravidade dos crimes cometidos pelos responsáveis pelos fatos conhecidos como “Barrios Altos”.121
145. As considerações acima levam necessariamente à conclusão de que um processo penal conduzido no foro comum constitui o recurso idôneo para investigar e, quando cabível, julgar e punir os responsáveis pelos fatos deste caso, razão pela qual o encaminhamento irregular das investigações ao foro militar, bem como os consequentes processos nele conduzidos, com respeito a supostos autores materiais e intelectuais, constituem violação do artigo 8.1 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento dos familiares das vítimas.


  1. As novas investigações e processos penais abertos no foro comum

146. No presente caso, após a queda do regime do ex-presidente Alberto Fujimori Fujimori e o consequente processo de transição ocorrido a partir do ano 2000, foram retomadas novas ações oficiais de investigação de natureza penal no foro comum. Não constam, entretanto, ações executadas no âmbito dos processos penais, ou mediante outras instâncias, para determinar o paradeiro das vítimas ou busca de seus restos mortais. Quanto a essas investigações e à etapa em que se encontram no momento em que é proferida esta Sentença, a Corte observa que foram abertas pelo menos cinco novas causas, as quais tiveram diversos resultados parciais, segundo informação anexada ao expediente (pars. 80.67 e 80.92 supra).


