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capitalina parte (em um intento de surpresa, de provocação de estranhamento no enredo) com
o pai de Mariano, Leonardo Barroso, em um Lincoln conversível que
[e]sta vez encapotado, cruzó rápidamente el desierto vespertino, frío y silencioso,
llenándolo de rumor de llantas y motor, espantando a las liebres que salían saltando
lejos de la carretera recta, la línea ininterrumpida hasta la frontera, a romper el
ilusorio cristal de la separación, la membrana de vidrio entre México y Estados
Unidos y seguir corriendo por las supercarreteras del norte hasta la ciudad
encantada, la tentación del desierto, iluminada, brillante, llena de Neiman-Marcus y
Saks y Cartier y Marriots donde los esperaba a los novios la suite de lujo, con
champaña y canastas de frutas, salón, espacios closets, recámara con cama king size,
muchos espejos donde admirar a Michelina, un baño de mármoles color de rosa
donde bañarse con ella, enjabonarla, acariciarla, ruborizarla (FUENTES, [1995]
2007, p. 31-2).
Mais do que a surpresa prometida e posta em prática com a consequente revelação de
que um desses noivos (e aqui Fuentes joga de forma bastante perspicaz com a dubiedade da
palavra “noivos” em espanhol) é don Leonardo e não seu filho; quer dizer, para além dessa
tentativa de que se causara um estranhamento pela narrativa, está, primeiro, a alusão das
lebres afastadas pelo carro, a imagem sobre a imagem na metáfora anteriormente exposta,
como já expliquei. Porém, é ainda mais importante a busca de permanência, de fixação, do
enfim estabelecimento da metáfora principal em forma de metáfora ampla. Antes parte de
todo o processo de metaforização desde o qual se constrói o enredo nesse ainda principio do
romance, a metáfora do cristal para a fronteira ressurge, encerrando o primeiro capítulo,
reforçando a ideia de sentido de vidro para o cristal e, ainda, outra ideia, a da separação
(incutida em “el ilusorio cristal de la separación, la membrana de vidrio
entre México y
Estados Unidos”), que será mais bem trabalhada no sétimo capítulo da obra, no conto que
empresta seu título a esse amarrado romanesco de Fuentes.
Antes de avançar, porém, para a sequência da metáfora do cristal para designar a
fronteira no sétimo conto da obra, cabe uma última observação sobre o desenrolar dessa
mesma metáfora, ainda no primeiro capítulo. Sucede que em “La capitalina” a metaforização
levada a cabo se apoia no desenvolvimento de uma escrita, ou melhor, de uma espécie de
ambientação barroca, deixando transparecer o barroco como alma desse conto, recuperada do
capítulo dedicado ao barroco do Novo Mundo em El espejo enterrado, recuperada pela linha
de comunicação que Fuentes deixa aberta ao estabelecer contato entre os gêneros ensaio,
conto e romance na sua ficção sobre a fronteira mexicano-estadunidense.
Parte desse modo de ambientar, de recuperar no presente um estilo artístico que muitas
vezes se pensa, e creio que, erroneamente, estar preso ao passado, parte do recuperar o
espírito do estilo pela ambientação barroca dada ao narrado, como visto em linhas anteriores,
volta-se inclusive para Campazas, para quando a narrativa descreve essa representação
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reduzida a imaginário espacial que congregaria todas as características do norte mexicano.
Mesmo nesse caso, em que a representação do norte é carregada de tons depreciativos na
imagem que a descrição narrativa vai repetidamente reforçando, mesmo ali se nota a presença
e importância do barroco para as situações levantadas pelo conto. Serve para corroborar tal
argumentação o exemplo abaixo, onde chama mais atenção certo posicionamento do narrador
para o norte que craveja em Campazas do que propriamente a posição quase neutra que esse
mesmo narrador consegue destinar a Michelina, quando de sua chegada à cidade:
Viajada, guapa, sofisticada, la capitalina miró sin asombro los rasgos de la ciudad de
Campazas. Su plaza central polvorienta y una iglesia humilde pero orgullosa, de
paredes deshechas y portada erguida, labrada, proclamante: hasta aquí llegó el
barroco, hasta el límite del desierto. Hasta aquí nada más. Mendigos y perros
sueltos. Mercados mágicamente nutridos y bellos (FUENTES, [1995] 2007, p. 14 –
grifo meu).
Há também no capítulo, como se pôde verificar até aqui, uma exposição bastante
barroca de dicotomia entre o sensual e o sagrado, entre a entrega da alma e o proibido ao
corpo, entre busca de paz de espírito e a agonia de não sempre a encontrar; ao invés disso,
quando muito, é a culpa que se encontra. Através de ousadias narrativas, o narrador coiote
fuentesiano opõe e ao mesmo passo alia em uma mesma linha Deus e o Demônio, ambos em
maiúsculas (Ibid. Cf., p. 25). Assim, há então a busca por inserção de um sentimento barroco,
uma busca de incutir à narrativa o espírito do barroco, causando um efeito de sensações
próprias da expressividade do estilo artístico barroco.
Mas, tal efeito não é fortuito ou mera demonstração de conhecimento e de domínio de
uso de artifícios literários. Responde, antes, a uma estratégia narrativo-literária, cooperando
para a intenção dominante: o realce da imagem, que se dá pelas possibilidades de expressão
narrativa advindas da exploração do tropo metáfora, ela mesma um sinônimo para o
significante imagem. Por isso mesmo, a linguagem literária utilizada beira o barroco no
exagero necessário das repetições. A linguagem barroca nessas repetições visa a dar “carne”,
“alma” para os personagens, numa tentativa de dar forma e fixar suas imagens à mente do
leitor imaginante. Serve de ilustração, a meu ver, bastante aproximativa do anterior exposto, o
exemplo a seguir, que opõe pela primeira vez Michelina e Mariano, antes que os dois saíssem,
também por primeira vez, para dançar à noite do lado estadunidense da fronteira. Na
apresentação da capitalina ao herdeiro dos Barroso, o jovem, com o auxílio de um hábil uso
do discurso indireto livre, suscitando a voz de seu pai, é assim descrito:
Marianito, el heredero, que nunca viajaba, que salía muy poco, que ella no conocía,
que ya era tiempo de que lo conociera, un muchacho muy retirado, muy serio, muy
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