Universidade Federal do Rio de Janeiro a relaçÃo literariedade, imagem e imaginários em



Yüklə 2,09 Mb.
Pdf görüntüsü
səhifə62/104
tarix21.07.2018
ölçüsü2,09 Mb.
#57541
1   ...   58   59   60   61   62   63   64   65   ...   104

130 
 
confundam  com  a  mesma  qualidade  demonstrada  nas  frases  assumidamente  dele,  narrador, 
usadas em descrições, ou em passagens das descrições anteriores.  
Entra-se  assim  em  uma  terceira  linha  de  correspondências,  na  qual  coincidem  o 
narrador (incluindo-se aqui as vozes supostamente por ele recuperadas) e o  autor, na mesma 
fluência poética, de sedutora prosa poética que deixa transparecer a grande fluência verbal do 
próprio escritor Carlos Fuentes. Não se trata aqui da mera e comum, por vezes até aceitável e 
compreensível  (outras  nem  tanto,  porque  ingênua),  dificuldade  de  dissociação  leitora  e 
investigativa entre autor e narrador. Não. Na verdade, o “x” dessa observação está no verbo 
usado  linhas  acima:  “transparecer”.  A  obra  em  destaque  está  longe  de  aproximar-se 
(minimamente  que  seja)  de  uma  autoficção  ou  autobiografia.  Mas,  analisado  o  percurso 
literário  do  autor  e  as  linhas  desde  as  quais  buscou  dar  vez  a  suas  reflexões  intelectuais,  a 
narratividade  adotada  em  seu  La  frontera  de  cristal  permite,  sim,  aproximar  o  narrador  que 
ele utiliza  como  fruto de uma espécie de  “autobibliografia”, ou talvez  melhor  ficasse dizer, 
como fruto de um exercício de “autobibliografia”, uma consulta, revisão e devido tratamento 
literário da  bibliografia (em especial a ensaística) que o próprio autor compôs durante anos, 
através de suas publicações.  
Desse modo, ao recorrer a essa autobibliografia, ao dar vazão a este exercício, Fuentes 
deixa transparecer em seu narrador seu próprio verbo autoral. Nela, na figura de seu narrador, 
deixa  que  se  manifeste  (e  “manifestar-se”  é  também  sinônimo  para  “transparecer”)  sua 
fluência sedutora, seu dom, sua sensibilidade pessoal para a palavra, para o trato da e com a 
palavra,  a  língua,  as  línguas,  suas  variáveis,  suas  vertentes,  seus  diferentes  registros  e 
variantes,  através  dos  quais,  dada  sua  capacidade  de  absorção  e transformação  de  sua  vasta 
genealogia literária e investigativa, passeiam com técnica, habilidade e domínio de normas e 
burlas  ele  e  seu  narrador.  E  é  justamente  tal  sagacidade,  tamanha  astúcia  que  permitem 
aproximar  (sem  que  teoria  seja)  a  técnica  narrativa  posta  em  prática  em  sua  ficção  sobre  a 
fronteira mexicano-estadunidense a uma narratividade coiote, porquanto nela se faça lembrar 
e  se  veja  mimetizada  uma  das  ações  principais  do  coiote:  a  busca  do  convencimento,  pelo 
fingimento,  de  que  nele  se  pode  ter  toda  confianza
69
  para  atravessar  a(s)  fronteira(s)  até  o 
sonho do eldorado na União Americana. 
Serve ainda para atestar e ratificar os argumentos ora apresentados a voz enunciativa 
adotada por Fuentes  na condução de ambas as  versões do seu  El  espejo  enterrado. Na série 
homônima  feita  para  a  televisão  sobressai  uma  enunciativa  de  ordem  mais  narrativa,  um 
                                                             
69
 Expressão de uso bastante comum na zona fronteiriça entre El Paso e Ciudad Juárez.  


131 
 
caráter mais  narrativo em que ganha  importância, além, é claro, do valor das  informações  e 
conclusões  prestadas  e  passadas  ao  telespectador,  toda  uma  “performática”  fuentesiana  de 
gesticulações, de falar também com as mãos e com expressões faciais para  atrapar, seduzir, 
convencer e manter esse espectador junto a si. Enquanto isso, a versão para a série, publicada 
em  livro, recebe contornos mais  argumentativos próprios do e para o ensaio escrito. Buscar, 
pois,  na  lembrança e/ou na consulta este Fuentes narrador de seus argumentos em  El  espejo 
enterrado  é  revê-lo  transparecido,  transluzido,  manifestado  no  narrador  que  elege  para  a 
ficção de seu La frontera de cristal.  
Não é fortuito, portanto, que conste da sinopse de uma das primeiras edições da obra a 
seguinte abertura:  
En  La  frontera  de  cristal,  Carlos  Fuentes  es  el  mismo  narrador  de  sus  mejores 
libros:  agresivo,  vital,  poderoso.  Encuentra  todos  los  ángulos  posibles  en  una 
historia, con una variante insospechada: la comicidad, que ahora lleva al lector a la 
carcajada franca con algunas de sus páginas más memorables, no por ágiles menos 
penetrantes y agudas (Alfaguarra, 1996). 
 
Eis  assim  uma  das  chaves  dessa  exposição  acerca  da  narrativa  fuentesiana:  Fuentes  como 
narrador  de  seus  livros.  Quer  dizer,  implica  diretamente  muitas  vezes  em  suas  narrativas 
ficcionais  toda  a  carga  de  conhecimento  adquirido  (em  suas  leituras,  em  suas  vivências), 
pensado,  trabalhado,  discutido,  argumentado  e  difundido  por  suas  obras  de  caráter  mais 
próximo  do  teórico-reflexivo.  Por  conseguinte,  implica  diretamente  sobre  determinados 
narradores  seus  muito  da  linguagem  adotada  pelo  próprio  Fuentes  em  gêneros  aos  quais 
normalmente se  atribui uma pretensa  maior objetividade (ainda que,  nesse aspecto, o ensaio 
seja um gênero por assim dizer mais “livre”, no que diz respeito ao tratamento de suas fontes 
e  à  objetividade  no  produto-texto  empregada;  sendo,  nesse  sentido,  menos  fechado  que  um 
artigo acadêmico, por exemplo). 
Tornando  o  olhar  para  La  frontera  de  cristal,  vale  ressaltar  que  a  comicidade  desse 
Fuentes  narrador,  tocada  na  citação  acima,  já  se  vê  de  certa  forma  anunciada  na  primeira 
descrição  dedicada  à  personagem  Michelina  Laborde.  Um  retorno  a  essa  citação  e  se  pode 
observar que, para o elogio a Michelina (“esos huesos perfectos de las beldades de México a 
las que el tiempo parece no afectar”), com a sequência imediata em “Rostros perfectos para la 
muerte,  añadió  el  galán”;  enfim,  para  o  elogio  contido  em  ambas  as  sentenças,  o  mesmo 
narrador que atribui tais palavras a um galanteador francês logo tece um complemento digno 
do que se convencionou chamar como típico de um humor inglês, comicidade repousada em 
leve ironia. Assim, para “Rostros perfectos para la muerte, añadió el galán” esse narrador que 
lembra  o  próprio  Fuentes  sentencia  “y  eso  ya  no  le  gustó  a  Michelina”.  Esse  humor 


Yüklə 2,09 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   58   59   60   61   62   63   64   65   ...   104




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə