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repetida uma “peça” levada à sua mais alta potência expressiva, sua mais
alta tonalidade. A repetição sabe ser uma transvaloração e um salto para
uma incrível dimensão superior, transcendente a toda a repetição
idêntica. Ela abre às realizações de durações múltiplas e conexas, planos
de realidades singulares e simultâneas, compossíveis: as múltiplas
sincronicidades das ocasiões atuais. É precisamente nestes múltiplos
planos de durações, nestes múltiplos planos de realidades, nesta estrita
simultaneidade dos compossíveis que o silêncio se apresenta como uma
fratura regional. Ele adquire um sentido literalmente geológico – mas
atenção, os valores podem brutalmente se inverter e entrar em declínio.
Uma grande regressão é sempre possível como perigo: e é dentro da
perspectiva sonora de um eterno retorno físico-orgânico que é preciso
entrever a realidade de um amanhã silencioso, isto é, uma espécie de
solidificação do meio musical que esboça uma brutal paragem fluxo
futuro da produção sonora. O escoamento energético transformacional
musical pode assim marcar uma paragem que é por sua vez (pólo reativo)
uma declinação possível de uma região extrema do eterno retorno, de
onde a dupla conotação ‘ativa” e “reativa” do silêncio pressupõe o
retorno brutal do indiferenciado mas igual e simultaneamente a
possibilidade de um novo recomeço a partir do zero do Cosmos (sonoro),
do mundo na sua auto-criação. Neste duplo sentido, o silêncio é a fratura
real: solidificação (Pólo negativo), mas igualmente a nova distribuição
possível das multiplicidades sonoras (Pólo positivo). Aqui se encontra a
dupla afirmação de Nietzsche (duplo silêncio) e a de Hölderlin (o Tempo
que separa e que liga).
Para Nietzsche o silêncio é o ouro do Tempo supremo, em outras
palavras, denominado de Tempo universal ou Tempo Objetivo: uma
temporalidade subjetiva, fora de toda a homogeneidade possível, no e
para o mundo, fora de toda a duração, da memória e de suas densidades
(a geografia contra a história, a extensão dos sons contra a espessura
intensiva). É que, graças à sua consistência, o silêncio inverte a totalidade
das perspectivas do Mundo-Tal-Como-Ele É e do Mundo-Como-Vai-Ser. É
preciso aí ver um silêncio para o mundo que vem duplicar aquele do
simultaneísmo interior, fundador de toda a duração e de toda a memória.
O silêncio é duplo: extensivo e intensivo, para o mundo e no cérebro, para
a música e no intelecto. Se o tempo é Um, Tempo Supremo, o silêncio é
sempre o dobro, redobrado. Simultaneísmo e compossibilidade.
Os gradientes intensivos do silêncio são as densidades: os modos
expressivos do silêncio, e a resolução (harmônica) é como um modo da
fratura do tempo.
As máquinas eletrônicas abrem a via de uma música e de uma vida do
terceiro tipo. Pode ser que isto venha ser um infinito próprio do terceiro
milênio. Mas Nietzsche elabora a sua teoria do tempo que se articula em
torno de um duplo silêncio e do pestanejar do instante.
O todo-eternamente-a-seu-semelhante identifica-se em simbiose com a
contínua melodia enfim realizada. É este lance de eternidade, instante
expressivo, e quanto, da criação do Mundo-Parsifal. O instante abre a
imensidão do tempo e junta-se novamente ao eterno. Assim a obra se
metamorfoseia em uma verdadeira emanação da Vontade e de sua mais
alta intensidade, um círculo de ouro: é aqui, dentro da infinita
continuidade da melodia e da modulação que se encontra enfim a hora
do Meio-dia.
Se o mundo se tornou perfeito, é porque, quando se dissipou o infinito da
melodia, apareceu este silêncio, Poço da Eternidade, no qual o Tempo
fugiu voando: “Não cantes! Silêncio! O mundo é perfeito!” (Z,4).
