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Decerto um ato coesivo para evitar-se ao máximo a repetição de cuento, relato é usado como
sinônimo daquele, principalmente quando Ramos e Buenrostro em seus textos críticos
justapõem este mesmo termo relato, de forma repetida, a ficción (ficção) ou ficciones
(ficções). A proximidade para com a ficção é ainda mais bem apreensível quando, ao
comparar a obra riverana com a reunião de contos rulfianos El llano en llamas, os termos
ficções e relatos são também, além de cuento(s), designados para especificar as narrativas de
Rulfo na obra citada. No entanto, dois momentos em especial se aproximam da mescla
comum autor/narrador.
Um deles se refere a um trecho do prólogo em que Ramos e Buenrostro (2012, p. 24 –
grifo meu) escrevem sobre a figura do poeta “benjaminiano” da última estampa do romance
riverano. Este poeta, como já sabemos, é “Bartolo, poeta itinerante, viajero, como la misma
familia de Rivera”. Adiante, outro fragmento quase leva à comparação uma completa
identificação, quando os autores (2012, p. 26-7 – grifo meu) apontam que
Rivera (...) se había educado en un sistema escolar angloparlante donde
explícitamente se les prohibía a los niños hablar el español, sometiéndolos a un
aparato pedagógico que los introduce, como a varios de los personajes de Rivera, en
un mundo lingüístico violentamente escindido, diferenciado del precario espacio
familiar que continuaba siendo casi exclusivamente hispanohablante.
Nesses dois exemplos, há uma mostra ainda apenas aproximativa entre comparação e
apreensão identificadora total. Entretanto, dizer “apenas aproximativa” implica mesmo assim
em perigosa proximidade com a pessoa do autor. Nesse caso, a ausência tão-somente da
partícula condicionante “se” ao lado da conjunção “como” em Buenrostro e Ramos sugere
que ambos terminam por cair na malha das impressões afetivas provocadas pelo mundo outro
de Rivera posto entre parênteses pelo como se, por assim dizer iseriano, de seu texto literário.
Assim, mesmo substituindo por vezes o termo cuentos por ficciones para tratar do que
chamam também de “as ficções de Rivera”, Ramos e Buenrostro acabam por flertar com a
remissão que propõe a ficção do como se, algo que neles se explicita ainda mais em outros
dois fragmentos de sua abordagem sobre o romance riverano.
No início do prólogo cuja autoria dividem Buenrostro e Ramos, ao proporem – a partir
de reflexão da leitura que Octavio Paz tece sobre pachuquismo
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e mexicanidade em seu El
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E importa ressaltar que o pachuco foi figura bastante explorada por uma nascente classe intelectual chicana
como símbolo de resistência e similar de aceitação e afirmação de uma realmente existente identidade chicana
que se estabelecia. O termo pachuco se refere, em primeira instância, àquele que vive ou vem da cidade de
Pachuca, capital do estado de Hidalgo (México). Mas, tem sua acepção estendida ao mexicano ou chicano que,
em comportamento que se torna mais evidente desde os anos de 1940, encontrou maneiras de marcar suas
diferenças identitárias nos Estados Unidos, tanto pelo uso de roupas extravagantes (grosso modo, ternos
compridos, calças folgadas, chapéus decorados com uma pena, tudo, o mais das vezes, bem colorido) quanto
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laberinto de la soledad (1951, 1959) – uma releitura da situação dos sujeitos migrantes à
margem dos encontrazos a que estão submetidos diante das fronteiras culturais sob as quais se
veem obrigados a conviver, esses pesquisadores assim escrevem:
Tal vez ahora – por el impacto del capital global que domina el mundo
contemporáneo – estamos listos para reconocer que la trayectoria del sujeto que
(e)migra y el relato de su viaje como pérdida o proceso de desposesión abyecta es
un aspecto constitutivo del patrimonio, de las ficciones de herencia y del orden
simbólico nacional (RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 17 – grifo dos autores
entre parênteses; grifo meu em negrito).
Mesmo tocando com propriedade uma vez mais em ficções, questão muito bem
pontuada pelos dois investigadores, o trecho supracitado encontra par com informação já
conhecida pelos estudiosos do grande escritor chicano e sua obra, a de que “Rivera se había
criado en un pueblo de Texas. Viajó durante años como hijo de jornalero
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entre las fincas
del agronegocio” (RAMOS e BUENROSTRO, 2012, p. 26 – grifo meu). Embora
aparentemente à revelia da intencionalidade do texto, mesclam-se aí, parecendo fundirem-se
de vez, as identidades de autor e seu protagonista; algo que com todo o cuidado praticamente
torna a ocorrer na introdução aos anexos, escrita dessa feita apenas por Buenrostro, no final da
edição argentina do romance de Rivera. Nesse segmento, quando toca em uma passagem
revelada por Tomás Rivera numa entrevista, Buenrostro transcreve que, sabedor do gosto de
seu filho pela leitura, o pai de Rivera o conduzia de porta em porta na vizinhança para pedir
revistas usadas. Ocorre que tal busca se dava às vezes também em aterros sanitários, lixões. E
é tal ação que Buenrostro vincula a um trecho do conto “Es que duele”, onde o protagonista,
expulso de sua escola por haver brigado com um menino anglo que o provocava por conta de
sua etnicidade, encontra refúgio para a situação na companhia da personagem Doña Cuquita,
que faz o mesmo itinerário de buscas nos lixões.
Classificando este processo vivido na infância como de acumulação, Buenrostro se
refere a este como “niño Rivera” (2012, p. 212), sendo curioso o fato de que é ele quem
melhor parece definir a personagem principal de ...y no se lo tragó reiteradamente como
“niño protagonista”, mais do que a oscilação principal do discurso crítico que comumente
denomina tal personagem como niño, muchacho ou joven narrador. Mais ao fim, Buenrostro
(2012, p. 212 – grifo meu) insere a seguinte complementação: “juntando el fragmento de la
pelo uso de um modo de falar bastante peculiar, unindo gírias variadas a um iminente espanglês. A esse conjunto
de comportamentos tende desde então a denominar-se pachuquismos. Remeto o leitor, ainda, ao conto “El Pete
Fonseca” (RIVERA, 1971 apud BUENROSTRO, 2012, p. 223-238), ao texto “Ficción del límite” (RAMOS e
BUENROSTRO: 2012, p. 9-17), ao ensaio “El pachuco y otros extremos” (PAZ, 1950) e ao Diccionario breve
de mexicanismos (DE SILVA, 2001, p. 157).
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Trabalhador que no agronegócio exercia suas atividades laborais, e por elas recebia (pouco que fosse), por
jornada diária.
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