147. A respeito da efetividade dessas novas investigações e processos penais para a determinação da verdade dos fatos e para a persecução penal e, oportunamente, para a prisão, julgamento e punição de todos os responsáveis intelectuais e materiais, a Corte reconhece que foram abertos contra as mais altas autoridades do governo da época, desde o ex-presidente até as mais altas patentes militares e de inteligência, além de vários ex-membros do Grupo Colina. Entretanto, conforme destacado (par. 146 supra), por diversas razões os resultados do processo são bastante parciais no que se refere à formulação concreta de acusações e à identificação e eventual condenação dos responsáveis. A ausência de um dos principais processados, o ex-presidente Alberto Fujimori Fujimori, inicialmente exilado no Japão e atualmente detido no Chile, determinam uma parte importante da impunidade dos fatos. Esse último aspecto será analisado mais adiante (pars. 158 a 160 infra).
148. Além disso, o Tribunal avalia de maneira positiva que tenham sido julgadas e punidas pessoas que, no âmbito do foro militar, obstruíram as investigações e fizeram parte do mecanismo de impunidade que imperou durante as investigações realizadas até 2000 (pars. 80.71 a 80.74 supra).
149. Com relação à duração das investigações e processos, este Tribunal salientou que o direito de acesso à justiça não se esgota na tramitação formal de processos internos, mas deve, além disso, assegurar, em tempo razoável, o direito das supostas vítimas ou de seus familiares de, por todos os meios necessários, conhecer a verdade do ocorrido para que os eventuais responsáveis sejam punidos.122 Neste sentido, a Corte dispôs, com respeito ao princípio de prazo razoável contemplado no artigo 8.1 da Convenção Americana, que é preciso levar em conta três elementos para determinar a razoabilidade do prazo em que se desenvolve um processo: a) a complexidade do assunto; b) a atividade processual do interessado; e c) a conduta das autoridades judiciais.123 No entanto, a pertinência de aplicar esses três critérios para determinar a razoabilidade do prazo de um processo depende das circunstâncias de cada caso.124 Além disso, nesse tipo de caso, o dever do Estado de atender plenamente às exigências da justiça prevalece sobre a garantia do prazo razoável. A respeito das novas investigações e processos abertos a partir da transição, embora seja clara a complexidade do assunto pela natureza dos fatos, pelo número de vítimas e processados e pelas delongas por eles provocadas, não é possível desvinculá-las do período anterior. Os impedimentos verificados levaram a que as investigações e processos tenham se estendido por mais de 14 anos desde a prática dos atos que acarretaram a execução e o desaparecimento forçado das vítimas, o que, no conjunto, ultrapassou excessivamente o prazo que pode ser considerado razoável para esses efeitos.
150. Quanto ao alcance dessas novas investigações, não foram reabertas causas no foro comum com respeito a pessoas condenadas no foro militar como autores materiais dos fatos, salvo em relação a certas condutas de uma pessoa inicialmente investigada nesse foro. Não consta que essas condenações, que teriam readquirido vigência com a decisão do CSJM de 2001, tenham sido executadas. Além disso, apesar da denúncia apresentada pela Procuradoria ad hoc contra três dos supostos autores intelectuais, a saber, Hermoza Ríos, Montesinos e Pérez Documet, cuja extinção foi determinada no foro militar (par. 80.82 supra), ainda não foram formuladas acusações no foro comum contra eles. Um pedido de nulidade dos processos conduzidos no foro militar, apresentado por dois familiares das vítimas perante o CSJM, foi rejeitado em julho de 2004 (pars. 80.65 e 80.66 supra). Isto indica que, de todo modo, as atividades do foro militar continuaram obstaculizando o indiciamento e a punição de todos os responsáveis no foro comum.
151. Nesse sentido, a Comissão e as representantes alegaram que o Estado se valeu da figura da coisa julgada para não punir alguns supostos autores intelectuais desses fatos, embora em nenhum momento tenha se configurado a coisa julgada, pois estes foram processados por um tribunal que não era competente, independente e imparcial e que não atendia aos requisitos do juiz natural. Por sua vez, o Estado declarou que “o entendimento de que outras pessoas possam ter responsabilidade penal está sujeito às eventuais novas conclusões a que cheguem o Ministério Público e o Poder Judiciário na investigação e apuração dos fatos” bem como afirmou que “na investigação preliminar do Ministério Público, a decisão de extinção adotada por um tribunal militar carece de efeitos jurídicos, ou seja, não se aceita que produza coisa julgada”.
152. Este Tribunal já havia ressaltado desde o Caso Barrios Altos que
são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos, tais como a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todos eles proibidos por contrariar direitos irrevogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.125
153. Especificamente com relação à figura da coisa julgada, recentemente a Corte determinou que o princípio non bis in idem não é aplicável quando o procedimento que leva à extinção da causa ou à absolvição do responsável por uma violação dos direitos humanos, que constitua infração ao Direito Internacional, resguarde o acusado de sua responsabilidade penal, ou quando o procedimento não tenha sido instruído de maneira independente ou imparcial, em conformidade com as devidas garantias processuais.126 Uma sentença promulgada nas circunstâncias indicadas produz uma coisa julgada “aparente” ou “fraudulenta”.127
154. Nesse sentido, ao apresentar denúncia contra supostos autores intelectuais dos fatos (par. 80.82 supra), em cujo benefício se dispôs a extinção do processo no foro militar, a Procuradoria ad hoc julgou que é inadmissível considerar o auto de extinção emitido por juízes militares – carentes de competência e imparcialidade, e no curso de um processo destinado a garantir um manto de impunidade – como um obstáculo legal à promoção da ação penal ou como sentença definitiva, razão pela qual não teria qualidade de coisa julgada.
155. Em estreita relação com o acima exposto, as representantes solicitaram – baseando-se em diversas fontes do Direito Internacional, em especial em estatutos e na jurisprudência de tribunais penais internacionais que fazem referência aos pressupostos necessários para atribuir responsabilidade penal aos superiores por condutas de subordinados – que a Corte “esclareça os níveis de participação nas graves violações de direitos humanos incluídas na obrigação convencional de punir os autores materiais e intelectuais dos fatos”. Por sua vez, em seu escrito de contestação da demanda, o Estado salientou que “entende que o dever de realizar justiça compreende a investigação e punição de toda pessoa que tenha participado de maneira criminosa dos fatos de La Cantuta. Desse modo, o Estado receberá e acatará o que a Corte determinar a respeito da investigação, identificação de responsabilidades e punição dos responsáveis por emitir ordens para a prática de crimes internacionais como os que são matéria deste caso”. Em suas alegações finais, o Estado ressaltou que os fatos reconhecidos “constituem atos ilícitos internacionais [e, ao mesmo tempo,] crimes segundo o direito interno, além de serem crimes internacionais que o Estado deve combater”.
156. A esse respeito, é oportuno lembrar que a Corte não é um tribunal penal ao qual caiba determinar a responsabilidade de indivíduos particulares por atos criminosos.128 A responsabilidade internacional dos Estados é gerada, de forma imediata, com o ilícito internacional atribuído ao Estado e, para estabelecer que ocorreu violação dos direitos nela consagrados, não é necessário determinar, como ocorre no direito penal interno, a culpabilidade dos autores ou sua intenção, nem tampouco é preciso identificar individualmente os agentes aos quais se atribuem os atos violatórios.129 É nesse âmbito que a Corte determina a responsabilidade internacional do Estado neste caso, não cabendo condicioná-la a estruturas próprias e específicas do direito penal interno ou internacional, definidoras de critérios de imputabilidade ou responsabilidades penais individuais; nem tampouco é necessário definir os âmbitos de competência e hierarquia ou subordinação de cada agente estatal envolvido nos fatos.
157. Dessa maneira, com respeito às solicitações das representantes e do Estado, é necessário lembrar que os fatos foram qualificados pela CVR, por órgãos judiciais internos e pela representação do Estado perante este Tribunal como crimes contra a humanidade, e foi estabelecido que foram cometidos num contexto de ataque generalizado e sistemático contra setores da população civil. Consequentemente, a obrigação de investigar, e nesse caso, quando for pertinente, julgar e punir, adquire particular intensidade e importância ante a gravidade dos crimes cometidos e a natureza dos direitos lesados; mais ainda, porque a proibição de desaparecimento forçado de pessoas e o dever correlato de investigá-lo e punir os responsáveis alcançou caráter de ius cogens.130 A impunidade desses fatos não será erradicada sem a consequente determinação das responsabilidades gerais – do Estado – e particulares – penais de seus agentes ou particulares –, complementares entre si.131 Por fim, cabe reiterar que as investigações e processos abertos pelos fatos deste caso são responsabilidades do Estado, devem ser conduzidos por todos os meios legais disponíveis e ser concluídos ou orientados para a determinação de toda a verdade, além do indiciamento e, caso seja pertinente, prisão, julgamento e punição de todos os responsáveis intelectuais e materiais dos fatos.