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A curvatura (ou inflexão, curvatura do mundo e curvatura do ser, a
finitude humana) é a compossibilidade da totalidade das linhas de
durações individualizadas. Ela abre a porta para uma imensidão temporal
trans-humana (As múltiplas realidades de Norman Spinrad). Com efeito,
ela temporaliza a dobra da diferença (Deleuze, A Dobra) e, para ser
concreto, digamos que a mônada sonora, puro núcleo ideal da densidade
contraída, é o processo de composição enquanto criação. Neste sentido, o
silêncio é o grande ordenante do plano de composição e do plano de
consistência sonora: ele precipita as densidades. A composição é esta
operação “mágica” que consiste em desdobrar a continuidade
quantitativa das linhas de duração musicais a fim de realizar o continuum
sonoro.
A composição, ou colocação na variação contínua exprime a realização
concreta do continuum sonoro abstrato (não efetuado).
É preciso empregar o condicional: a curva seria este eón, este tempo
infinitivo próprio ao acontecimento, tornado silêncio. Um silêncio que vai
englobar todo o futuro, todo o passado e este espantoso instante sobre o
qual Nietzsche insiste. Revejamos esta reaproximação da curva e da linha
reta, pois por definição “o querer é criador”...
Estes dois aspectos do silêncio determinam o Tempo como o Desigual: O
Ritmo constitui a verdadeira dimensão desigual do Tempo (diferença e
repetição e Lógica da sensação. O desigual é o ritmo propriamente dito:
os passos no deserto de Dune dos Freeman à procura da sua liberdade
como o tempo sem pulsação ou suspenso dos batimentos não
metronômicos. Na prática o desigual ou dimensão real do ritmo conjuga
as múltiplas linhas de duração que asseguram a verdadeira unicidade do
Tempo. Existe uma grande equivalência ontológica Ritmo, Silêncio e
Tempo: é a essência da música. A alusão ao pórtico da eternidade, a
sentença “Tempo supremo e duplo silêncio”, são os enunciados que
apresentam nos feitos a Abertura real, ou seja, aquela do Tempo e aquela
das matérias musicais, aquela do mundo e aquela das idéias sonoras. O
pórtico é ele mesmo a temporalização, o processo de abertura a toda
temporalidade e a toda duração possível.
O Tempo tornou-se, diz Nietzsche, nosso próprio contemporâneo: a auto-
estima do Tempo por ele mesmo, diz-se deste círculo de ouro cujo acesso
está dissimulado nas proximidades do enigmático “pórtico”.
O Zaratrustra é este caminho que abre uma via de acesso para a nossa
interioridade mais íntima e para a abertura do mundo das forças, a mais
real e a mais fecunda: o pórtico da eternidade evoca uma temporalidade
de uma estranha natureza, anel dos anéis, é assim o tempo considerado
como círculo de ouro, realidade do instante infinitesimal, Instante de uma
percepção perspectivista, afetiva e interna, do mundo-tal-como-ele-é-na
realidade. O poder se encarna nas expressões de força produzidas pela
efetuação das temporalidades múltiplas e conexas. A vontade exprime-se
no e pelo silêncio.
Nós precisamos militar ativamente pelo imperativo da necessidade, por
isto que nos dá acesso à criação e à avaliação, e é nisto que reside a
experimentação tanto na vida como no processo de criação das novas
sínteses sonoras. Se Wagner marcou grandemente o seu tempo e o
intelecto do homem Nietzsche, hoje em dia é provavelmente a música
eletrônica que encarna o seu pólo mais vital e mais inovador, mais radical:
as sinergias do futuro. Sem dúvida veremos num futuro próximo o
nascimento das máquinas do quarto tipo com o transplante do orgânico
no silício. É-nos necessário um tempo real: ele corresponde ao curso real
das coisas, dos corpos e dos acontecimentos. Um tempo real, isto é, um
tempo que nos abre as portas do mundo real: “mais pequeno mas muito
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