  1. Obrigações oriundas do Direito Internacional em matéria de cooperação interestatal em relação à investigação e eventual extradição de supostos responsáveis em casos de graves violações de direitos humanos

158. Foi aberto um procedimento de extradição contra um dos principais acusados pelos fatos deste caso132 (pars. 80.86 a 80.92 e 147 supra).


159. A Corte reconheceu os esforços do Peru quanto ao alcance das investigações conduzidas após a transição (pars. 146 a 150 supra). Nesse sentido, a Corte avalia de maneira positiva que o Estado esteja cumprindo seu dever - decorrente da obrigação de investigar - de solicitar e impulsionar, mediante medidas pertinentes de natureza jurídica e diplomática, a extradição de um dos principais acusados.
160. Conforme reiteradamente mencionado, os fatos deste caso infringiram normas inalienáveis do Direito Internacional (jus cogens). Nos termos do artigo 1.1 da Convenção Americana, os Estados são obrigados a investigar as violações de direitos humanos e a julgar e punir os responsáveis. Ante a natureza e gravidade dos fatos, principalmente por se tratar de um contexto de violação sistemática de direitos humanos, a necessidade de erradicar a impunidade se apresenta perante a comunidade internacional como um dever de cooperação interestatal. O acesso à justiça constitui norma imperativa de Direito Internacional e, como tal, gera obrigações erga omnes para os Estados de adotar as medidas necessárias para não deixar impunes essas violações, seja exercendo sua jurisdição para aplicar o direito interno e o Direito Internacional no julgamento e, caso seja pertinente, punição dos responsáveis por fatos dessa natureza, seja colaborando com outros Estados que o façam ou procurem fazê-lo. A Corte recorda que, em conformidade com o mecanismo de garantia coletiva estabelecido na Convenção Americana, simultaneamente às obrigações internacionais regionais133 e universais134 na matéria, os Estados Partes na Convenção devem colaborar entre si nesse sentido.135
*

* *
161. Ficou demonstrado que, ainda que esses processos penais tenham sido retomados com a finalidade de esclarecer os fatos, e que resultados parciais tenham sido obtidos, os referidos processos não foram eficazes para julgar e, quando pertinente, punir todos os responsáveis (pars. 146 a 150 supra). A Corte considera, por conseguinte, que o Estado é responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Antonia Pérez Velásquez, Margarita Liliana Muñoz Pérez, Hugo Alcibíades Muñoz Pérez, Mayte Yu yin Muñoz Atanasio, Hugo Fedor Muñoz Atanasio, Carol Muñoz Atanasio, Zorka Muñoz Rodríguez, Vladimir Ilich Muñoz Sarria, Rosario Muñoz Sánchez, Fedor Muñoz Sánchez, José Esteban Oyague Velazco, Pilar Sara Fierro Huamán, Carmen Oyague Velazco, Jaime Oyague Velazco, Demesia Cárdenas Gutiérrez, Augusto Lozano Lozano, Juana Torres de Lozano, Víctor Andrés Ortiz Torres, Magna Rosa Perea de Ortiz, Andrea Gisela Ortiz Perea, Edith Luzmila Ortiz Perea, Gaby Lorena Ortiz Perea, Natalia Milagros Ortiz Perea, Haydee Ortiz Chunga, Alejandrina Raida Cóndor Saez, Hilario Jaime Amaro Ancco, María Amaro Cóndor, Susana Amaro Cóndor, Carlos Alberto Amaro Cóndor, Carmen Rosa Amaro Cóndor, Juan Luis Amaro Cóndor, Martín Hilario Amaro Cóndor, Francisco Manuel Amaro Cóndor, José Ariol Teodoro León, Edelmira Espinoza Mory, Bertila Bravo Trujillo, José Faustino Pablo Mateo, Serafina Meza Aranda, Dina Flormelania Pablo Mateo, Isabel Figueroa Aguilar, Román Mariños Eusebio, Rosario Carpio Cardoso Figueroa, Viviana Mariños Figueroa, Marcia Claudina Mariños Figueroa, Margarita Mariños Figueroa de Padilla, Carmen Chipana de Flores e Celso Flores Quispe.




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